O controle das porções é o
novo alvo da (atenção contra a) obesidade
Um novo grupo chamado Portion Balance Coalition (PBC) foi
formado para promover a ideia de que a quantidade e não o tipo de
alimento que uma pessoa come é o mais crítico para a boa saúde. A gigante da
indústria alimentícia suíça Nestlé lançou o grupo no início deste ano, com a
intenção de enfatizar a importância do controle de porções. Entre sua longa
lista de membros da indústria de alimentos, também está o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o que é altamente
questionável, uma vez que o departamento tem a responsabilidade de – 1 - não ficar próximo (associado) à indústria (de
produtos alimentícios) e – 2 - não tomar partido em debates científicos.
O site da PBC
afirma que “a geração ‘Millennials’ com seus filhos é nosso principal alvo
inicial”. O grupo “se dedicou a esse segmento de jovens adultos, uma vez que
não há um outro momento associado a tantas transições de vida – busca de viver
independentemente, a entrada em um primeiro emprego em período integral, um casamento,
uma gravidez e parto, (talvez um) divórcio - como os que acontecem na idade
adulta jovem.”
Segundo o site, o grupo tem como objetivo educar os
consumidores sobre o volume (tamanho/quantidade), proporcionalidade (variedade)
e qualidade (densidade de nutrientes) de alimentos e refeições. No entanto,
fica claro pelo nome do grupo que o controle da porção, ou volume (quanto se
come), é a ênfase principal. O único estudo de caso fornecido no site
descreve como a Taco Bell eliminou seus copos de bebidas extragrandes (40 onças
ou 1,14 litros!!!) em favor de tamanhos menores.
Embora exista um consenso geral sobre a importância
de comer alimentos naturais densos nos vários nutrientes necessários para uma
boa saúde, há muito menos concordância científica sobre a ideia de que o volume
total de alimentos é significativo para o controle de peso. Um número crescente
de cientistas acredita que, quando se trata de obesidade e outras doenças
metabólicas, o tipo de alimento é mais importante que o volume de
alimentos. Esses
cientistas afirmam que seu corpo não metaboliza uma fatia de bife da mesma
forma que o faz uma xícara de açúcar.
De qualquer forma, é importante reconhecer que
existe uma disputa científica substancial sobre esse assunto e que tomar
partido neste momento do debate é imprudente para instituições públicas - até
que a ciência seja mais conclusiva.
Ainda assim, os participantes do PBC estão tomando
partido. Especificamente, eles endossam a ideia de que a quantidade de
alimentos é a principal preocupação. Os membros da indústria incluem gigantes
da indústria de alimentos, como Nestlé, PepsiCo, Unilever, Kraft-Heinz e
General Mills. Grupos sem fins lucrativos incluem a American Cancer Society, a
American Heart Association e o Center for Science in the Public Interest. (Veja
a figura a seguir:)
Para os
membros que produzem alimentos altamente processados, há claramente um
benefício em apoiar a ideia de que uma porção de cereal açucarado enriquecido
artificialmente pode ser equiparada a uma porção de brócolis.
Que uma “caloria é uma caloria”, independentemente
do teor de nutrientes, é a posição do status quo no campo e, sem dúvida, é uma
razão pela qual vários grupos que sustentam esse ponto de vista assinaram um
contrato com o PBC.
É preocupante, no entanto, que o USDA tenha se
juntado a esse grupo de defesa. O USDA é a principal agência governamental que
emite as Diretrizes Dietéticas dos EUA para os americanos. "Para manter a
objetividade em questões científicas, uma agência deve permanecer neutra nos
debates científicos e não tomar partido", disse a diretora executiva da
Coalizão de Nutrição, Nina Teicholz. "Também é uma preocupação que o USDA
participe de uma colaboração de uma indústria tão rica nesse setor",
acrescentou.
