INSULINA E ATEROSCLEROSE
A resistência à insulina e a disfunção do endotélio - um mapa fisiopatológico
É bastante clara a relação entre distúrbios metabólicos e doenças cardiovasculares. A resistência à insulina é uma parte importante das operações biológicas envolvidas com enfermidades cardíacas e o artigo a seguir se presta a mostrar como a insulina orquestra uma complexa teia de eventos fisiológicos que levam a severos prejuízos da função vascular. O endotélio é a camada interna dos vasos, local onde se estabelecem as placas que obstruem a passagem de sangue, em situações como o infarto e o acidente vascular cerebral isquêmico. Aqui o enfoque não está na biologia das gorduras, mas sim em eventos fisiológicos precussores. Foram traduzidos apenas as partes específicas da fisiopatologia. Os interessados em ver o artigo original na íntegra basta acessar o link no final desse post.
Artigo original: Role of Insulin Resistance in Endothelial Dysfunction (Papel da resistência à insulina na disfunção endotelial)
RESUMO
A resistência à insulina é frequentemente associada com a
disfunção endotelial e tem sido proposto que desempenha um papel preponderante
nas doenças cardiovasculares. A insulina exerce ações pró e anti-aterogênicos
na vasculatura. O equilíbrio exercido pela insulina entre as ações
vasodilatadores dependentes de óxido nítrico (NO) e das ações vasoconstritoras
dependentes de endotelina-1, é regulada pela PI3K - fosfatidilinositol
3-dependente de quinase - e pela MAPK - proteína-quinase ativada por mitogéno -
de sinalização dependente de endotélio vascular, respectivamente. Durante
condições de resistência à insulina, ocorre deficiência na via específica da
sinalização dependente de PI3K o que pode causar um desequilíbrio entre a
produção de NO e a secreção de endotelina-1 levando a disfunção endotelial. Sensibilizadores
de insulina que têm como alvo seletivo a insuficiência da via da sinalização de
insulina são conhecidos em melhorar a disfunção endotelial.
Nesta revisão, discutimos os mecanismos celulares no
endotélio subjacente às ações vasculares da insulina, o papel de resistência à
insulina na mediação da disfunção endotelial, e o efeito de sensibilizadores de
insulina em restabelecer o equilíbrio nas ações pró e anti-aterogênicas da
insulina.
INTRODUÇÃO
A resistência à insulina desempenha um papel fisiopatológico
na diabetes tipo 2 e está frequentemente presente na obesidade, hipertensão,
doença arterial coronariana, dislipidemias e síndrome metabólica [1,2]. A
epidemia global de obesidade está impulsionando o aumento da incidência e
prevalência de resistência à insulina e as suas complicações cardiovasculares
[3]. A insulina regula a homeostase da glicose, não apenas por promover a
disposição de glicose ao músculo esquelético e ao tecido adiposo, e a inibição
da gliconeogênese no fígado [2], mas também através do controle do fornecimento
de nutrientes ao tecidos-alvo por ações na microvasculatura [4]. A produção de
óxido nítrico (NO) induzida pela insulina a partir de endotélio vascular leva
ao aumento do fluxo de sangue que melhora ainda mais a captação de glucose no
músculo esquelético [5].
Ao nível celular, o equilíbrio entre fosfatidilinositol
3-kinase- (PI3K) dependente das vias de sinalização de insulina que regulam a
produção de NO endotelial e da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK), também dependente das vias de
sinalização da insulina regulam a secreção da vasoconstritora endotelina-1
(ET-1), determinam a resposta vascular da insulina.
A resistência à insulina é geralmente definida como uma
diminuição da sensibilidade ou da capacidade de resposta às ações metabólicas
da insulina, tais como a eliminação da glucose mediada por insulina. No
entanto, a diminuição de sensibilidade das ações vasculares da insulina também
desempenha um papel importante na fisiopatologia dos estados de resistência
insulínica [6,7]. Com efeito, a resistência à insulina endotelial é tipicamente
acompanhada pela redução da via PI3K-NO e uma via MAPK- ET-1 intacta ou
aumentada. Os estados de resistência à Insulina estão associados a alterações
metabólicas, que incluem a glicotoxicidade, a lipotoxicidade e a inflamação que
também levam à disfunção endotelial.
Com efeito, a deficiência na rota específica na sinalização
dependente de insulina da PI3K contribui para recíprocas relações entre a
resistência à insulina e a disfunção endotelial que promovem o agrupamento de
doenças metabólicas e cardiovasculares em estados resistentes à insulina [8].
