DE FORA PARA DENTRO, E NÃO O CONTRÁRIO...
Nesse artigo o autor propõe que problemas na microvascularização que nutre vasos sanguíneos importantes possam ser o promotor da doença aterosclerose. Assim a doença não se iniciaria do interior do vaso - de uma lesão original no endotélio - mas sim de fora para dentro. Já é bastante reconhecido que a resistência à ação da insulina pode ser um promotor das doenças da micro circulação. Não é difícil concluir, uma vez sendo o consumo de carboidratos o mais importante fator para a resistência à insulina, que ambos - o consumo de carboidratos e elevações contínuas de insulina - formem um motor fisiológico importante para a aterosclerose. Vamos então entender como ocorre a doença aterosclerótica a partir dos pequenos vasos que nutrem artérias: vasa vasorum.
A visão de um cirurgião sobre a patologia da aterosclerose
Journal Circulation
(Associação Americana do Coração)
A Surgeon’s View on the Pathogenesis of Atherosclerosis
Autor: Axel Haverich, MD
19 de agosto de 2016, este é o meu procedimento de revascularização
do miocárdio # 3431. Uma mulher de 67 anos de idade apresenta doença
coronariana de três vasos calcificados, hipercolesterolemia, 42 anos de
tabagismo e hipertensão arterial. Sua artéria carótida esquerda está totalmente
ocluída, há estenose (estreitamento) da artéria subclávia direita e já teve reconstrução
anterior da artéria femoral. Horas após a conclusão da cirurgia de triplo-bypass (ponte safena),
estou refletindo sobre o fato de que a aterosclerose não envolve uniformemente
todas as médias e grandes artérias humanas, uma observação que fiz centenas de
vezes anteriormente. Iniciamos o procedimento colhendo a artéria radial
esquerda, que não apresentava evidência de aterosclerose, mas aumento da
espessura da parede sem vasa vasorum (daqui
para frente chamada de VV)
visível na superfície da adventícia. Após a esternotomia (abertura do tórax a partir do osso esterno no meio do peito), a artéria mamária
interna esquerda foi dissecada, sem aterosclerose, com uma fina parede e,
novamente, sem VV visível. Ambos os enxertos apareceram ilesos da aterosclerose
apesar dos fatores de risco mencionados. Com base na sua doença coronária e no
estado dos seus vasos supra-aórticos e femoral, é notável que certos segmentos
da árvore arterial permaneciam livres de doença.
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Vasos que nutrem artérias - anatomia dos vasa vasorum |
Posteriormente, sua aorta ascendente apareceu fortemente
calcificada, assim como os segmentos proximais de todas as artérias coronárias
epicárdicas. Distalmente, as artérias coronária direita e descendente anterior
esquerda exibiram placas calcificadas localizadas e áreas altamente
vascularizadas com camada inflamatória na adventícia. Podem ser identificados
locais adequados para inserção de bypass. O único ramo da artéria circunflexa
grande o suficiente para uma anastomose bypass (junção de vasos por ponte safena), no entanto, exibiu esclerose
máxima em seus segmentos periféricos.
Um trecho curto mergulhava no miocárdio da parede lateral do
ventrículo esquerdo. Após a dissecação da ponte miocárdica plana, visualizou-se
uma artéria de paredes finas sem placa sem qualquer VV adventícia.
Este quadro tem sido descrito repetidamente, com muitos
cirurgiões aproveitando esses bem conhecidos locais livres de doença em
procedimentos de revascularização do miocárdio.
Meu segundo assistente, no entanto, um estudante de medicina
de sexto ano, começou a fazer perguntas. E com razão! Como uma artéria que
apresenta esclerose proximal e distal grave tem, em seu ponto médio, um
segmento inteiramente livre de doença com uma estrutura de parede infantil? Por
que os fatores de risco do paciente não afetam o segmento intramiocárdico de
sua artéria circunflexa? Como a ponte muscular externa pode prevenir danos da
íntima, a localização que se pensa ser onde a doença é iniciada? Como um cético
de longo prazo de que o dano da íntima seria o iniciador primário da
aterosclerose, eu trouxe à sua atenção o fato de que as áreas previsivelmente
poupadas de aterosclerose muitas vezes tem falta de VV. Infelizmente, eu não
poderia transmitir ao aluno a patogênese subjacente da doença.
Com nossas observações e meus escassos comentários ao aluno
ainda em minha mente, eu tentei desenvolver uma teoria unificadora. Se um único
mecanismo como a cobertura muscular pode proteger uma parede dos vasos
sanguíneos contra uma pletora de fatores de risco de aterosclerose, talvez haja
um mecanismo fisiopatológico adicional não reconhecido que poderia explicar o
início do processo da doença. Este fator precisaria envolver a adventícia em
vez da íntima, pois evidências crescentes suportam uma progressão externa do
desenvolvimento da doença, onde a inflamação vascular é iniciada na adventícia
e se propaga para dentro em direção à íntima. O mecanismo deve também ser capaz
de precipitar os 2 fenótipos principais de aterosclerose, nomeadamente
obstrução por placas e dilatação aneurismática.
