quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Coronavirus - A complicada questão da reinfecção


O que sabemos sobre a reinfecção covid-19 até o momento 


Esse artigo foi publicado no BJM em janeiro de 2021 e faz um resumo do que sabemos sobre a possibilidade de reinfecção pelo coronavírus. Sabe-se que a maioria dos coronavírus geram um certo grau de imunidade, protegendo de novas infecções. Porém já há confirmações de que algumas pessoas foram reinfectadas. O autor Chris Stokel-Walker faz a análise a seguir para nos dar informação do quanto precisamos ficar preocupados sobre esse assunto. 

Com que frequência ocorre a reinfecção?

O autor começa citando o professor de medicina da Universidade de East Anglia (Norwich, Inglaterra) Paul Hunter  que afirma, mesmo sem considerar a nova variante B117 (identificada no Reino Unido) que podemos esperar uma repetição da infecção a partir de agora em qualquer momento.

Segue o artigo:

Já é reconhecido a existência de quatro tipos de coronavírus endêmicos (229E, NL63, OC43 e HKU1) que circulam regularmente pelos humanos, causando a maioria das infecções do trato respiratório. A infecção por qualquer um deles pode levar a imunidade de diferentes durações, geralmente durando pelo menos um ou dois anos, de acordo com Joël Mossong, chefe de epidemiologia e genômica microbiana da Autoridade Nacional de Saúde de Luxemburgo. “Você acaba se infectando novamente, mas não todos os anos”, diz ele.

Mas o SARS-CoV-2 é um tipo inteiramente novo de coronavírus e a questão da imunidade é uma das maiores incógnitas. Se a infecção confere imunidade à reinfecção “é incerto”, escreveram acadêmicos da Universidade de Newcastle em um artigo publicado no Journal of Infection em dezembro de 2020. 1

Dos 11 mil profissionais de saúde que apresentaram evidências de infecção durante a primeira onda da pandemia no Reino Unido entre março e abril de 2020, nenhum teve reinfecção sintomática na segunda onda do vírus entre outubro e novembro de 2020. Como resultado, os pesquisadores sentiram-se confiantes de que a imunidade à reinfecção dura pelo menos seis meses no caso do novo coronavírus, com mais estudos necessários para entender muito mais.

Um estudo anterior da Public Health England, indicou que os anticorpos fornecem 83% de proteção contra reinfecções de covid-19 em um período de cinco meses. Dos 6614 participantes, 44 tiveram reinfecções “possíveis” ou “prováveis”. 2

Em todo o mundo, 31 casos confirmados de reinfecção de covid-19 foram registrados, embora isso possa ser uma subestimação dos atrasos nos relatórios e pressões de recursos na pandemia em andamento.

“Sabemos que as reinfecções com o SARS-CoV-2 podem acontecer”, disse Ashleigh Tuite, professora assistente na Escola de Saúde Pública Dalla Lana da Universidade de Toronto. “A grande questão é: se as reinfecções vão acontecer, com que frequência elas acontecem?”

Com a atenção voltada para o lançamento da vacina e rastreamento da disseminação de novas variantes do covid-19, pouco trabalho está sendo feito para descobrir. “Se eles estão acontecendo muito, mas estão acontecendo no contexto de serem menos graves, não os veremos, a menos que projetemos um estudo que tente ativamente descobrir isso”, diz Tuite.

A doença por reinfecção é mais grave?

Desde a década de 1960, os cientistas sabem que, quando alguns pacientes são infectados com um vírus pela segunda vez, três anticorpos criados para afastar a doença na primeira instância podem acabar inadvertidamente aumentando sua eficácia na reinfecção - conhecido como realce dependente de anticorpos (em inglês: ADE - anti body-dependent enhancement).

Até o momento, a maioria das reinfecções de SARS-CoV-2 que foram relatadas foram mais leves do que os primeiros “encontros” com o vírus, embora algumas tenham sido mais graves - e tendo como resultado a morte de duas pessoas.

“Quase com certeza, a imunidade de uma infecção leve não dura tanto [tempo]”, disse Hunter. “Mas, no geral, a maioria das segundas infecções será muito menos severa por causa de um grau de memória imunológica e mediação de células T.”

