FORÇAS DESPROPORCIONAIS - QUANDO A PESQUISA E SUA DIVULGAÇÃO COMPARTILHAM REFORÇOS DESIGUAIS
O artigo a seguir foi publicado também no ano passado e trouxe um outro aspecto pouco divulgado no campo dos estudos e recomendações na área do controle de peso e estímulo à atividade física. A interferência de capital a favor de certas tendências de pesquisas e orientações para a saúde. Em artigo anterior publicado nesse blog (LINK), parece bastante improvável que a situação de sobrepeso e saúde sejam plausíveis ao mesmo tempo. E motivos para endossar esse ponto de vista, de acordo com as evidências das pesquisas continuamente divulgadas, estão muito bem consolidados. Apesar disso, há uma dissidência que procura enfraquecer essa forma de lidar com os riscos para a saúde que o sobrepeso fortemente parece promover. O viés desse ponto de vista é que sócios ocultos, dispostos a altos investimentos, podem interferir nos resultados e promoções dessas pesquisas. É o que veremos a seguir.
O paradoxo da obesidade: porque a Coca-Cola está
promovendo a teoria de que ficar obeso não prejudica sua saúde
Título original: “The obesity paradox: Why Coke is
promoting a theory that being fat won’t hurt your health”
Autor: Julia Belluz
Ao longo dos últimos anos, uma ideia pouco convencional foi
ganhando força na literatura científica: a de que talvez, a nossa busca pela
magreza seja um grande e gordo desperdício de tempo.
Essa ideia é conhecida como o "paradoxo da
obesidade", e ela é baseada em alguns estudos que classificam pessoas com
excesso de peso, ou mesmo moderadamente obesas, parecendo ter melhores
resultados de saúde e mortalidade do que comparadas com indivíduos normais ou
magros. Essa pesquisa sugere que esses quilos extras podem ter efeitos
protetores sobre a saúde, especialmente quando se trata de certas doenças crônicas
como a diabetes, doenças renais e pressão arterial elevada.
Essa teoria tem sido controversa; criticada por
especialistas que apontam que os estudos sobre o fenômeno tendem a usar
instantâneos de peso das pessoas em um ponto no tempo, em vez de levar em conta
os seus históricos de saúde completos. Isto significa, por exemplo, que alguém
que acabou de perder dezenas de quilos depois de uma vida de obesidade seria
classificada como tendo um peso "normal", o que perverte os
resultados da pesquisa. Os críticos do paradoxo da obesidade também dizem que
qualquer benefício de carregar gordura extra é pequeno em comparação com os
danos bem documentados.
Ainda assim, apesar do fato de que a ciência do
"paradoxo da obesidade" seja muito incerta, ela tem um influente campeão:
a Coca-Cola. O maior fabricante mundial de bebidas açucaradas tem promovido o
paradoxo investindo somas vultuosas com os seus proponentes através de
palestras e honorários de consultoria, e financiamento de pesquisadores que
suportam essa ideia.
Esta não é a primeira vez que a Coca-Cola entra nos debates
sobre obesidade. Em agosto, uma investigação do New York Times descobriu que a
empresa tinha, discretamente, realizado financiamento de organizações e
pesquisadores que imputam à obesidade o pouco exercício físico, em vez dos
excessos de calorias que poderia levar as pessoas a olhar com desconfiança para
os refrigerantes. Grande parte do dinheiro da Coca-Cola passou por uma
organização sem fins lucrativos chamada de Rede Global de Balanço Energético (Global Energy Balance Network, GEBN),
que até recentemente não tinha divulgado seus vínculos com a Coca-Cola.
Em setembro, seguindo essa história, a Coca-Cola publicou
uma lista de investigadores e profissionais de saúde para quem tivera pago US $
2,1 milhões ao longo dos últimos cinco anos. A empresa disse que essas pessoas
regularmente "colaboram e consultam" com a empresa. A Coca-Cola
também publicou uma lista de instituições de pesquisa e organizações que
receberam US $ 118.600.000 para investigação científica, bem como para apoiar
parcerias de saúde e bem-estar.
Foram Incluídas nestas listas os principais pesquisadores do
“paradoxo da obesidade” nos Estados Unidos.
Os pesquisadores sustentaram que o financiamento não
influenciou seus trabalhos científicos. Mas outros cientistas temem que a
influência da Coca-Cola seja capaz de afetar quais os lados deste debate que vão
vingar.
"O problema aqui é que não há evidência convincente de que
o paradoxo da obesidade seja um achado
biológico real em tudo, mas apenas uma ciência desleixada", disse Andrew
Stokes, um professor da Universidade de Boston, que estuda o paradoxo da
obesidade, mas não recebe financiamento da indústria. É claro, os críticos do
paradoxo não têm o apoio de Coca-Cola por trás deles. Então, Stokes disse:
"para as evidências que se opõe a ela não é dado um peso adequado."
