O ABACATE E A ÁGUA
Vivemos um momento onde estamos na constante busca de
salvações. Talvez tenha sido sempre assim e nem tenhamos percebido. Há uma clara
percepção de “algo” não vai bem. Então, continuamente nos deparamos com verdadeiras
paixões. E como toda a paixão nosso olhar holístico fica ofuscado e só ficamos
presos aos brilhos do objeto alvo de nossa dedicação. Um dos campos mais atordoantes
dessa rotineira atitude recai na alimentação. Vigiar o que comer tem sido visto
como um pilar de salvaguarda, ícone de subversão, marca de liberdade ou
insígnia de sagacidade. Mas quase sempre fica domesticado à passionalidade. Existem
vários alimentos que monopolizam inacreditáveis singulares predicados. É como
se a população que tivesse acesso àquele alimento tivesse tido muito mais sorte
que todo o resto da população do globo. Embora estejamos vivendo em qualquer
lugar, com a obrigatória conexão ambiental para sobrevivência, sem opções
alternativas, ou comemos o que ambiente nos oferece ou não seremos bem-sucedidos,
ainda somos promovidos àquela fantasia salvadora, do alimento perfeito. De preferência
um que possa ter todos os adjetivos que a mídia do momento mais admire –
natural, integral, vegano, orgânico etc. Mas na verdade esses adjetivos em
termos evolutivos não fazem sentido. Não há rótulos no ambiente natural, e
todos os alimentos precisam estar conectados com a teia da vida, uma vez que
fora dela, não devem ser nem mesmo considerados alimentos. Isso também quer
dizer que é necessário compreender o status ambiental dos alimentos; o que pode
nos deixar um pouco desapontados com outro “queridinho” entre veganos e demais
puristas: o abacate.
Vamos ver isso como isso acontece em duas reportagens que
lidam com situações geopolíticas promovidas pelo apelo ao abacate.
A reportagem a seguir é sobre o Chile:
Como a
demanda por abacate está causando a esgotamento da água do Chile
O aumento da demanda por abacates está gerando consequências sem
precedentes em certas partes do mundo, como a escassez intensa de água na
região de Petorca, no Chile.
Artigo de Flavia Olivieri
Para LIFEGATE
Os abacates são um dos superalimentos mais populares de hoje. A fruta tem uma variedade de propriedades benéficas, incluindo riqueza em vitamina E antioxidante , gorduras monoinsaturadas, caroteno e minerais úteis, como ferro e potássio. Apesar de ganhar popularidade, o cultivo deste alimento nutritivo tem um lado sombrio. Precisa de muita água para crescer, aproximadamente 70 litros por abacate. Uma quantidade significativa, especialmente se comparado a uma média de 22 litros para uma laranja e 5 para um tomate .
A agricultura de abacate é
uma atividade intensiva em água e em algumas partes do mundo, particularmente
em regiões secas como a província de Petorca,
no Chile,
na região de Valparaíso, a quantidade desse precioso recurso aumenta para 320 litros por abacate - 64 vezes o necessário para um tomate. Os
moradores dessa área cultivavam feijão, milho, batata ou usavam seus lotes na
pecuária. Desde o final da década de 90, no entanto, os investidores
gostam da província devido ao baixo custo de suas terras. Combinado com a
generosa receita que os abacates proporcionam, isso desencadeou uma série de
consequências sem precedentes para Petorca e seus habitantes.
Água no
Chile e sua legislação problemática
A
água nesse país da América do Sul é regulamentada por leis
de propriedade privada. A Direção Geral de Águas (DGA)
distribui os direitos da água aos
investidores por ordem de chegada, tanto para os rios quanto para as águas
subterrâneas. As implicações dessa privatização são sérias, pois um
indivíduo ou aquela entidade que adquiriu esses direitos pode esgotar todo o
estoque de uma área, até revendê-lo, se assim o desejar.
