segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Gases abdominais e a frequência das refeições




UMA ALTERNATIVA ESQUECIDA PARA SE LIVRAR DOS GASES ABDOMINAIS 


Por José Carlos Brasil Peixoto,  médico

Em 19/10/2020

Um antibiótico muito usado como alternativa à penicilina é a eritromicina, vendida em nomes comerciais relativamente conhecidos nos anos 80 e 90 como Pantomicina® e Eritrex®.  Podia ser usado para amigdalites causadas por bactérias, além de uma infinidade de outras infecções, incluindo as sexualmente transmissíveis(*). Mas a eritromicina era conhecida por ter alguns frequentes efeitos colaterais na função digestiva como náusea, dor de barriga, flatulência e inchaço entre outros. Isso é causado por uma particularidade pouco conhecida dessa substância. A eritromicina faz parte de um plantel de elementos químicos que inclui hormônios gastrointestinais e neurotransmissores que afetam uma função digestiva básica, um padrão de motilidade conhecido como CMM – Complexo Motor (ou Mioelétrico) Migratório – (em inglês: MMC, Migrating Motor Complex). Embora tenha sido documentado em 1902, a partir de estudos em animais, até hoje não é totalmente entendido.

A função do CMM, como uma sequência de atividade eletromecânica entre o estômago e intestino delgado é manter o intestino, por assim dizer limpo, uma vez que parece “varrer” os resíduos alimentares e outros produtos ingeridos em direção ao intestino grosso, após a válvula íleocecal, e daí para o exterior. É referido que esse sincronismo ocorre mais ou menos uma hora após o intestino delgado ter recebido conteúdo alimentar.

Pesquisas posteriores permitiram dividir essa atividade motora em quatro fases:

1)    Fase I é a fase quiescente - sem contrações;

2)  Fase II é caracterizada por contrações aleatórias;

3)  Fase III tem um início súbito e termina com uma explosão de contrações com amplitude máxima e duração; e a

4)  Fase IV é caracterizada pela diminuição rápida das contrações.

Estudada me mais detalhes ficou claro que o complexo motor migratório é um evento recorrente que move-se do estômago para o íleo terminal, ao longo de um período de 1,5-2 h. A distensão do estômago interrompe a atividade de CMM no estômago e na parte superior do intestino delgado, enquanto a presença de fluidos e nutrientes no intestino delgado interrompe a atividade do CMM em toda essa porção intestinal.

Então é claro que a ingestão de alimentos é um fator inibidor desse movimento fisiológico. Como sabemos quando vamos fazer a limpeza de uma casa é melhor que o movimento na casa esteja sossegado. Quanto menos gente presente e fazendo coisas melhor a faxina. E muitos autores se referem à CMM como “a little housekeeper” (breve faxineira).

Uma das queixas mais comuns do atendimento médico diz respeito a problemas da função digestiva. Especialmente a barriga inchada e os gases.  Muitas vezes está relacionado a transtornos com a multiforme síndrome do intestino irritável. E geralmente se buscar associar a intolerâncias ou a alergias alimentares. Problemas com enzimas digestivas e distúrbios da função do fígado também são muito lembrados. Adicionalmente tem a questão de como o estresse afeta o bom funcionamento do aparelho digestivo.

Mas é importante sublinhar que o CMM só entra em ação durante os períodos entre as refeições, ou seja, nos períodos de jejum.

Paradoxalmente, muitas orientações de nutrição tradicional dizem respeito a frequência das refeições. Comer de três em três horas por exemplo.

Além disso muitas pessoas fazem questão de comer a todo o momento. Ficam beliscando ou mastigando alguma coisa durante o seu expediente de trabalho, na frente da TV, quando estão lendo ou falando com alguém pela internet.

Assim aqui temos uma possível causa não levada em conta quando se orienta o tratamento para indivíduos que tem problemas com gases e inchaço abdominal.

Então não basta se preocupar com o que comemos, e sim, talvez mais importante a frequência com que comemos.

De fato, o hábito de lanches frequentes, independente de sua qualidade pode afetar drasticamente a eficiência do CMM. Especialmente porque quando essa função é interrompida, podem ficar resíduos de alimentos no intestino e a ação bacteriana pode estimular o processo de fermentação e a cascata de eventos a seguir, como um crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado e a criação de um ambiente propício para o inchaço abdominal e outros sintomas do intestino irritável.

Podem ser necessários espaços de cinco horas entre as refeições para que o processo seja concluído. Assim períodos de jejum facilitam e organizam a função do tubo digestivo.

É sabido que ao longo da história da evolução o homem deve rotineiramente ter ficado muitas horas de intervalos entre as refeições. No entanto a oferta de alimentos no mundo moderno, especialmente nos meios urbanos facilmente nos levam a crer que é natural ficarmos comendo o tempo todo.

Pode ser difícil rearranjar a rotina alimentar para pessoas que estão acostumadas a ter várias refeições por dia e achavam que isso seria importante para a saúde. No entanto isso fica mais fácil quando se faz refeições mais saciadoras. Se for importante comer um doce, que se coma logo após a refeição principal. O consumo de carboidratos simples pode favorecer ao consumo mais frequente de lanches e outras “bobagens” ao longo do dia. É importante também dar atenção à mastigação para favorecer a função digestiva inferior e prestar um benefício ao CMM.

Enfim, se o problema que mais lhe afeta é o desconforto abdominal provocado pelos gases e distenção abdominal esqueça os lanches e guloseimas do meio da manhã e da tarde.

Dar atenção a qualidade do se que come é, obviamente,  importante.

Mas o que - realmente - pode ser mais transformador é cuidar da frequência com que se coloca alimentos na boca.

Se quiser se livrar da indisposição abdominal coma menos vezes por dia! Faça bons períodos de jejum. Se estiver disposto, faça períodos de jejum intermitente. Deixe o seu complexo motor migratório em paz para fazer bem o seu trabalho.

Ao final que ficará em paz é você mesmo!


Referências:

(*) A eritromicina continua disponível, mas está amplamente subsituida pela azitromicina.

A foto do relógio é desse LINK

1) Artigo: The migrating motor complex: control mechanisms and its role in health and disease - LINK 

2) Uma revisão do livro GUT de Giulia Endres desse LINK

3)Outra revisão do livro GUT AQUI




 


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