Estarão os alimentos rotulados “com baixo teor de açúcar” enganando os consumidores?
Alegações de alimentos e bebidas como "apenas um pouco doce" ou "saudável" podem mascarar altos níveis de açúcares adicionados.
Por Anahad O'Connor
· 26 de fevereiro de 2020
O rótulo do chá gelado com sabor de pêssego orgânico da Honest Tea tem uma mensagem tranquilizadora para as pessoas que querem uma bebida que não seja muito açucarada: "Apenas um pouco doce", afirma o rótulo.
Mas uma única porção da bebida, a quantidade em uma garrafa de 500 ml, contém 25 gramas de açúcar adicionado, equivalente a seis colheres de chá de açúcar de mesa. Isso é metade do limite diário de ingestão de açúcar adicionado recomendado pelo governo federal (EUA).
Os críticos dizem que o Honest Tea, de propriedade da Coca-Cola, é uma das muitas empresas de alimentos que enganam os consumidores sobre a quantidade de açúcar que é adicionada aos seus produtos. As autoridades de saúde, nos últimos anos, vincularam o consumo de açúcar adicionado (aos produtos alimentícios) a doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e obesidade e alertaram os americanos a reduzir sua ingestão. No entanto, de acordo com alguns especialistas, as empresas comercializam rotineiramente bebidas, cereais matinais, barras de cereais e outros alimentos levemente adocicados, como saudáveis para o coração ou nutricionais, apesar de conter quantidades significativas de açúcar.
Um estudo recente que examinou milhões de compras de supermercado nos Estados Unidos descobriu que estampas duvidosas sobre açúcar, sal e gordura eram comuns. Muitos sucos de frutas que afirmavam ter baixo teor de açúcar, por exemplo, tendiam a ter açúcares adicionado e mais açúcar (total) do que os sucos (similares) comparáveis, sem essas mesmas reivindicações sobre isso. Alguns cereais matinais rotulados com poucas calorias tinham mais calorias do que os cereais que não faziam tais reivindicações sobre (quantidade de) calorias. E bebidas esportivas, energéticas, de chá e café com reivindicações de baixo teor de sódio tinham quase 17% mais sódio do que produtos similares sem alegações sobre o sódio (reduzido).
Com o açúcar cada vez mais em destaque na saúde pública, alguns defensores dos consumidores instaram a Food and Drug Administration (FDA) a acelerar sua aplicação das restrições à rotulagem de produtos açucarados. Eles dizem que a agência precisa definir o que significa um produto com baixo teor de açúcar adicionado - ou "saudável" - para impedir que as empresas enganem os consumidores na compra de alimentos com mais açúcar do que o previsto.
Confrontos sobre o significado desses termos nos rótulos dos alimentos e se as empresas estão tentando enganar os consumidores levaram a uma enxurrada de ações judiciais.
Em outubro, a Kellogg concordou em pagar US $ 20 milhões para resolver uma ação coletiva que acusava a empresa de anunciar falsamente alguns de seus cereais matinais mais populares como saudáveis para o coração e levemente adocicados, como o Raisin Bran® e o Smart Start®. Várias outras empresas, incluindo Clif Bar, Mondelez, General Mills, Whole Foods, Jamba Juice e Post Foods, enfrentaram ações semelhantes sobre o nível de açúcar em seus produtos.
Existem críticos que denigrem esses processos como frívolos. O Instituto de Reforma Legal da Câmara dos EUA, um grupo que representa empresas, descreveu o aumento de litígios sobre açúcar em um relatório recente como "um amplo ataque a produtos com adição de açúcar" e classificou os casos contra Kellogg e outras empresas de "absurdos".
Em janeiro, o Center for Science in the Public Interest, - CSPI - um grupo de defesa do consumidor em Washington, enviou uma carta ao FDA identificando alegações de marketing sobre 19 bebidas açucaradas amplamente vendidas de cinco marcas que, segundo ela, eram enganosas. O grupo destacou vários sabores do chá gelado Honest®, que carregam a alegação “apenas um pouquinho doce”, bem como marcas como Steaz®, que comercializa vários sabores de chá gelado orgânico como “levemente adocicado”, apesar de conter 20 gramas de açúcar por porção, ou aproximadamente cinco colheres de chá.
"Se você observar as quantidades de açúcar nessas coisas que dizem que estão levemente adocicadas – fico a me perguntar: isso é sério?" disse Marsha Cohen, professora de direito e especialista em direito alimentar na Universidade da Califórnia, Hastings College of the Law. “O que é fortemente adoçado para eles? É um pouco louco”.
Sarah Sorscher, diretora adjunta de assuntos regulatórios da CSPI, disse que essas alegações dão aos consumidores a impressão errada sobre o que significa ter um nível saudável de doçura em suas bebidas.
"As pessoas estão bebendo imaginando que essas são opções menos doces", disse ela. "Mas eles ainda são extremamente ricos em açúcares adicionados e, portanto, estão deturpando os consumidores sobre o que significa ter uma dieta saudável".
