sábado, 4 de janeiro de 2020

Querem nos convencer que o problema é o tamanho da porção...


O controle das porções é o novo alvo da (atenção contra a) obesidadeControle de parcela se torna o mais recente alvo da obesidade







Um novo grupo chamado Portion Balance Coalition (PBC) foi formado para promover a ideia de que a quantidade e não o tipo de alimento que uma pessoa come é o mais crítico para a boa saúde. A gigante da indústria alimentícia suíça Nestlé lançou o grupo no início deste ano, com a intenção de enfatizar a importância do controle de porções. Entre sua longa lista de membros da indústria de alimentos, também está o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o que é altamente questionável, uma vez que o departamento tem a responsabilidade de – 1 -  não ficar próximo (associado) à indústria (de produtos alimentícios) e – 2 - não tomar partido em debates científicos.
O site da PBC afirma que “a geração ‘Millennials’ com seus filhos é nosso principal alvo inicial”. O grupo “se dedicou a esse segmento de jovens adultos, uma vez que não há um outro momento associado a tantas transições de vida – busca de viver independentemente, a entrada em um primeiro emprego em período integral, um casamento, uma gravidez e parto, (talvez um) divórcio - como os que acontecem na idade adulta jovem.”
Segundo o site, o grupo tem como objetivo educar os consumidores sobre o volume (tamanho/quantidade), proporcionalidade (variedade) e qualidade (densidade de nutrientes) de alimentos e refeições. No entanto, fica claro pelo nome do grupo que o controle da porção, ou volume (quanto se come), é a ênfase principal. O único estudo de caso fornecido no site descreve como a Taco Bell eliminou seus copos de bebidas extragrandes (40 onças ou 1,14 litros!!!) em favor de tamanhos menores.
Embora exista um consenso geral sobre a importância de comer alimentos naturais densos nos vários nutrientes necessários para uma boa saúde, há muito menos concordância científica sobre a ideia de que o volume total de alimentos é significativo para o controle de peso. Um número crescente de cientistas acredita que, quando se trata de obesidade e outras doenças metabólicas, o tipo de alimento é mais importante que o volume de alimentos. Esses cientistas afirmam que seu corpo não metaboliza uma fatia de bife da mesma forma que o faz uma xícara de açúcar. 
De qualquer forma, é importante reconhecer que existe uma disputa científica substancial sobre esse assunto e que tomar partido neste momento do debate é imprudente para instituições públicas - até que a ciência seja mais conclusiva.
Ainda assim, os participantes do PBC estão tomando partido. Especificamente, eles endossam a ideia de que a quantidade de alimentos é a principal preocupação. Os membros da indústria incluem gigantes da indústria de alimentos, como Nestlé, PepsiCo, Unilever, Kraft-Heinz e General Mills. Grupos sem fins lucrativos incluem a American Cancer Society, a American Heart Association e o Center for Science in the Public Interest. (Veja a figura a seguir:)