Mas Mossong diz que, em sua experiência com coronavírus, aqueles que apresentam os sintomas mais leves em sua infecção inicial têm uma probabilidade maior de reinfecção, talvez porque não desenvolveram uma resposta imunológica na primeira vez. O mesmo vale para aqueles que são imunossuprimidos e, portanto, também não teriam montado uma resposta imunológica à primeira infecção.

Então, novamente, o que essas pessoas estão experimentando poderia ser menos uma reinfecção e mais uma reativação do covid-19 pré-existente dentro do corpo, avalia Mossong. Isso é muito mais difícil de determinar.

Reinfecção ou reativação?

É difícil diferenciar entre o que é uma reinfecção - de um novo coronavírus entrando no corpo - e o que já se trata de um coronavírus existente, reativando a resposta imunológica, por causa da identidade [genética] da amostra. Só é verdadeiramente compreensível se os pacientes dessem amostras durante o primeiro episódio da doença, que são então armazenadas [em laboratório] e sequenciadas geneticamente.

Primeiro, você precisaria obter e, em seguida, sequenciar uma amostra após o primeiro episódio e, em seguida, obter e sequenciar uma segunda amostra do mesmo paciente (que teve teste positivo para covid-19). Os genomas dos vírus das duas amostras precisariam ser demonstrados como diferentes para que fosse uma reinfecção.

“Com uma sequência genética, você pode ver se era a mesma variante ou uma diferente”, diz Melvin Sanicas, um vacinologista e membro da Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. Artigos publicados examinaram reinfecções em Hong Kong usando tais métodos. 4 “Havia boas evidências para mostrar que não era a mesma coisa”, acrescenta Sanicas.

Mas o sequenciamento dessa ordem é uma tarefa difícil, especialmente com os testes extensos e os recursos de laboratório da pandemia atual. “Mesmo no Reino Unido, que realiza o sequenciamento de amostras com mais regularidade do que a maioria dos países, apenas cerca de 5 a 10% das amostras são sequenciadas”, diz Mossong. “Para que isso ocorra duas vezes, para amostras do mesmo paciente, as possibilidades ficam cada vez menores.”

Uma pesquisa conduzida no Departamento de Medicina de Nuffield da Universidade de Oxford afirma que muitos dos casos de reinfecção podem na verdade ser reativação. 5 Mossong aponta que os coronavírus causam infecções longas e suas grandes estruturas genômicas podem fazer com que permaneçam no corpo em níveis baixos o suficiente para não serem detectados, mas prontos para atacar mais uma vez. “Eles podem durar mais em diferentes partes do corpo do que nas áreas respiratórias”, disse Mossong ao The BMJ, apontando para a perda persistente de cheiro e sabor como possível evidência de que o vírus permanece dentro do corpo, se replicando em um nível baixo, por um longo tempo.

 

O que as novas variantes significam para a reinfecção?

 

A variante B.117 do SARS-CoV-2, identificada pela primeira vez no Reino Unido, demonstrou ser mais transmissível do que as variantes anteriores, desencadeando uma nova onda de restrições no Reino Unido. Mas se aqueles que já se recuperaram do vírus estão em risco - isso é outra incógnita.

“Não sei a probabilidade de isso aumentar a chance de reinfecções”, disse Hunter ao BMJ. Ele presume que as reinfecções serão mais prováveis ​​com a nova cepa devido a um aumento absoluto no número de infecções em geral, mas espera que sejam menos prováveis ​​e virulentas do que as primeiras infecções.

No entanto, o surgimento de uma nova variante do SARS-CoV-2, P.1, pode colocar isso em questão. Um artigo pré-impresso que rastreia a probabilidade de infecção com a nova variante, que surgiu em Manaus, Brasil, no final de 2020, indica que ela “foge da resposta imunológica humana” desencadeada por variantes anteriores. A reinfecção é, portanto, provável.

