COVID-19: aprendendo com a experiência
EDITORIAL DO THE LANCET
PUBLICADO EM 28/03/2020
Nas últimas duas semanas, a pandemia da doença do
coronavírus 2019 (COVID-19) marchou implacavelmente para o ocidente. Em 13
de março, a OMS disse que a Europa já era então o centro da
pandemia. Alguns dias depois, as mortes na Itália superaram as da China. O
Irã e a Espanha também registraram mais de 1.000 mortes em 23 de março e muitos
outros países europeus e os EUA relataram um número crescente de casos,
anunciando uma onda iminente de mortes. Após a amplitude do COVID-19, há
uma série de medidas dramáticas de contenção que refletem a escala da ameaça
representada pela pandemia. Os bloqueios que pareciam draconianos quando
instigados em Wuhan há apenas dois meses agora estão se tornando
comuns. Contudo, muitos países ainda não seguem as recomendações claras da
OMS sobre contenção (testes generalizados, quarentena de casos, rastreamento de
contatos, e distanciamento social) e, em vez disso, implementaram medidas
aleatórias, com alguns (países) tentando apenas reduzir as mortes, protegendo os
idosos e aqueles com certas condições de saúde.
A lenta resposta inicial em países como o Reino
Unido, os EUA e a Suécia agora se mostram cada vez mais mal avaliada. Enquanto
os líderes lutam para adquirir testes de diagnóstico, equipamentos de proteção
individual e ventiladores para hospitais sobrecarregados, há um crescente
sentimento de raiva. A colcha de retalhos de reações inicias prejudiciais de
muitos líderes, da negação e do otimismo equivocado, à aceitação passiva de
mortes em larga escala, foi justificada por expressões como: “é algo sem precedentes”. Mas
isso esconde (a experiência anterior já conhecida d)o dano causado pela
SARS, síndrome respiratória do Oriente Médio, vírus Ebola, vírus Zika, a
pandemia de influenza H1N1 de 2009 e uma aceitação generalizada entre os
cientistas de que uma pandemia ocorreria um dia. Hong Kong e a Coréia do
Sul foram testados por essas emergentes infecções anteriores, deixando-os mais
aptos a ampliar os testes e o rastreamento de contatos.
Globalmente, muitas pessoas têm medo, raiva,
incerteza e falta de confiança em sua liderança nacional. Mas, ao lado
desses sentimentos sombrios, surgiram imagens de solidariedade. Os
profissionais de saúde demonstraram um compromisso incrível com suas comunidades
e responderam com compaixão e determinação em combater o vírus, apesar das
condições desafiadoras e às vezes perigosas. Os vizinhos se organizaram
para apoiar pessoas vulneráveis; as empresas e os governos nacionais
intensificaram-se para oferecer apoio a quem precisa e fortalecer os serviços
de segurança social e saúde. A pandemia também trouxe exemplos de
solidariedade internacional, com o compartilhamento de recursos, informações e
conhecimentos de países mais adiantados na experiência da epidemia, ou com
melhores resultados no controle da disseminação. A experiência da China
será crucial para entender como levantar restrições com segurança.
Inevitavelmente, a próxima onda de infecções
atingirá a África e a América Latina. O CDC da África registrou casos em
41 países; Brasil, México e Peru já relataram centenas ou milhares de
casos. A maioria dos países africanos ou latino-americanos possui apenas
dezenas ou centenas de ventiladores, e muitos estabelecimentos de saúde não
possuem nem mesmo terapias básicas como o oxigênio. Os sistemas de saúde
frágeis logo serão sobrecarregados se a infecção se espalhar de forma mais ampla. As
pessoas que vivem em áreas urbanas pobres e superlotadas são especialmente
vulneráveis; muitos não têm saneamento básico, não podem se auto-isolar e
não têm convênio médico pago ou previdência social. Em resposta à ameaça,
a OMS lançou o Fundo de Resposta à Solidariedade COVID-19 (COVID-19 Solidarity Response Fund), que arrecadou mais de US $ 70
milhões, e algumas organizações regionais adotaram fortes ações
proativas, compartilham informações e recebem doações de kits de teste e
suprimentos médicos. Muitos governos nacionais responderam rapidamente,
mas muitos ainda não levam a sério a ameaça do COVID-19 - por exemplo, ao ignorar
a recomendação da OMS de evitar reuniões de massa (qualquer aglomeração de
pessoas, ou desrespeito ao distanciamento social). O presidente do
Brasil, Jair Bolsonaro, tem sido fortemente criticado por especialistas em
saúde e enfrenta uma intensa reação pública pela sua ostensiva fraca resposta.
Além da profunda angústia sentida pelo fato de
muitos países experimentarem um pico de casos ou se prepararem para isso,
também há um entendimento crescente sobre a importância do coletivo e da
comunidade. A Europa e os EUA mostraram que adiar a preparação, seja na
esperança de contenção em um determinado lugar ou sob uma condescendência à fatalidade,
não é eficaz. É imperativo que a comunidade global aproveite esse espírito
de cooperação para evitar repetir esse erro nos países mais vulneráveis. A
OMS forneceu recomendações consistentes, claras e baseadas em
evidências; que foi comunicada eficientemente; e navegou em situações políticas
difíceis com sapiência. Não falta ao mundo uma liderança global que possa
ser eficiente. O papel central desempenhado pela OMS na coordenação da
resposta global deve continuar e os países e doadores precisam apoiar a OMS
nesses esforços.
Publicação original AQUI
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