Para os membros que produzem alimentos altamente processados, há claramente um benefício em apoiar a ideia de que uma porção de cereal açucarado enriquecido artificialmente pode ser equiparada a uma porção de brócolis. 
Que uma “caloria é uma caloria”, independentemente do teor de nutrientes, é a posição do status quo no campo e, sem dúvida, é uma razão pela qual vários grupos que sustentam esse ponto de vista assinaram um contrato com o PBC. 
É preocupante, no entanto, que o USDA tenha se juntado a esse grupo de defesa. O USDA é a principal agência governamental que emite as Diretrizes Dietéticas dos EUA para os americanos. "Para manter a objetividade em questões científicas, uma agência deve permanecer neutra nos debates científicos e não tomar partido", disse a diretora executiva da Coalizão de Nutrição, Nina Teicholz. "Também é uma preocupação que o USDA participe de uma colaboração de uma indústria tão rica nesse setor", acrescentou.
Motivos subjacentes 
Qualquer esforço para enfrentar a crise da obesidade deve ser aplaudido, mas muito parecido com as frases "sem glúten" e "baixo teor de gordura" que são afixadas nas embalagens para vender mais alimentos, as palavras "porção balanceada" ou "porção controlada" podem tornar-se novos termos de marketing para a indústria alimentícia de evidências científicas questionáveis. Os consumidores também podem ser incentivados a comprar porções menores pelo mesmo preço, o que pode muito bem fazer mais para encolher a carteira do que a cintura.
A mulher que lidera o esforço da PBC, Diane Ty, do programa Business for Impact da Universidade de Georgetown, não tem formação em nutrição, mas é consultora de marketing de longa data, com cargos seniores anteriores na American Express e na American Association of Retired Persons (Associação Americana dos Aposentados).  
Lembrando a Rede Global de Balanço Energético (GEBN)
A ênfase que a PBC coloca no tamanho da porção também parece ser uma continuação da ideia de culpar a (ocorrência da) obesidade diretamente ao consumidor, implicando que o (a) excesso de consumo individual de produtos alimentares e a (b) falta de força de vontade (de controlar a ingestão) são os culpados. Enquanto algumas pessoas claramente comem demais, pelo menos um estudo mostrou que a ingestão excessiva é desencadeada pelos alimentos altamente processados. Será que fará diferença se esses alimentos (ou melhor dizendo: produtos de consumo com finalidade alimentícia, NT) forem embalados em tamanhos menores ou será que uma pessoa com fome simplesmente vai comprar dois pacotes em vez de um? Se o problema estiver no tipo de alimento, e não na embalagem, essa iniciativa terá pouco efeito. 
Uma tentativa semelhante, conduzida pela indústria, que foi extinta em 2015 foi chamada de Global Energy Balance Network (GEBN), fomentada com dinheiro da Coca-Cola. A GEBN visava promover a ideia de que os americanos não se exercitam o suficiente. A presunção, novamente, era que "uma caloria é (simplesmente) uma caloria", sendo a incapacidade de equilibrar as calorias, um problema do indivíduo.
De acordo com um artigo do GEBN do New York Times , “especialistas em saúde dizem que essa mensagem é parte de um esforço da Coca-Cola para desviar as críticas sobre o papel que as bebidas açucaradas tiveram na proliferação da obesidade e do diabetes tipo 2. Eles afirmam que a empresa está usando o novo grupo para convencer o público de que a atividade física pode compensar uma dieta ruim, apesar das  evidências de que o exercício tem apenas um impacto mínimo no peso em  comparação com aquilo (os produtos alimentícios) que as pessoas consomem.”
Os e-mails obtidos pelo Right to Know dos EUA (U.S. Right to Know é organização sem fins lucrativos que persegue a verdade e a transparência no sistema alimentar norte-americano), sugerem que o GEBN foi projetado para recrutar centenas de cientistas para um grupo que poderia atuar como "uma fonte confiável e respeitada para uma visão equilibrada e baseada na ciência", além de "promover a colaboração entre a indústria e o governo." 
A idéia de “calorias ingeridas/calorias gastas” (calories in calories out) está viva e forte. Atualmente, todas as redes alimentares com 20 ou mais unidades são obrigadas a listar informações sobre calorias em seus menus, embora pelo menos um grande estudo tenha constatado que essa medida não teve efeito no número de calorias consumidas. 
Em suma, o PBC parece ser um renascimento do GEBN com um nome diferente. Da mesma forma, seus princípios são baseados em uma interpretação da ciência que favorece a indústria e culpa o público por seu sofrimento com a obesidade e outras doenças relacionadas à dieta. 
A questão mais fundamental é porque algumas de nossas instituições de saúde pública e agências governamentais de confiança, como o USDA, estão se alinhando à indústria em questões tão incertas da ciência.



Artigo de Emma Hitt Nichols, PhD
Para NUTRITION COALITION
Artigo original AQUI

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