“A questão é quanta variação ou mudança genética pode acontecer no vírus, de modo que seu sistema imunológico não o reconheça mais e não estruture uma resposta imunológica protetora”, disse Tuite, que falou antes que a variante P.1 surgisse. Os fabricantes de vacinas garantiram que suas vacinas resistirão à nova variante B.117, que, de acordo com Tuite, sugere que não mudou o suficiente para tornar as pessoas mais propensas a reinfecção por causa do próprio vírus. (As reações da vacina podem ser diferentes das respostas imunes naturais, embora seja muito cedo para dizer quais são as diferenças no caso de covid-19. As respostas imunes desencadeadas pela vacina são mais consistentes e podem até ser mais poderosas do que aquelas desencadeadas naturalmente de acordo com alguns estudos . 6 )

Por enquanto, a mensagem é clara: “Se você se recuperou do SARS-CoV-2, isso não é uma desculpa para esquecer o distanciamento social e não usar máscara”, diz Sanicas, “sabemos que você pode ter duas vezes.” E isso significa que você pode [realmente] contraí-lo novamente e passá-lo adiante.

SEMPRE UTILIZE MÁSCARAS 

SEMPRE TENHA CUIDADO COM HIGIENIZAÇÃO

SEMPRE EVITE AGLOMERAÇÕES

Artigo original: LINK AQUI

As referências estão no artigo original 

A gravura de uso livre é desse autor (pixabay) AQUI



quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Coronavirus - reflexões sobre a recusa ao uso de máscaras

 



Estamos ainda em meio à pandemia. A vacinação finalmente surge no horizonte, mas no Brasil, seu emprego massivo ainda parece meio distante. Por enquanto é fundamental seguirmos regras simples e diretas como forma de proteção. Elas não são inéditas. Se estudarmos a pandemia da gripe espanhola de 1918 vamos observar que esse foi o principal método de controle da devastadora enfermidade. Curiosamente essa doença matou um pouco mais de 600.000 pessoas nos Estados Unidos, e cem anos depois a covid-19 deverá alcançar a mesma marca (deve ultrapassar, na verdade). As regras são super simples: distanciamento, higiene constante de mãos, objetos de contato e uso de máscaras. Da mesma forma como aconteceu um século antes, houve pessoas que não aceitavam bem todas essas recomendações, especialmente no uso de máscaras. Como se sabe nos países orientais, esse cuidado é facilmente assumido pela população. 


No entanto no ocidente esse tipo de comportamento é considerado extravagante e provavelmente esteja arraigado a preconceitos infames como o da fraqueza, covardia, baixa masculinidade entre outras. Não é apenas um desrespeito ao coletivo, mas eventualmente uma presunção de poder supremacista baseado na teoria pseudocientífica de seleção natural dos mais fortes, que afinal de contas era muito difundida no início do século XX. Essa ideologia deixou terríveis marcas na história médica, baseada na eugenia, e que deixaria seus piores frutos em experiências assustadoras como deixar negros com sífilis à própria sorte (estudo de Tuskegee) por 40 anos, mesmo após a descoberta do seu tratamento (o da penicilina, descoberto em 1928 e utilizável como medicação em 1941). Sabemos que o modus operandis nazista que precedeu a segunda mundial tem como alicerce essa mesma base teórica. 

Às vezes é possível se ouvir argumentos sem consistência contra o uso de máscaras. Um dos mais pífios diz respeito ao fato de gerar doenças porque segura o gás carbônico. No entanto o tamanho da partícula de CO2 é de 0,5 nanômetros enquanto a permeabilidade de uma mascára, N95, por exemplo é de 300 nanômetros. Por outro lado, embora o vírus sars-cov2 tenha um tamanho de 120 nanômetros, ele se dispersa no ar em gotículas respiratórias de tamanhos variados conforme for da tosse ou espirros, sendo medidos em micrômetros (que é 1000 x maior que o nanômetro). Uma antiga tabela já mostrava que a maior parte das gotículas da tosse fica  entre  8 - 16 micrômetros, e do espirro 4 - 8 micrômetros, sendo portanto facilmente bloqueados pelo uso de máscaras. Há uma boa chance de alguém ter sido mal informado sobre a segurança e eficiência do uso de máscaras faciais. Se esses rumores fossem verdadeiros, a prática de uso de máscaras em ambientes cirúrgicos e odontológicos seria algo perigoso e ineficaz. Sabemos porém, que isso é fundamental para segurança dos profissionais de saúde e dos próprios pacientes.