Aqui, discutimos o papel da resistência à insulina em intervenções terapêuticas
da disfunção endotelial que pode simultaneamente melhorar funções metabólicas e
endoteliais nas condições de resistência à insulina.
DISFUNÇÃO ENDOTELIAL
O termo "disfunção endotelial" refere-se a um fenótipo
endotelial desadaptado caracterizado pela biodisponibilidade reduzida de NO,
aumento do estresse oxidativo, e elevada expressão de fatores pró-inflamatórios
e pró-trombóticos e vaso reatividade anormal [9]. O endotélio saudável desempenha
um papel central em funções homeostáticas através da ativa secreção de uma
variedade de moléculas que atuam em modos parócrino, autócrino e endócrino.
Estas moléculas afetam o tônus vascular, o crescimento e proliferação do
músculo liso endotelial e vascular (VSMC), as interações leucócitos/endotélio,
a adesão de plaquetas, a coagulação, inflamação e a permeabilidade. O tônus
vascular é modulado por substâncias vasoativas derivadas do endotélio que incluem
vasodilatadores (por exemplo, óxido nítrico, prostaglandinas (PGI2), fator
derivado de endotélio de hiperpolarização (EDHF), ácidos epoxieicosatrienóico
(EETs)) e vasoconstritores (por exemplo, angiotensina II (Ang II), ET-1,
prostanóides, os isoprostanos). Além de afetar o tônus vascular, os vasodilatadores
chave, tais como NO e prostaciclina são anti-proliferativos e anti-inflamatórios,
enquanto os vasoconstritores, tais como a ET-1 e Ang II são mitogênicos e
pró-inflamatórios.
Tanto em macro e micro vasos (arteríolas, capilares e
vênulas que tem menos de 150 micra de diâmetro), o saldo em ações de vasodilatadores
e vasoconstritores determina o tônus vascular e a função endotelial.
O NO, um importante determinante da função endotelial, é produzido
no endotélio vascular pela ativação da NO-sintase endotelial (eNOS) [10]. As ações
vasodilatadoras do NO são primariamente mediadas através de reduções das
concentrações intracelulares de cálcio Ca2+ na VSMC secundária à ativação da
guanilato-ciclase mediada pelo NO e a formação de GMPc. Elevações no Ca2+
citoplasmático endotelial secundário a ativação dos tortuosos receptores
acoplados à proteína G serpentina (por exemplo, receptor de acetilcolina)
promovem a ligação de calmodulina e posterior ativação da eNOS. Além disso, a
fosforilação da eNOS em Ser1177 (posição 1177 do amino ácido serina)
por quinases de serina que incluem as Akt, AMPK, e PKA também estimulam a
produção de NO num modo independente do Ca2 +. A disponibilidade de L-arginina
(substrato para eNOS) e co-fatores enzimáticos (NADPH, flavina-adenina
dinucleótido [FAD], mononucleótido de flavina [FMN], e tetrahidrobiopterina [BH4])
também desempenham um papel na regulação da produção de NO pela eNOS [11]. Além
de diminuir o tônus vascular, o NO diminui a expressão de moléculas de adesão
celular vascular, atenua a produção de citosinas pró-inflamatórias, diminui o
recrutamento de leucócitos, inibe a proliferação do VSMC, opõe-se à apoptose,
atenua a agregação de plaquetas, e reduz a adesão de monócitos à parede
vascular [12]. Assim, a redução da biodisponibilidade de NO favorece um fenótipo
vascular disfuncional. Devido à natureza sistêmica desse conjunto de eventos,
as manifestações de disfunção endotelial variam dependendo da natureza do leito
vascular.
O endotélio disfuncional é um prenúncio de aterosclerose e
pode também contribuir para eventos cardiovasculares. É importante ressaltar
que a disfunção endotelial está associada independentemente com eventos
cardíacos e é marcador para morte de causa cardíaca, infarto do miocárdio e
acidente vascular cerebral [13]. Curiosamente, a disfunção endotelial está
também relacionada com estados de resistência à insulina, incluindo a diabetes,
a obesidade, e à síndrome metabólica [14]. Isso aumenta a suscetibilidade dos
pacientes com essas doenças metabólicas para as complicações cardiovasculares,
incluindo aterosclerose acelerada, doença cardíaca coronariana e hipertensão.