No cerne da questão estão as chamadas reivindicações de conteúdo de nutrientes. No início dos anos 90, o FDA decidiu que as empresas poderiam anunciar seus produtos com baixo teor de gordura, colesterol, calorias e sódio se a quantidade desses nutrientes em seus produtos atingisse certos limites. Mas, na época, as autoridades de saúde estavam menos preocupadas com o açúcar, e o FDA optou por não estabelecer um limite para reivindicações com pouco açúcar, porque não havia consenso científico sobre um nível saudável de ingestão diária de açúcar. A agência declara em seu guia de rotulagem de alimentos para a indústria que a alegação de baixo teor de açúcar não foi definida e "não pode ser usada" em marketing.
A CSPI argumenta que as empresas desrespeitam a regra usando sinônimos de baixo teor de açúcar, conhecidos sob os regulamentos da FDA como reivindicações "implícitas" do conteúdo de nutrientes, como levemente adoçadas e discretamente adocicadas. Ele disse que a agência deveria tomar "medidas imediatas de execução" contra as empresas e definir um produto com baixo teor de açúcar como aquele que contém menos de três gramas de açúcar adicionado por porção. Isso é semelhante aos requisitos para outras reivindicações de baixo teor de nutrientes e equivale a aproximadamente 5% do valor diário da FDA, ou limite recomendado, para a ingestão adicional de açúcar.
Em um comunicado, o FDA disse que estava revisando a carta do CSPI e planejava responder. Steaz não respondeu a um pedido de comentário. O Honest Tea disse que parte da missão de fundação da empresa era atender às demandas dos consumidores por bebidas com um sabor "menos adoçado do que outros no mercado".
"Continuamos a inovar para expandir nosso portfólio e atender ao crescente desejo de nossos fãs por opções sem açúcar e menos adoçadas", disse a empresa.
Nos últimos anos, especialistas em saúde também instaram o FDA a atualizar sua definição do termo "saudável", que foi definido pela última vez em 1993. Eles dizem que a agência se apoia em um significado desatualizado que permite que as empresas coloquem alegações "saudáveis" em alimentos que tem baixo teor de gordura total, colesterol e sódio, mas alto teor de açúcar. A agência disse que está trabalhando na atualização de sua definição para abordar o fato de que as recomendações de saúde pública sobre gordura, açúcar e outros nutrientes "evoluíram" desde o início dos anos 90.
Enquanto isso, os advogados continuam argumentando que as empresas estão violando as leis estaduaiscontra publicidade falsa com desonestas alegações de saúde. Um processo recente contra a Honest Tea acusou a empresa de comercializar enganosamente suas bebidas com baixo teor de açúcar. Dois processos acusaram a Whole Foods e a Trader Joe's de disfarçar o açúcar adicionado em sua aveia instantânea, chamando-a de "sólidos orgânicos desidratados do suco de cana" em seus rótulos. Um processo contra a Jamba Juice® alega que a empresa retrata seus smoothies como contendo frutas e vegetais integrais, ao mesmo tempo em que adiciona açúcar, concentrados de suco de frutas, xarope de milho e outros aditivos.
Um advogado na Califórnia, Jack Fitzgerald, liderou uma série de ações contra a General Mills, Kellogg e Post, que juntas representam 80% das vendas de cereais nos Estados Unidos, que acusam as empresas de anunciar falsamente seus lanches e cereais açucarados como saudáveis.
Os casos tiveram resultados mistos. A Kellogg negou qualquer irregularidade. Mas, como parte de seu acordo de US $ 20 milhões em outubro, a empresa disse que limitaria ou removeria as alegações de "saudável para o coração" dos cereais Raisin Bran® e Smart Start® e restringiria o uso de reivindicações como levemente adocicada, saudável e nutritivo em uma variedade de produtos. Tentada a comentar, Kellogg disse que não tinha nada a acrescentar.
Em julho, um juiz federal negou provimento ao caso de Fitzgerald contra a General Mills, dizendo que a empresa divulga adequadamente a quantidade de açúcar em seus produtos e que cabe aos consumidores decidir se são ou não saudáveis. Enquanto isso, os advogados do Post pediram a um juiz que negasse provimento ao caso, dizendo que a empresa tem o direito de Primeira Emenda de promover os benefícios à saúde de seus produtos.
Sorscher, da CSPI, disse que, ao criar novas definições de "saudável" e "baixo teor de açúcar", o FDA tornaria mais difícil para as empresas fazer alegações que confundem os consumidores. "Enquanto o FDA estiver se arrastando", ela disse, "essas alegações enganosas continuarão."
Anahad O'Connor é uma repórter da equipe que cobre saúde, ciência, nutrição e outros tópicos. Ele também é autor de best-sellers de livros sobre saúde do consumidor, como "Nunca tome banho em uma tempestade" e "As 10 coisas que você precisa comer".
LINK do original: AQUI
Nesta semana (05/07/20) chegou um "creme de amendoim sem açúcar" aqui no mercado. Achei interessante e fui ler sobre os ingredientes: Amendoim sem casca, melado de cana, glicose, amido modificado, sal e conservantes.
ResponderExcluirBacana, não? O diabético desavisado está perdido nas mãos destas empresas.
Olá Renato! Esse é um dos exemplos mais claros de como somos levados ao erro pela persuasiva retórica do marketing...Obrigado pela participação
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