Não há
tempo para dilema:
As reuniões
de pessoas devem ser suspensas
Publicado no THE LANCET em 27/03/2020
A doença do coronavírus 2019 (COVID-19) coloca uma pressão
sem precedentes nas sociedades e nos sistemas de saúde em todo o mundo. Esta
primeira pandemia do século XXI demanda ações unificadas internacionalmente,
convincentes e coletivas para os indivíduos, as comunidades, órgãos comerciais,
sistemas institucionais e todos os governos na mitigação de seu impacto
crescente. A cada dia mais países estão fechando suas fronteiras, repatriando
seus cidadãos, e desencorajando o turismo. As viagens aéreas entre continentes
têm sido amplamente suspensas.
As principais medidas preventivas do conselho de saúde
pública se concentram na higiene das mãos e no distanciamento social. O último é
impossível aplicar nos encontros de massas. Julgamos o comentário elaborado por
Brian McCloskey e colegas, advogando avaliações formais de risco com vista a
permitir a reuniões de massa nessa época do COVID-19, no mínimo, intrigante.1
Como cientistas, estamos comprometidos com irrestrito inquérito
e opinião dissidente, mas advogar uma avaliação de risco para (possíveis) reuniões
de massa conota uma explícita aprovação para coleta de dados de possíveis atividades
de massa em um momento da escalada da pandemia global.
Defender essa posição é mais do que mera dissidência. Pesquisadores
das aglomerações humanas categoricamente já defenderam pela suspensão de Umrah e
Hajj (ambas são peregrinações para Meca realizadas por muçulmanos) e dos
Jogos Olímpicos .2
Sugerir que possíveis reuniões de massa que podessem ser realizadas, como as Olimpíadas, seria (um objeto para) avaliações arriscadas e deveriam ser consideradas, neste momento, como contrárias às mensagens preventivas de saúde e higiene
pública e do distanciamento social.3
Envia uma mensagem enganosa ao público, para as decisões
políticas e para vários e poderosos investidores, uma vigorosa parte
interessada. Logo após a redação desta correspondência, os Jogos Olímpicos
foram oficialmente adiados para 2021.
Certamente, se o COVID-19 tivesse permanecido contido em
bolsões isolados ao redor mundo, essas recomendações seriam legítimas, mas o
mundo está agora subjugado a uma pandemia ainda não contida e com sinais de mais
exponencialidade. Permitindo reuniões de massa nessas circunstâncias tem a potencial
de colocar em risco milhões de participantes e que ao voltarem para casa também
exporiam aqueles que permaneceram em seus países da origem.
Evidências que apoiam o cancelamento de aglomerações humanas existem, assim como evidências que documentam o erro em não conter reuniões de
massa nesse momento de pandemia. A suspensão na Arábia Saudita da peregrinação Umrah
foi protetora, enquanto a decisão do Irã de permitir reuniões em massa em Mashhad
e Qom acabou sendo prejudicial.4
Considerações adicionais que apoiam o cancelamento de
reuniões de massa inclui relatos de morbidade significativa entre os jovens, a
sobrevivência de partículas virais em superfícies inatas e da repetição de ondas
de infecções. Estas considerações são cruciais mesmo para reuniões de massa das
quais a maioria os participantes são jovens adultos (por exemplo, esportes, eventos
musicais). Já para as reuniões principalmente de idosos e de pessoas mais
vulneráveis com comorbidades (principalmente religiosos), essas considerações
são ainda mais relevantes. Além disso, a densidade típica das aglomerações torna
o distanciamento social e a desinfecção contínua de superfícies duras impossível.
Surtos que emanam de reuniões de massa também podem servir como potentes sementes
para ondas sucessivas de infecção através das viagens regionais ou internacionais.
Finalmente, mesmo com reuniões de massa cuidadosamente pensadas, a menos que a
trajetória evolutiva viral de síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2
(SARS-CoV-2) seja plenamente determinada, a promoção prematura das reuniões de
massa só pode levar à re-ignição da pandemia. Apesar da resposta humana inicial
poder ser descrita como pânico em tempos de crise, a complacência rapidamente
se instala.5,6 Como líderes de saúde pública, não podemos ser vistos
como quem permite qualquer endosso tácito da reunião de massas durante este evento
global sem precedentes. Quando os governos e sistemas sociais e financeiros
estão se unindo e intensificando esforços contra o desafiador conceito
econômico e individual do distanciamento social, qualquer chamada a considerar (a
permissão das) reuniões de massa envia uma mensagem diametralmente oposta e
confusa para o público.
Juntos, devemos comprometer todos esforços para levantar uma
mensagem convergente e unificada para combater a pandemia. O cancelamento das reuniões
de massa é traumático para todos interessados, mas considerando a natureza do
vírus SARS-CoV-2, o risco do portador
assintomático e transmissor, além do conselho preventivo da saúde pública
global para o distanciamento social e da
higiene das mãos e das muitas incógnitas, praticamente não existe margem de
manobra para escolha.
Referências no artigo original
Texto original AQUI
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