Motivos subjacentes
Qualquer esforço para enfrentar a crise da
obesidade deve ser aplaudido, mas muito parecido com as frases "sem
glúten" e "baixo teor de gordura" que são afixadas nas
embalagens para vender mais alimentos, as palavras "porção balanceada"
ou "porção controlada" podem tornar-se novos termos de marketing para
a indústria alimentícia de evidências científicas questionáveis. Os
consumidores também podem ser incentivados a comprar porções menores pelo mesmo
preço, o que pode muito bem fazer mais para encolher a carteira do que a
cintura.
A mulher que lidera o esforço da PBC, Diane Ty, do
programa Business for Impact da Universidade de Georgetown, não
tem formação em nutrição, mas é consultora de
marketing de longa data, com cargos seniores anteriores na American
Express e na American Association of Retired Persons (Associação
Americana dos Aposentados).
Lembrando a Rede
Global de Balanço Energético (GEBN)
A ênfase que a PBC coloca no tamanho da porção
também parece ser uma continuação da ideia de culpar a (ocorrência da)
obesidade diretamente ao consumidor, implicando que o (a) excesso de consumo individual
de produtos alimentares e a (b) falta de força de vontade (de controlar a
ingestão) são os culpados. Enquanto algumas pessoas claramente comem demais,
pelo menos um estudo
mostrou que a ingestão excessiva é desencadeada pelos alimentos
altamente processados. Será que fará diferença se esses alimentos (ou melhor
dizendo: produtos de consumo com finalidade alimentícia, NT) forem embalados
em tamanhos menores ou será que uma pessoa com fome simplesmente vai comprar
dois pacotes em vez de um? Se o problema estiver no tipo de alimento, e não na
embalagem, essa iniciativa terá pouco efeito.
Uma tentativa semelhante, conduzida pela indústria,
que foi extinta em 2015 foi chamada de Global Energy Balance Network (GEBN), fomentada com dinheiro da Coca-Cola. A
GEBN visava promover a ideia de que os americanos não se exercitam o
suficiente. A presunção, novamente, era que "uma caloria é (simplesmente) uma
caloria", sendo a incapacidade de equilibrar as calorias, um problema do
indivíduo.
De acordo com um
artigo do GEBN do New York Times
, “especialistas em saúde dizem que essa mensagem é parte de um esforço da
Coca-Cola para desviar as críticas sobre o papel que as bebidas açucaradas
tiveram na proliferação da obesidade e do diabetes tipo 2. Eles afirmam que a
empresa está usando o novo grupo para convencer o público de que a atividade
física pode compensar uma dieta ruim, apesar das evidências de
que o exercício tem apenas um impacto mínimo no peso em
comparação com aquilo (os produtos alimentícios) que as pessoas
consomem.”
Os e-mails obtidos pelo Right to Know dos EUA (U.S. Right
to Know é organização sem fins lucrativos que persegue a verdade e a transparência
no sistema alimentar norte-americano), sugerem que o GEBN foi projetado
para recrutar centenas de cientistas para um grupo que poderia atuar como
"uma fonte confiável e respeitada para uma visão equilibrada e baseada na
ciência", além de "promover a colaboração entre a indústria e o governo."
A idéia de “calorias ingeridas/calorias gastas” (calories
in calories out) está viva e forte. Atualmente, todas as redes alimentares
com 20 ou mais unidades são obrigadas a listar informações sobre calorias em
seus menus, embora pelo menos um grande estudo
tenha constatado que essa medida não teve efeito no número de
calorias consumidas.
Em suma, o PBC parece ser um renascimento do GEBN
com um nome diferente. Da mesma forma, seus princípios são baseados em uma
interpretação da ciência que favorece a indústria e culpa o público por seu
sofrimento com a obesidade e outras doenças relacionadas à dieta.
A questão mais fundamental é porque algumas de
nossas instituições de saúde pública e agências governamentais de confiança,
como o USDA, estão se alinhando à indústria em questões tão incertas da ciência.
Artigo original AQUI
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