Na verdade a rejeição ao uso de máscaras e outros comportamentos negacionistas são de base profundamente picárdicas. É um comportamento desumano. Extrapola o egoísmo. As vezes se ouve argumentos estranhos como uma rebeldia à recomendação de se permanecer em casa sempre que for possível (confinamento voluntário). Isso seria algo que afeta a liberdade de ir e vir. No entanto normalmente as pessoas ficam em casa quando ficar na rua parece ser inseguro ou demasiado desafiador (temporais, violência urbana, por exemplo). Uma pandemia que tem mais de 80 % de transmissores assintomáticos certamente proporciona um ambiente externo de risco. 

Outras pessoas, mostrando sua escancarada desumanidade, dizem que todos vão morrer de alguma forma. Esse argumento é profundamente contrário ao senso civilizatório de protegermos os mais frágeis e de os expormos a riscos conhecidos. Os maiores movimentos humanísticos ocorreram no sentido de se prevenir a ocorrência de mortes evitáveis. O hospital só existe por isso. A rede de esgoto e os serviços de limpeza urbana também. Sim, temos feito muitos esforços ao longo dos tempos para nem precisar de uma internação hospitalar. Então quando alguém diz que não precisamos de cuidados exagerados, essa pessoa é profundamente ignorante da história civilizatória. Não há exagero quando o tema é a segurança das pessoas. Especialmente quando isso exige, convenhamos, comportamentos relativamente fáceis de serem postos em prática no plano individual. 

Mas ainda assim lidamos com indivíduos refratários ao emprego de máscaras. O artigo a seguir foi publicado no excelente The Conversation - e faz a indagação do que se dizer a esses indivíduos, numa perspectiva filosófica. Tentamos manter a elegância para lidar com esse comportamento abjeto, estimulado por figuras relevantes publicamente. Porém não deveríamos nos esquecer que promover comportamentos que coloquem pessoas em risco é um crime.

 

Na época da pandemia de COVID-19, o que você deveria dizer a alguém que se recusa a usar máscara? Uma reflexão filosófica 

(Artigo de Collin Marshall*) Vários estudos mostraram que as máscaras reduzem a transmissão de gotículas carregadas de vírus de pessoas com COVID-19. No entanto, de acordo com uma pesquisa do Gallup, quase um quinto dos americanos diz que raramente ou nunca usa máscara em público.

Isso levanta uma questão: os "anti-máscaras" podem ser persuadidos a fazer uso desse equipamento de proteção?

Para alguns, pode parecer que tal questão não tem dimensão ética. Usar máscaras salva vidas, então todos deveriam fazer isso. Alguns até acreditam que os anti-máscaras são simplesmente egoístas.

Mas como um filósofo que estuda ética e persuasão, argumento que as coisas são mais complicadas do que isso.

Kant (o filósofo) sobre amor e respeito

Para começar, considere uma das estruturas éticas mais influentes no pensamento ocidental: a do filósofo alemão Immanuel Kant.

De acordo com Kant, a moralidade é basicamente respeito e amor. Respeitar alguém, afirma Kant, é "limitar nossa autoestima pela dignidade da humanidade em outra pessoa." Em outras palavras, devemos evitar minar a dignidade dos outros.

Ao lado do respeito, para Kant, devemos também mostrar aos outros um certo tipo de amor. Amar os outros no sentido moral, escreve ele , não é ter um sentimento, mas sim "tornar meus os fins dos outros (desde que não sejam imorais)."

Ou seja, o amor moral requer que ajudemos os outros a alcançar seus objetivos, desde que esses objetivos não sejam imorais.

De modo geral, isso significa que tratar bem os outros exige uma compreensão sobre o que lhes confere dignidade e as coisas que, em última análise, estão tentando alcançar.

O que é dignidade social?

Alguém poderia perguntar por que tentar persuadir alguém a usar uma máscara ameaçaria sua dignidade.

Considere um tipo de dignidade em particular: dignidade social. De acordo com a eticista Suzy Killmister, a dignidade social consiste em alguém viver de acordo com os padrões que sua comunidade exige dela. Os padrões específicos que importam são aqueles que a comunidade considera “vergonhoso” violar.

A dignidade social de alguém pode ser prejudicada, quer ela aceite ou não os padrões de sua sociedade. Uma maneira de isso acontecer é se ela for membro de diferentes grupos sociais com padrões conflitantes.