Como com o fenômeno das artérias saudáveis na doença
multifocal, os cirurgiões cardíacos conhecem o padrão inverso: estruturas
vasculares em estádios terminais de degeneração em indivíduos livres de
aterosclerose multifocal.
Tais processos focais podem ocorrer sob condições de
desenvolvimento acelerado da doença, exemplos dos quais incluem:
1. Enxerto obstruído, bypass venoso autólogo que muitas
vezes requerem re-operação dentro de poucos anos após a cirurgia de
revascularização do miocárdio. Durante a colheita do enxerto, aprendemos a
preservar a integridade adventícia porque a isquemia da parede vascular do VV
interrompida é o único e mais importante fator na degeneração do enxerto venoso,
um processo que se assemelha à aterosclerose acelerada nas artérias.
2. Aloenxertos calcificados que frequentemente requerem nova
substituição da válvula. As técnicas atuais de conservação de tais enxertos não
permitem a manutenção da integridade funcional da VV. Nós e outros
desenvolvemos homo-enxertos sem células (descelularizados), onde a isquemia da
parede vascular é melhorada pela redução da demanda de oxigênio atribuível à
ausência de células. Aqui, em nossa experiência, nenhuma degeneração foi
observada em > 200 pacientes nos últimos 14 anos.1
3. A aortite sifilítica é o resultado da necrose focal da aorta. Curiosamente, spirochaetes (bactéria da sífilis) foram encontrados repetidamente dentro da parede aórtica, localizado dentro do lúmen (espaço interno de um vaso) de VV, resultando em sua obstrução inflamatória. Neste caso, a isquemia da parede vascular local resulta em calcificação focal e formação de aneurismas.
4. O canal arterial (ductus arteriosus) (sobre isso saiba mais no final do artigo) em bebês prematuros consiste de uma parede arterial de camada fina que pode ser cortada cirurgicamente facilmente. Se tivermos de ocluí-lo em bebês mais velhos, sua parede é severamente espessada e, se ainda está aberta em adultos, geralmente é calcificada. Normalmente, é ocluído espontaneamente nos primeiros dias de vida por obstrução da VV 2, representando assim a forma mais acelerada de aterosclerose.
Estes exemplos sugerem que a isquemia da parede dos vasos sanguíneos participa nos estádios iniciais do processo de aterosclerose. De fato, em animais experimentais, a constrição física de VV precipita o desenvolvimento de raias gordurosas no segmento arterial subjacente 3 e a obstrução da VV na aorta abdominal resulta na formação de aneurismas.
As VV são responsáveis pela nutrição da parede vascular
através da camada adventícia em grandes e médias artérias. Ao operar em
artérias em lactentes, nenhum VV é detectável, nem mesmo na aorta ascendente. Com o crescimento, a espessura da parede em nosso sistema
arterial, especialmente na camada íntima, 5 aumenta devido a um
aumento na tensão da parede, e VV são necessários porque a nutrição através da
difusão é limitada.
Por serem artérias terminais funcionais, a obstrução de VV
resulta em necrose isquêmica de células em camadas subintimais, correspondendo
à sua área de suprimento individual. Em todos os exemplos listados acima, a
isquemia da parede do vaso por disfunção ou oclusão de VV representaria um
mecanismo fisiopatológico uniforme no início do processo de aterosclerose.
Consequentemente, propomos que a aterosclerose representa uma doença microvascular em vez de uma doença de grande vaso. As artérias maiores estão envolvidas secundariamente após a doença microvascular da parede do vaso. Áreas previsivelmente poupadas de aterosclerose (por exemplo, pontes intramiocárdicas, artérias mamárias) carregam poucos ou nenhum VV e assim não podem sofrer de isquemia de parede vascular por microcirculação perturbada.
Duas teorias principais sobre os fatores iniciadores da aterosclerose têm sido propostas por outros: resposta à lesão e resposta à inflamação. Em ambos, o endotélio seria o alvo principal. A disfunção do endotélio, entretanto, causaria muito mais dano a partir dos eventos trombóticos em microvasos do que em artérias maiores. A obstrução da VV então se traduz em comprometimento funcional seguido de dano estrutural no vaso que nutre.
Quando se considera a aterosclerose como uma doença
microvascular adventícia, muitos fatores de risco como hipertensão, estresse,
tabagismo e tecido adiposo perivascular (aumentado pela obesidade), começam a fazer
sentido. Portanto, muito do que os cardiologistas pediátricos e adultos
recomendam hoje para prevenção e tratamento da aterosclerose já está
direcionado para a proteção do sistema microvascular. A pesquisa futura que
focaliza na doença do microvaso pode se construir em muitos conceitos provados e que
já estão sendo investigados. Como cirurgiões, não podemos proteger todas as
artérias maiores no corpo humano da disfunção de VV. As paredes dos vasos
sanguíneos de nossa espécie requerem o fornecimento de sangue externo, com mais
VV sendo provavelmente melhor do que menos. Seu aumento poderia ser um campo de
futuro nas pesquisas em medicina regenerativa, se a minha geração de assistentes
estudantes de medicina continuar a fazer perguntas.
