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Criança subnutrida do Malauí Foto da revista Science de Fev/2016 |
Os micróbios intestinais corretos auxiliam no
desenvolvimento infantil
Estudos apontam para o caminho de usar terapia microbiana
para combater as graves consequências da má nutrição
Quase 180 milhões de crianças em todo o mundo são
raquíticas, uma consequência grave e incapacitante da desnutrição e de
infecções de repetição na infância, o que as coloca em risco de comprometimento
cognitivo e doença. Novos estudos apontam agora para um outro personagem para a
subnutrição: o microbioma intestinal. A combinação certa de micróbios, ao que
parece, pode fazer pender a balança entre baixa estatura e o crescimento
saudável, mesmo quando as calorias são escassas - uma promissora, mesmo
preliminar, pista para possíveis intervenções.
Os três estudos, relatados em questões desta semana das
revistas Science e Cell, "é um divisor de águas na
saúde global em geral, e na nutrição especificamente", diz William Petri,
Jr., especialista em doenças infecciosa na Universidade de Virginia em
Charlottesville. Petri não estava envolvido no trabalho em curso, mas ele
passou anos rastreando a saúde dos lactentes em Bangladesh. Ele e outros têm sido
frustrados pela incapacidade dos suplementos alimentares em reverter os efeitos
negativos da má nutrição.
Quando Petri percebeu que as bactérias do intestino podem
influenciar na obesidade, ele refletiu que elas também influenciariam na
resposta de uma pessoa para a fome. Assim, ele e Tahmeed Ahmed, do Centro
Internacional para a pesquisa da doença diarreica em Bangladesh uniram-se com
Jefrey Gordon, um microbiologista da Universidade de Washington em St. Louis,
no Missouri, para coletar amostras de fezes mensais de crianças de Bangladesh,
saudáveis e desnutridas com menos de dois anos. Petri e Gordon descobriram
que a medida que as crianças amadurecem, sua comunidade de bactérias
intestinais normalmente muda também. Mas, como eles relataram, em 2014, as
crianças raquíticas não tinha a comunidade bacteriana apropriada para sua
idade, mas uma mais "imatura", típica de uma criança mais nova.
Na Science desse mês (fev, 2016, pg. 830), a equipe de
Gordon relata ter encontrado o mesmo padrão em crianças no Malawi, e apresentam
evidências de que essas comunidades microbianas influenciam o crescimento.
Trabalhando com camundongos criados para não ter nenhum micróbio em seus
intestinos, a estudante Laura Blanton, da equipe de Gordon, os alimentou um mas
da mesma comida tipicamente consumidos por crianças do Malauí. Os ratos livres de
germes que receberam o microbioma "imaturo" das crianças com sintomas
de desnutrição tiveram um crescimento prejudicado, ao passo que os ratos com a mesma
dieta que receberam o microbioma "maduro" das crianças saudáveis tiveram
mais músculos e desenvolvimento de ossos aparentemente mais densos.
François Leulier, um biólogo da École Normale Supérieure de Lyon na França, e colegas, relatam uma
descoberta semelhante, publicada nessa mesma revista Science (pg. 854). Em seu
pós-doutorado Martin Schwarzer mostrou que os ratos jovens, livres de germes
não desenvolvem tanta musculatura ou tem um crescimento ósseo tão grande como os
ratos que têm o complemento normal de bactérias, mesmo quando comem a mesma
quantidade de alimento. A equipe também vislumbrou um mecanismo: Eles
descobriram que os micróbios afetam os próprios hormônios dos animais.
Em animais saudáveis, o hormônio do crescimento estimula um
aumento de um segundo hormônio, o fator de crescimento semelhante à insulina 1
(IGF-1), que por sua vez promove o crescimento do tecido. Ratos livres de
germes ainda tem a mesma quantidade do hormônio de crescimento como os outros
ratos, mas a atividade do IGF-1 no sangue, fígado e músculos é menor, foi o que
a equipe de Leulier encontrou. Não é claro como os micróbios influenciam os
hormônios. Mas os ratos livres de germes que receberam injeções com IGF-1 obtiveram
o seu crescimento a semelhança dos outros ratos, assim como dando-lhes uma
estirpe particular de lactobacillus.
Uma avaria nesta conexão microbioma-hormonal pode ajudar a
explicar o nanismo em crianças subnutridas. Mas por que apenas algumas delas
acabam com um microbioma imaturo? No estudo da Cell, o estudante de graduação Mark R. CharBonneau, e os seus
colegas, da equipe de Gordon, mostram que a amamentação pode ajudar os
micróbios a se estabelecerem corretamente e definir o crescimento do bebê para
a trajetória certa. Mães saudáveis produzem tipicamente moléculas modificadas
de açúcar chamada ácido sialico, um oligossacarídeo do leite humano (em inglês:
sialylated human
milk oligosaccharides). Os bebês não fazem uso desse nutriente, mas os
micróbios do intestino prosperam a partir eles, pesquisas recentes já mostraram
(Science, 15/08/2014, pg. 747). O
novo trabalho mostra que as mães de crianças que apresentam sinais de
desnutrição severa produzem uma menor quantidade desse “alimento” do microbioma.
Quando os pesquisadores adicionaram oligossacarídeos purificados
de soro de leite na dieta malauí dos com micróbios de uma criança gravemente
desnutrida, os camundongos tinham crescimento de mais músculo, ossos maiores, e
tinham "mudanças dramáticas" no cérebro e no metabolismo do fígado,
Gordon diz. Ele especula que pelo processamento destes açúcares, as bactérias
podem, por sua vez produzir blocos de construção moleculares para ajudar o corpo
do hospedeiro a crescer bem. O grupo também tem visto este efeito benéfico em
leitões sem germes, cuja fisiologia é mais semelhante à humana do que os ratos,
eles relatam.
Para David Relman, microbiologista da Universidade de
Stanford em Palo Alto, Califórnia, as implicações são "profundas. ... O
estado nutricional das crianças pode ser modificado por meio de manipulação da
microbiota intestinal”. Gordon e Leulier planejam testar essa possibilidade nas
pessoas, particularmente nas crianças desnutridas, este ano com intervenções
dietéticas.
Um probiótico seguro e efetivo "seria fenomenal",
diz Petri. O sucesso em animais de laboratório pode não se traduzir para os
seres humanos, é claro. E os pesquisadores precisam ter certeza de que
quaisquer micróbios adicionados não causam efeitos indesejados, tais como
doença inflamatória ou a obesidade, acrescenta Eric Pamer, especialista em
doenças infecciosas da Sloan Kettering
Cancer Center Memorial em Nova York. Mas uma coisa é certa, ele diz: "O
potencial impacto para a saúde da microbiota é surpreendente."
Texto da Revista Science de Fevereiro de 2016, página 802
Artigo de Elizabeth Pennisi
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