Por exemplo, imagine uma adolescente de uma comunidade religiosa conservadora que frequenta uma escola pública secular. De acordo com os padrões de sua comunidade religiosa, é vergonhoso vestir-se indecentemente. De acordo com os padrões de seus colegas de classe, porém, é vergonhosamente fora de moda se vestir de maneira conservadora. Ela enfrenta um dilema de dignidade: não importa como ela se vista, ela não pode alcançar a dignidade social plena.

Vergonha e padrões sociais

Como uma maioria significativa dos americanos usa máscaras e por causa de sua importância na proteção da saúde pública, o uso de máscaras se tornou um padrão social relacionado à vergonha.

Em resposta, a epidemiologista Julia Marcus advertiu recentemente que não é eficaz envergonhar pessoas que não usam máscaras. Em vez disso, ela propôs abordar os anti-máscaras com empatia.

Para ver a importância ética da sugestão de Marcus, considere outra descoberta de uma pesquisa do Gallup: embora a maioria dos grupos sempre ou com frequência use máscaras em público, isso não é verdade para os republicanos. Mais de 50% dos republicanos dizem que nunca, raramente ou apenas às vezes o fazem. Da mesma forma, outros estudos encontraram diferenças regionais nítidas no uso da máscara.

Um republicano cujo grupo social considera o uso de máscara vergonhoso enfrenta um dilema de dignidade. Por exemplo, um xerife no estado de Washington disse a uma multidão que o aplaudia que ele não aplicaria o mandato da máscara do estado. Seu conselho foi: “Não seja uma ovelha”.

Da mesma forma, o psicólogo Peter Glick sugeriu que usar máscara é visto por alguns grupos como “pouco masculino ” porque lhes parece uma fraqueza.

As pessoas nessas comunidades estão sujeitas a padrões anti-máscaras, mesmo que os padrões da sociedade em geral exijam máscaras. Sua dignidade está, portanto, em uma posição precária. Falando eticamente, então, qualquer compromisso respeitoso com eles exige um reconhecimento desse fato, não uma tentativa direta de persuasão.

Fazendo pequenos esforços

Lembre-se de que Kant diz que, além de respeitar a dignidade dos outros, devemos também ajudá-los a alcançar seus objetivos, desde que esses objetivos não sejam imorais. Recusar-se a usar uma máscara pode muito bem ser imoral.

No entanto, tentar manter o status social de acordo com os padrões da sociedade não é intrinsecamente imoral. Se é isso que está motivando as recusas dos anti-máscaras, a estrutura de Kant poderia ajudar os promotores do uso de máscaras a ver as nuances éticas da situação.

Reconhecer esse desafio ético também pode ajudar aqueles que buscam persuadir os anti-máscaras. Eles podem precisar oferecer aos anti-máscaras alguma maneira de manter sua dignidade em seus grupos sociais anti-máscara enquanto usam uma máscara em outros ambientes.

Por exemplo, eles podem encontrar exemplos de conservadores, incluindo o presidente Trump , que usam uma máscara em alguns contextos, mas não em outros. Afinal, mesmo pequenos esforços para usar a máscara podem salvar vidas.

Original AQUI

(*) Professor de Filosofia da Universidade de Washington)

As fotos são de uso livre de PEXELS

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Gases abdominais e a frequência das refeições




UMA ALTERNATIVA ESQUECIDA PARA SE LIVRAR DOS GASES ABDOMINAIS 


Por José Carlos Brasil Peixoto,  médico

Em 19/10/2020

Um antibiótico muito usado como alternativa à penicilina é a eritromicina, vendida em nomes comerciais relativamente conhecidos nos anos 80 e 90 como Pantomicina® e Eritrex®.  Podia ser usado para amigdalites causadas por bactérias, além de uma infinidade de outras infecções, incluindo as sexualmente transmissíveis(*). Mas a eritromicina era conhecida por ter alguns frequentes efeitos colaterais na função digestiva como náusea, dor de barriga, flatulência e inchaço entre outros. Isso é causado por uma particularidade pouco conhecida dessa substância. A eritromicina faz parte de um plantel de elementos químicos que inclui hormônios gastrointestinais e neurotransmissores que afetam uma função digestiva básica, um padrão de motilidade conhecido como CMM – Complexo Motor (ou Mioelétrico) Migratório – (em inglês: MMC, Migrating Motor Complex). Embora tenha sido documentado em 1902, a partir de estudos em animais, até hoje não é totalmente entendido.