LINK do artigo original AQUI:
Referências para os que não conseguirem abrir o artigo original:
1. Sarikouch S, Horke A, Tudorache I, Beerbaum P, Westhoff-Bleck M, Boethig D, Repin O, Maniuc L, Ciubotaru A, Haverich A, Cebotari S. Decellularized fresh homografts for pulmonary valve replacement: a decade of clinical experience. Eur J Cardiothorac Surg. 2016;50:281–290. doi: 10.1093/ejcts/ezw050.
2. Kajino H, Goldbarg S, Roman C, Liu BM, Mauray F, Chen YQ, Takahashi Y, Koch CJ, Clyman RI. Vasa vasorum hypoperfusion is responsible for medial hypoxia and anatomic remodeling in the newborn lamb ductus arteriosus. Pediatr Res. 2002;51:228–235. doi: 10.1203/00006450-200202000-00017.
3. Heistad DD, Marcus ML. Role of vasa vasorum in nourishment of the aorta. Blood Vessels. 1979;16:225–238.
4. Tanaka H, Zaima N, Sasaki T, Sano M, Yamamoto N, Saito T, Inuzuka K, Hayasaka T, Goto-Inoue N, Sugiura Y, Sato K, Kugo H, Moriyama T, Konno H, Setou M, Unno N. Hypoperfusion of the adventitial vasa vasorum develops an abdominal aortic aneurysm. PLoS One. 2015;10:e0134386. doi: 10.1371/journal.pone.0134386.
5. Nakashima Y, Wight TN, Sueishi K. Early atherosclerosis in humans: role of diffuse intimal thickening and extracellular matrix proteoglycans. Cardiovasc Res. 2008;79:14–23. doi: 10.1093/ cvr/cvn099.
Referências para os que não conseguirem abrir o artigo original:
1. Sarikouch S, Horke A, Tudorache I, Beerbaum P, Westhoff-Bleck M, Boethig D, Repin O, Maniuc L, Ciubotaru A, Haverich A, Cebotari S. Decellularized fresh homografts for pulmonary valve replacement: a decade of clinical experience. Eur J Cardiothorac Surg. 2016;50:281–290. doi: 10.1093/ejcts/ezw050.
2. Kajino H, Goldbarg S, Roman C, Liu BM, Mauray F, Chen YQ, Takahashi Y, Koch CJ, Clyman RI. Vasa vasorum hypoperfusion is responsible for medial hypoxia and anatomic remodeling in the newborn lamb ductus arteriosus. Pediatr Res. 2002;51:228–235. doi: 10.1203/00006450-200202000-00017.
3. Heistad DD, Marcus ML. Role of vasa vasorum in nourishment of the aorta. Blood Vessels. 1979;16:225–238.
4. Tanaka H, Zaima N, Sasaki T, Sano M, Yamamoto N, Saito T, Inuzuka K, Hayasaka T, Goto-Inoue N, Sugiura Y, Sato K, Kugo H, Moriyama T, Konno H, Setou M, Unno N. Hypoperfusion of the adventitial vasa vasorum develops an abdominal aortic aneurysm. PLoS One. 2015;10:e0134386. doi: 10.1371/journal.pone.0134386.
5. Nakashima Y, Wight TN, Sueishi K. Early atherosclerosis in humans: role of diffuse intimal thickening and extracellular matrix proteoglycans. Cardiovasc Res. 2008;79:14–23. doi: 10.1093/ cvr/cvn099.
SOBRE CANAL ARTERIAL:
O canal arterial, ou ductus arteriosus (latim), é um pequeno canal (pequeno vaso sanguíneo) que só existe fisiologicamente no feto. É indispensável à vida fetal.
Situa-se entre a artéria pulmonar e a crossa da aorta. Por ele, o sangue venoso da artéria pulmonar é desviado parcialmente dos pulmões os quais durante a vida fetal ainda não são funcionantes. O sangue drena então para a aorta, para ser encaminhado para a artéria umbilical que se dirige para a placenta, onde é reoxigenado e libertado dos produtos finais do metabolismo tecidular. Volta ao feto pelas veias umbilicais.[1]
Quando a criança nasce a circulação pulmonar entra em funcionamento após a laqueação do cordão umbilical. O sangue passa a ser oxigenado pelos pulmões, o canal arterial fecha progressivamente e transforma-se no ligamento arterial.
A persistência deste canal, Persistência do canal arterial, faz parte das cardiopatias congênitas. Normalmente é uma malformação benigna, porém se não for corrigida pode levar a uma hipertensão arterial pulmonar na idade adulta, em alguns casos muito grave.
Nos casos de certas cardiopatias congênitas, como o ventrículo único, atresia da válvula tricúspide a transposição dos grandes vasos, por exemplo, este canal deve permanecer aberto para que a vida seja possível até que uma cirurgia corretiva tenha lugar.
(FONTE WIKIPEDIA)
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