(...)
Resistência seletiva
para ações da insulina no endotélio
Os estados de resistência à insulina são caracterizados por
atenuação de algumas respostas específica à insulina na célula, enquanto outras
ações de insulina não só persistem como podem ser exacerbadas. Esta resistência
à insulina seletiva é observada no fígado, onde a supressão de produção de
glucose mediada pela insulina é prejudicada, mas não a lipogênese [20]. Da
mesma forma, no endotélio, a produção estimulada pela insulina de óxido nítrico
(NO) é prejudicada, mas não a produção da ET-1 [21]. Esta resistência seletiva
à insulina é explicada pelo comprometimento específico de rotas das vias de
sinalização da insulina (Figura 1). As rotas de sinalização da insulina que
regulam tanto a produção endotelial de NO e ET-1 já foram elucidadas [4,22]. (Uma
descrição detalhada destas vias é apresentada adiante neste artigo, mas
brevemente:) a ligação da insulina aos seus receptores resulta na fosforilação
do IRS-1 (substrato de receptor de insulina 1), que em seguida, se liga e ativa
PI3K. PI-3,4,5-trifosfato (PIP3), um produto de atividade de PI3K, estimula a
fosforilação e ativação de PDK-1 que, por sua vez fosforila e ativa Akt. A Akt
fosforila diretamente eNOS na Ser1177 resultando em aumento da
atividade de eNOS e posterior produção de NO. A insulina estimula a produção da
ET-1 utilizando vias de sinalização MAPK dependente (mas não dependente de
PI3K) [23]. A insulina estimula o aumento da expressão de PAI-1, VCAM-1 e
E-selectina em endotélio usando a via MAPK-dependente [24,25]. A inibição da
via PI3K ou Akt induzida pela insulina aumenta PAI-1 e a expressão de Moléculas
de Adesão [24]. Estes achados sugerem que que as vias PI3K / Akt estimuladas pela
insulina opõe fatores aterotrombóticos no endotélio por múltiplos mecanismos incluindo
a produção de moléculas benéficas, como o NO e a inibição de moléculas patogênicas
incluindo PAI-1, ICAM-1, VCAM-1 e E-selectina. Na configuração de uma redução
seletiva da ativação PI3K e hiperinsulinemia compensatória, as ações
pró-hipertensivas, aterogênicas, trombogênicas, e pró-coagulantes da insulina
dominam e levam a disfunção endotelial.
No gráfico abaixo vemos a posição de vários desses
personagens na
disfunção do endotélio:
Figura 1. Transtorno específico da via de
sinalização da insulina e disfunção endotelial
O ramo PI 3-quinase da sinalização da insulina regula a
produção do NO (Óxido Nitroso) NO e a vasodilatação do endotélio vascular. O ramo
MAP-quinase de sinalização de insulina controla a secreção de endotelina-1
(ET-1) e a expressão da molécula de adesão no endotélio vascular. A
glicotoxicidade, lipotoxicidade, e várias citocinas ativam moléculas
sinalizadoras que inibem a sinalização PI3K / Akt.
Personagens:
eNOS: óxido
nítrico sintase endotelial;
IRS: o substrato
do receptor da insulina;
MEK: MAPK
quinase;
MAPK: proteína quinase
ativada por mitógeno;
PDK: proteína
quinase dependente de 3-fosfoinositídeo;
PKC:
proteína-quinase C;
IRS: o substrato
do receptor da insulina;
ERK: quinase extracelular
regulada por sinal;
JNK: C-Jun N terminal
quinase;
p70S6K: p70
ribossomal S6 quinase;
AP-1: ativador
proteína-1;
NO: óxido nítrico
e ET-1:
endotelina-1.
As referências estão disponíveis no artigo original
Citocina é um termo genérico empregado para
designar um extenso grupo de moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as
células durante o desencadeamento das respostas imunes.
Quinase (ou cinase) é um tipo de enzima que
transfere grupos fosfatos de moléculas doadoras de alta energia (como o ATP)
para moléculas-alvo específicas (substratos). O processo tem o nome de
fosforilação. A molécula-alvo pode ativar-se ou inativar-se mediante a
fosforilação. Todas as cinases necessitam de um íon metálico divalente como o
Mg2+ ou o Mn2+ para transferir o grupo fosfato. Estas enzimas são ativadas pelo
AMP cíclico, que catalisa a fosforilação de determinadas proteínas.