A função do CMM, como uma sequência de atividade eletromecânica entre o estômago e intestino delgado é manter o intestino, por assim dizer limpo, uma vez que parece “varrer” os resíduos alimentares e outros produtos ingeridos em direção ao intestino grosso, após a válvula íleocecal, e daí para o exterior. É referido que esse sincronismo ocorre mais ou menos uma hora após o intestino delgado ter recebido conteúdo alimentar.

Pesquisas posteriores permitiram dividir essa atividade motora em quatro fases:

1)    Fase I é a fase quiescente - sem contrações;

2)  Fase II é caracterizada por contrações aleatórias;

3)  Fase III tem um início súbito e termina com uma explosão de contrações com amplitude máxima e duração; e a

4)  Fase IV é caracterizada pela diminuição rápida das contrações.

Estudada me mais detalhes ficou claro que o complexo motor migratório é um evento recorrente que move-se do estômago para o íleo terminal, ao longo de um período de 1,5-2 h. A distensão do estômago interrompe a atividade de CMM no estômago e na parte superior do intestino delgado, enquanto a presença de fluidos e nutrientes no intestino delgado interrompe a atividade do CMM em toda essa porção intestinal.

Então é claro que a ingestão de alimentos é um fator inibidor desse movimento fisiológico. Como sabemos quando vamos fazer a limpeza de uma casa é melhor que o movimento na casa esteja sossegado. Quanto menos gente presente e fazendo coisas melhor a faxina. E muitos autores se referem à CMM como “a little housekeeper” (breve faxineira).

Uma das queixas mais comuns do atendimento médico diz respeito a problemas da função digestiva. Especialmente a barriga inchada e os gases.  Muitas vezes está relacionado a transtornos com a multiforme síndrome do intestino irritável. E geralmente se buscar associar a intolerâncias ou a alergias alimentares. Problemas com enzimas digestivas e distúrbios da função do fígado também são muito lembrados. Adicionalmente tem a questão de como o estresse afeta o bom funcionamento do aparelho digestivo.

Mas é importante sublinhar que o CMM só entra em ação durante os períodos entre as refeições, ou seja, nos períodos de jejum.

Paradoxalmente, muitas orientações de nutrição tradicional dizem respeito a frequência das refeições. Comer de três em três horas por exemplo.

Além disso muitas pessoas fazem questão de comer a todo o momento. Ficam beliscando ou mastigando alguma coisa durante o seu expediente de trabalho, na frente da TV, quando estão lendo ou falando com alguém pela internet.

Assim aqui temos uma possível causa não levada em conta quando se orienta o tratamento para indivíduos que tem problemas com gases e inchaço abdominal.

Então não basta se preocupar com o que comemos, e sim, talvez mais importante a frequência com que comemos.

De fato, o hábito de lanches frequentes, independente de sua qualidade pode afetar drasticamente a eficiência do CMM. Especialmente porque quando essa função é interrompida, podem ficar resíduos de alimentos no intestino e a ação bacteriana pode estimular o processo de fermentação e a cascata de eventos a seguir, como um crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado e a criação de um ambiente propício para o inchaço abdominal e outros sintomas do intestino irritável.

Podem ser necessários espaços de cinco horas entre as refeições para que o processo seja concluído. Assim períodos de jejum facilitam e organizam a função do tubo digestivo.

É sabido que ao longo da história da evolução o homem deve rotineiramente ter ficado muitas horas de intervalos entre as refeições. No entanto a oferta de alimentos no mundo moderno, especialmente nos meios urbanos facilmente nos levam a crer que é natural ficarmos comendo o tempo todo.

Pode ser difícil rearranjar a rotina alimentar para pessoas que estão acostumadas a ter várias refeições por dia e achavam que isso seria importante para a saúde. No entanto isso fica mais fácil quando se faz refeições mais saciadoras. Se for importante comer um doce, que se coma logo após a refeição principal. O consumo de carboidratos simples pode favorecer ao consumo mais frequente de lanches e outras “bobagens” ao longo do dia. É importante também dar atenção à mastigação para favorecer a função digestiva inferior e prestar um benefício ao CMM.