O "paradoxo da
obesidade" tem sido fortemente criticado por outros pesquisadores
O "paradoxo da obesidade" começou a surgir há mais
de uma década. Em um dos primeiros estudos, publicado em 2003, os pesquisadores
ficaram intrigados com o fato de que pacientes mais pesados que sofriam de
insuficiência cardíaca pareciam ter melhores resultados em saúde do quando
comparados àqueles mais magros. A partir daí uma teoria nasceu. Talvez ter peso
extra pode ser bom para você!
Mas Stokes, juntamente com outros pesquisadores, têm
encontrado uma grande falha nos estudos sobre o paradoxo da obesidade: eles só examinam
o peso das pessoas em um momento do tempo. Isto é como investigar alguém que
tenha fumado durante toda a sua vida, mas tivesse abandonado o cigarro na
semana passada, e em seguida, classificá-lo como um "não-fumante" sem
incluir quaisquer dados sobre seus hábitos de longo prazo. Isso, diz Stokes,
pode dar um viés tendencioso aos resultados desses estudos.
"O paradoxo desaparece," Stokes diz em sua pesquisa,
"quando analisamos históricos de peso corporal e separamos as pessoas que
perderam peso das de categoria normal de peso, e ainda restringimos essa mostra
a pessoas que nunca fumaram - não só o paradoxo desaparece, como também
descobrimos que o sobrepeso e a obesidade tornam-se muito significativos em
relação ao risco de morte ".
Em outras palavras, se você classificar os dados
corretamente, a evidência é clara: a obesidade tem todos os tipos de efeitos
negativos à saúde. Não há nenhum paradoxo aqui.
Pode
haver outras causas da relação em forma de J no gráfico entre obesidade e
mortalidade, mostrando um aumento do risco de morte entre pessoas mais pesadas
e mais magras também. Frank Sacks, um pesquisador na Harvard School of Public
Health, disse que isso poderia ser explicado pelo fato de que os homens e as
mulheres magras têm "outras co-morbidades, outros problemas, e maus
hábitos."
Muitos fumantes se enquadram nessa categoria, por exemplo, e
têm havido estudos entre os idosos e, mais uma vez, em pacientes com
insuficiência cardíaca que mostram que as pessoas realmente magras podem sofrer
determinados problemas de saúde. “Só que eles perderam peso porque estão
doentes", diz Sacks. "A perda de peso é o resultado da doença."
Em outras palavras, sim, eles estão mais emagrecidos, sim, eles têm uma taxa de
morbidade mais elevada, mas não é em função do seu baixo peso que eles têm
maior risco de morte - é por sua doença.
Outra pesquisa recente aparece para derrubar o paradoxo. No
ano passado, Stokes publicou um estudo que examina mais de 10 anos de dados
sobre adultos americanos entre as idades de 50 e 84, acompanhando a longo prazo
as histórias de peso desses indivíduos. Isto tornou possível colocar as pessoas
que estavam com "peso normal" em dois grupos distintos: os que haviam
mantido um peso normal ao longo das suas vidas, e aqueles que estavam com peso
normal no momento do estudo, mas tinham experimentado uma redução de peso.
Stokes descobriu que as pessoas que sempre mantiveram um
peso normal tinham um risco extremamente baixo de morte, mas que o outro grupo que
estava com o peso normal - mas que antes eram obesas - tinham uma taxa de
mortalidade muito mais alta. Depois de redefinir a categoria de peso normal
para incluir apenas os indivíduos de peso estável, ele encontrou associações
mais fortes entre excesso de peso e mortalidade.
Em outro estudo recentemente publicado na revista Obesity,
Stokes e um colega da Universidade da Pensilvânia examinaram dados de mais de
30.000 participantes do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição (National Health and Nutrition
Examination Survey) entre 1988 e 2011, e encontrou a mesma coisa:
Quando controlado por história de peso (e, separadamente, tabagismo), o
paradoxo da obesidade se desfazia.
Agora, definitivamente, isto não vai desmascarar o paradoxo
da obesidade. Mais evidências poderiam surgir mais tarde. "Não podemos
descartar que pode haver vantagens para a saúde associada com o excesso de peso
e obesidade", diz Stokes, que só recebe financiamento do National
Institutes of Health. "Mas os nossos dados sugerem que os benefícios são
pequenos em comparação com os danos associados com o excesso de peso ou
obesidade."
Ainda assim, o
paradoxo da obesidade tem seus defensores – isso inclui a Coca-Cola
![]() |
Carl Lavie |
Há alguns pesquisadores que continuam a perseguir a ideia de
que o peso extra pode ter alguns efeitos benéficos à saúde. O cardiologista de New
Orleans Carl Lavie é sem dúvida a voz mais proeminente no debate sobre paradoxo
da obesidade, tendo popularizado a ideia em seu livro de 2014: The
Obesity Paradox: When Thinner Means Sicker and Heavier Means Healthier.
(O paradoxo da obesidade: quando ser mais magro quer dizer mais doente e mais
gordo quer dizer mais saudável). Ele escreveu os trabalhos que são considerados
mais influentes sobre o paradoxo da obesidade, e apareceu em inúmeros artigos
de notícias populares exaltando a ideia.