O
problema não termina aqui. Os proprietários das plantações começaram a
privar ilegalmente as aldeias locais em toda a região dessa necessidade [de
água], desviando-a para atender às demandas agrícolas. Segundo
a DGA, isso foi feito através de 65
canais em 2011. As fotografias de satélite fornecem
evidências inegáveis desse fenômeno, mas, no entanto, levou a uma punição foi muito
modesta: uma multa de aproximadamente 1.100
dólares para "importunar" os proprietários de plantações. Um fato
que pode ter relação com conexões com figuras políticas. Por
exemplo, Eduardo Cerda García, chefe da plantação Agricola Pililen, costumava
ser um membro parlamentar da região de Petorca. Apesar de consumir água
mais de 600% do que o permitido e em locais sem liberação, seu
envolvimento nos negócios de produção e exportação de abacate permaneceu
imperturbável.
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Petorca - região de seca |
Consequências para as comunidades locais
A
combinação de terras baratas, direitos de propriedade privada da água e
corrupção criou a base dos problemas atuais na região. Os investidores
decidiram comprar terras inadequadas para o cultivo de abacates a
baixo custo. A água é escassa naturalmente em
Petorca, com secas ocorrendo a cada sete anos. Combinada com as mudanças
climáticas e sedentas plantações, a comunidade local
sofreu. As fontes naturais secaram, forçando os moradores a beber água que
lhes é trazida semanalmente em caminhões. Quando essa água foi testada em
2014, verificou-se que os níveis de coliformes (bactérias encontradas nas
fezes) eram muito mais altos que o limite legal. Apesar disso, a água
ainda é usada para beber, cozinhar, lavar e limpar. Com uma margem muito
baixa de 50
litros por dia, as pessoas são forçadas a desistir de atividades
como lavar suas roupas para cozinhar e sacrificar a higiene pessoal. Uma
clara violação de seu direito básico à
água .
"Existe o direito humano à água,
que dá direito a todos a água potável ... Devemos cuidar da água, devemos parar
a exploração e a retirada descontrolada, parar de poluir e garantir o direito
de acessar a água limpa para todos. Isso não acontecerá se uma grande
corporação continuar controlando a água". Diz Maude Barlow, ex-relatora especial da ONU sobre o direito
humano à água potável e ao saneamento
Além
disso, 2.000 pequenas fazendas de abacate abandonaram seus negócios desde 2007,
em contraste com a expansão de plantações de abacate em larga escala que agora
dominam a maior parte da região. Tornou-se impossível para os pequenos
agricultores competir com os maiores produtores de abacate, muitos habitantes
estão deixando Petorca para encontrar melhores oportunidades em outros lugares,
mudando a natureza e o caráter do lugar, entre outras coisas.
Os
prefeitos das cidades da província tentaram mudar as políticas organizando
manifestações de protesto e promovendo conscientização. Até agora, eles não tiveram
sucesso. Em um exemplo, uma manifestação foi fortemente suprimida com
canhões de água, por exemplo. Em resposta, o prefeito de La Ligua parou de
tentar convencer outros políticos a mudar de rumo, começando a levantar fundos
para uma usina de dessalinização para os
moradores da região.
O impacto da
demanda excessiva
O
Reino Unido importou mais de 17.000
toneladas de abacates somente em 2016. De acordo com
estatísticas recentes, a demanda aumentou 27% em
2017. Para piorar a situação, as redes de supermercados populares como Tesco,
Morrisons, Waitrose, Aldi e Lidl tem todos seus estoques oriundos de Petorca. O mesmo vale
para outros grandes varejistas da Europa. 60% das exportações de abacate
do Chile entraram nos mercados do continente em 2017, totalizando 134.000 toneladas. No
entanto, interromper as vendas de abacate nessa região não necessariamente
resolverá problemas em torno dessas safras, já que existem problemas em outros
lugares, como no México,
onde seu comércio é regulado
por cartéis de drogas .
A
mensagem que se deve levar para casa é evitar o consumo excessivo de abacate e obter
essas frutas de pequenas empresas - ou de produtores vizinhos para consumidores de países
como Itália e Espanha -, pois a demanda cresceu desproporcionalmente, causando
sérios problemas para as comunidades locais nos países produtores.
Publicado em 19/11/2019
TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SÉRIE "AS SOMBRAS DOS ALIMENTOS PERFEITOS"
SÉRIE "AS SOMBRAS DOS ALIMENTOS PERFEITOS"
LINK DO ORIGINAL
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