Enfim, se o problema que mais lhe afeta é o desconforto abdominal provocado pelos gases e distenção abdominal esqueça os lanches e guloseimas do meio da manhã e da tarde.

Dar atenção a qualidade do se que come é, obviamente,  importante.

Mas o que - realmente - pode ser mais transformador é cuidar da frequência com que se coloca alimentos na boca.

Se quiser se livrar da indisposição abdominal coma menos vezes por dia! Faça bons períodos de jejum. Se estiver disposto, faça períodos de jejum intermitente. Deixe o seu complexo motor migratório em paz para fazer bem o seu trabalho.

Ao final que ficará em paz é você mesmo!


Referências:

(*) A eritromicina continua disponível, mas está amplamente subsituida pela azitromicina.

A foto do relógio é desse LINK

1) Artigo: The migrating motor complex: control mechanisms and its role in health and disease - LINK 

2) Uma revisão do livro GUT de Giulia Endres desse LINK

3)Outra revisão do livro GUT AQUI




 


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Coronavírus - a desinformação precisa ser enfrentada


A DESINFORMAÇÃO SOBRE A COVID-19 ESTÁ MATANDO PESSOAS

Essa infodemia precisa parar

By  on 

Esse artigo foi publicado em uma das mais antigas revistas de ciências das Américas (primeira edição em 1845) - Scientific American, e faz um alerta sobre como podemos e precisamos enfrentar a desinformação na mídia científica, especialmente quando estamos tratando da saúde da população. A tragédia do coronavírus fez emergir uma das piores faces da humanidade, a fé no absurdo, a promoção da insensatez, a disseminação do falso, seja ela por pura ignorância, ou muitas vezes por inata perfidez. 

A confluência de desinformação e doenças infecciosas não é exclusiva do COVID-19. A desinformação contribuiu para a propagação da epidemia de Ebola na África Ocidental e prejudica os esforços para educar o público sobre a importância da vacinação contra o sarampo. Mas quando se trata de COVID-19, a pandemia passou a ser definida por um tsunami de persistente desinformação ao público sobre tudo, desde a utilidade de máscaras e a eficácia do fechamento de escolas, até a sabedoria por trás do distanciamento social e até mesmo a promessa de remédios não testados. De acordo com um estudo publicado pelo National Bureau of Economic Research, áreas do país expostas à programação de televisão que minimizava a gravidade da pandemia tiveram um maior número de casos e mortes - porque as pessoas não seguiram os cuidados de saúde pública. Nos Estados Unidos, a desinformação disseminada por elementos da mídia, por líderes públicos e por indivíduos com grandes plataformas de mídia social contribuiu para uma parcela desproporcionalmente grande do fardo do COVID-19: nós abrigamos 4% da população global, mas somos responsáveis ​​por 22% de mortes COVID-19 globais. Com o inverno se aproximando e as pessoas passando mais tempo em ambientes fechados, é mais imperativo do que nunca combater a desinformação e comunicar claramente os riscos ao público; além disso, enquanto aguardamos a chegada de uma vacina, é igualmente importante munir o público de fatos. Temos trabalho a fazer: uma pesquisa recente descobriu que apenas metade da população americana planeja obter uma vacina COVID-19 . Abaixo estão algumas recomendações importantes para a comunidade científica, profissionais de saúde pública, membros do público e a indústria sobre o que eles podem fazer para neutralizar com eficácia o efeito da desinformação em torno da resposta COVID-19.

Uma campanha coordenada de influenciadores apoiando a ciência e a saúde pública. Em um estudo de mensagens COVID-19 na mídia social, a desinformação revelada por políticos, celebridades e outras figuras proeminentes representou cerca de 20 por cento das declarações, mas representou 69 por cento do envolvimento total na mídia social. Portanto, as figuras da saúde pública que têm credibilidade devem fazer parceria com influenciadores de mídia social que tenham o alcance. Aproveitar o amplo alcance de influenciadores locais, regionais e nacionais de uma ampla faixa de setores, tanto dentro quanto fora da comunidade de saúde pública, é necessário para conter o grande volume de desinformação empurrado para o ecossistema de informações. Uma campanha coordenada de influenciadores que combina especialistas no assunto com artistas, figuras políticas, empresários e setores da sociedade civil ajudará a amplificar a orientação consistente de saúde pública nas mídias sociais, meios digitais e tradicionais.