A principal mensagem de Lavie é que teríamos exagerado a
importância da epidemia de obesidade, como ele mesmo disse concisamente em um
vídeo promovendo seu livro, "Body fat is not always the devil."(O
sobrepeso não é sempre o culpado)
Lavie, no entanto, admite que seus críticos oferecem algo a
ser considerado - e apela por novas pesquisas na área. "Stokes está certo
quando diz que a maioria dos estudos não leva em conta a perda de peso não
intencional antes da participação no estudo, o que estaria associado a um
prognóstico ruim," ele me disse por e-mail. "Ainda há um trabalho
substancial necessário para explicar o paradoxo da obesidade e, atualmente,
exceto para aqueles em subnutrição que geralmente têm um pior prognóstico, não
estou recomendando a qualquer pessoa para aumentar o peso, embora possa ser de
valor para quem estiver melhorando sua aptidão física e força muscular."
Enquanto muitos pesquisadores continuam céticos de suas ideias,
a Coca-Cola parece estar a seu lado. A empresa pagou para o trabalho de
consultoria de Lavie, bem como viagens e honorários para palestras sobre o
paradoxo da obesidade. Também financiou para ele webinars sobre o assunto. E mesmo que Lavie mencione a sua relação
com a Coca-Cola em seus trabalhos científicos, essa divulgação não aparece no
seu site - paradoxo da obesidade - nem é mencionada em muitos artigos de
notícias em que ele é citado.
Lavie não está sozinho. Outros importantes pesquisadores (pró)
"paradoxo da obesidade" nos EUA - como cientistas do exercício Steven
Blair e Timothy Church - têm relações científicas com a Coca Cola, recebendo irrestritos
milhões de dólares em bolsas de estudo e de pesquisa.
Blair foi um dos principais focos da investigação da Times,
já que ele é o vice-presidente da GEBN. Church, por sua vez, está ligado ao
laboratório de pesquisa Pennington da Universidade Estadual de Louisiana, o
centro que recebeu o maior financiamento de pesquisa da Coca ao longo dos
últimos cinco anos (US $ 6,7 milhões). Ele tem sido autor dos estudos financiados
pela Coca-Cola publicados por esse centro, sugerindo que os exercícios – e não
os alimentos e bebidas açucaradas - são os maiores contribuintes para a obesidade.
(Este ponto de vista, também não é compartilhado por muitos pesquisadores de
saúde e obesidade. Há provas contundentes que sugerem que o exercício tem
apenas um pequeno impacto sobre o peso quando comparado com a ingestão de
calorias.)
Em um e-mail de outubro de 2015, Lavie disse ao
entrevistador (dessa reportagem) que a Coca-Cola não teve influência na sua
agenda de pesquisa. Que ele chegou a sua opinião sobre o paradoxo da obesidade
independentemente do gigante dos refrigerantes, e ele disse, que a Coca-Cola
não tem financiado diretamente sua pesquisa sobre o paradoxo da obesidade, mas somente
as palestras relacionadas e o trabalho de consultoria. Lavie também diz que há dinheiro
de outras fontes para pesquisa além da Coca-Cola, "de modo que a Coca-Cola
não tem controle sobre a condução dos estudos ou seus dados."
Ainda assim, o fato de que a Coca-Cola financia sua opinião
significa que seus pontos de vista podem ganhar uma audiência maior. O
financiamento também levanta questões sobre quais pesquisadores são escolhidos
para apoio pela Coca-Cola e porquê são apoiados, e se a indústria secretamente
influencia a direção de sua pesquisa.
Há evidências sugestivas de que a Coca-Cola tem a capacidade
de influenciar a ciência nesta área. Em uma das maiores análises, até hoje realizada,
sobre os dados da ciência das bebidas açucaradas, os pesquisadores descobriram
que os estudos que relatam um conflito financeiro de interesse eram muito mais
propensos a concluir que os efeitos do refrigerante no ganho de peso e
obesidade não eram claros. Por outro lado, estudos que não tiveram nenhum
conflito relatado apontam que os refrigerantes são um fator de risco potencial.
"Uma vez que a Coca-Cola tem um interesse bem
estabelecido na promoção da atividade física como a melhor maneira de prevenir
a obesidade - não o que você vai comer ou beber - é compreensível que a empresa
iria financiar um pesquisador que compartilha essa opinião", disse Marion
Nestle, professor da Universidade de nova York, que estudou a influência da
Coca-Cola em seu mais recente livro, “Soda
Politics” (A Política do Refrigerante).
"Não é que os investigadores financiados pela indústria
são comprados", acrescentou. "É que a influência do financiamento da indústria
alimentar é inconsciente, não intencional, e não reconhecido."
LINK do artigo original: http://www.vox.com/2015/10/20/9572295/coca-cola-obesity-paradox
Publicado pela Vox Science and Health
Em outubro de 2015
Tradução revisada por Marília Portella de Andrade
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