Um esforço agressivo e transparente de empresas de mídia social trabalhando em cooperação com governos para remover informações marcadamente falsas sobre COVID-19. A maior categoria de alegações enganosas ou falsas (39 por cento) são caracterizações incorretas ou mensagens enganosas sobre ações ou políticas do poder público. Embora as empresas de mídia social estejam aumentando seus esforços para remover a desinformação sobre COVID-19 de suas plataformas, seus esforços são amplamente reativos e demorados, durante os quais informações prejudiciais circulam entre os telespectadores inconscientes. É por isso que as autoridades de saúde pública devem trabalhar com empresas de mídia social por meio de parcerias robustas para identificar fontes comuns de desinformação; antecipar de forma proativa a desinformação futura dessas fontes; e permitir sua remoção em tempo quase real. Para ter credibilidade, esse processo deve ser robusto, transparente e apartidário.

Além de esclarecer e remover as informações falsas: uma robusta campanha de mensagens ao público que vá além da mensagem unidirecional tradicional governamental: A mídia social é popular porque fornece a indivíduos, grupos e instituições a oportunidade de ter conversas dinâmicas. No entanto, as mensagens de saúde pública dos órgãos de governo geralmente precisam ser esclarecidas por meio de um longo processo de revisão que não permite que os funcionários conversem em tempo real com o público a fim de educar e desmistificar a desinformação. Para serem mais eficazes, as autoridades de saúde pública devem desenvolver padrões e orientações que lhes permitam interagir dinamicamente com o público de maneira mais oportuna. Conversas dinâmicas e mensagens proativas entre funcionários de saúde pública e o público podem ter mais impacto do que remover informações falsas de plataformas de mídia social, especialmente porque a remoção geralmente ocorre muito depois de um número significativo de indivíduos já ter sido exposto à mensagem falsa.

Detectar, compreender e expor informações incorretas relacionadas ao COVID-19 por meio de ciência de dados e análises comportamentaisQualquer esforço destinado a transmitir fatos a grandes públicos exige o aproveitamento e a compreensão dos dados do público. É isso que torna a indústria da propaganda tão poderosa. Infelizmente, nossos comunicadores de saúde pública não adotaram os recursos básicos aos quais a indústria está acostumada. Esses recursos incluem a compreensão das preferências de vários setores do público ativo em plataformas de mídia social, a fim de fornecer informações oportunas e relevantes que ressoem com eles. Esses são recursos usados ​​rotineiramente pela indústria de publicidade e serviriam bem ao setor de saúde pública em seu esforço para entender melhor o público e persuadi-lo a favor de comportamentos salutares.

Combinação entre os compromissos da saúde pública com as efetivas capacidades que o governo que possa entregar:  Lições de campanhas anteriores de saúde pública na mídia indicam que qualquer aconselhamento dos funcionários da saúde pública deve ser combinado com a capacidade de fornecer os serviços e demandas a essas recomendações. Por exemplo, a orientação para o teste deve ser acompanhada por testes COVID-19 prontamente acessíveis. As orientações para o uso de máscaras devem ser atendidas com ampla disponibilidade de máscaras. E qualquer campanha de educação sobre a eficácia de vacinas ou terapêuticas deve ser satisfeita com disponibilidade e acessibilidade suficientes dessas medidas.

O combate eficaz à desinformação infodêmica em torno da pandemia COVID-19 terá um papel significativo no achatamento da curva e, em última instância, na derrota do vírus. As lições das doenças transmissíveis destacam o fato de que estratégias agressivas de comunicação em saúde pública são imperativas para conter as doenças. Na era da mídia social, a disseminação de informações incorretas é um grande obstáculo para esses esforços e requer uma resposta ainda mais sofisticada. A execução das recomendações detalhadas acima ajudará a combater efetivamente a desinformação em torno da atual pandemia e nos ajudará a nos proteger da próxima.