segunda-feira, 25 de maio de 2020

Coronavirus - uso de máscara é fundamental


Tem havido alguma controvérsia sobre o uso de máscaras pela população em geral com cuidado de proteção frente a pandemia do coronavírus. Especialmente no ocidente, onde esse emprego não é comum, sendo inclusive, visto com estranheza, ou mesmo repulsa. Inicialmente a própria Organização Mundial de Saúde, em suas primeiras diretrizes, recomendava o uso de máscaras para todos os indivíduos sintomáticos (qualquer sintoma respiratório) como forma de proteger os demais de eventual contágio. No entanto, nos países orientais o emprego de máscaras foi mais difundido logo no começo da expansão da doença, um elemento cultural já assimilado, especialmente pelo fato de já terem enfrentado situações anteriores similares, como a SARS. Mas a posição da OMS está mais flexível recentemente. No seu site fica flexibilizada a recomendação do emprego das máscaras por cada país. Especialmente quando a questão diz respeito às aglomerações. Assim, mesmo que ainda sejam necessários mais estudos para validar o uso de máscaras como estratégia preventiva de larga escala, a OMS não é de forma alguma contra seu emprego. Faz notas quanto a necessidade de estar associado a manutenção de condutas fundamentais como lavar as mãos e cuidar de superfícies de contato. 
Então a recomendação de uso em público de máscaras é correta. Seu emprego também mostra um reconhecimento das pessoas à existência da pandemia. É um sinal mútuo de respeito ao próximo e estímulo ao cuidado de todos. É um exemplo de humanidade. Um ato de sensibilidade que pode distinguir pessoas que não perderam um dos mais nobres predicados nos tempos atuais: a solidariedade. Uma providência primária e decisiva para a sobrevivência do homem nos momentos fundamentais de desafio à sobrevivência. Uma distinção entre o bem e o mal.


Se 80% dos americanos usassem máscaras, as infecções por COVID-19 despencariam, diz novo estudo


Há evidências convincentes de que o Japão, Hong Kong e outros locais do Leste Asiático estão fazendo o certo e que devemos, realmente, nos mascarar - e rapidamente.

MAY 8, 2020

Publicado no VANITY FAIR
Parece bom demais para ser verdade. Mas um novo estudo e um novo modelo informático, convincentes, fornecem novas evidências de uma solução simples para nos ajudar a sair desse pesadelo de lockdown. A fórmula? O distanciamento social em ambientes públicos sempre e, o mais importante, use uma máscara.

Se você está se perguntando se deve ou não usar, considere isso. Anteontem, 21 pessoas morreram da COVID-19 no Japão. Nos Estados Unidos 2.129 morreram (em 08/05). Ao comparar as taxas gerais de mortalidade para os dois países, se oferece um chocante ponto de comparação - com o total de 76.032 mortes atuais nos Estados Unidos atortoados e 577 fatalidades no Japão. Mesmo com a população do Japão sendo cerca de 38% da dos EUA, com o ajuste para o total da população, a taxa japonesa é apenas 2% da dos americanos.
Isso ocorre mesmo com o Japão não tendo adotado o lockdown, tendo mantido os metrôs em funcionamento e deixado muitas empresas abertas - incluindo bares de karaokê -, apesar de cidadãos e indústrias japonesas praticarem o distanciamento social onde podem. Os japoneses também não adotaram amplamente o rastreamento de contatos, uma prática na qual as autoridades de saúde identificam alguém que foi infectado e depois tentam identificar todos com quem essa pessoa possa ter interagido - e potencialmente infectada. Então, como o Japão faz isso?
No Japão, o uso de máscaras não mudou os hábitos da população -foto de 040320 (LINK)
"Um motivo é que quase todo mundo lá está usando uma máscara", disse De Kai, um cientista de computação norte-americano com compromissos conjuntos no Instituto Internacional de Ciência da Computação da UC Berkeley e na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Ele também é o arquiteto-chefe de um estudo aprofundado, que será lançado nos próximos dias, e sugere que todos nós devemos usar uma máscara - seja cirúrgica ou caseira, cachecol ou uma bandana - como fazem no Japão e outros países, principalmente no leste da Ásia. Esta fórmula se aplica ao presidente Donald Trump e ao vice-presidente Mike Pence [ocasionais refuseniks (desobediente de regras) do uso de máscaras], bem como qualquer outro funcionário que interage rotineiramente com pessoas em ambientes públicos. Entre as descobertas de seu trabalho de pesquisa, que a equipe planeja enviar a um grande periódico: se 80% de uma população usasse uma máscara, as taxas de infecção por COVID-19 cairiam estatisticamente para aproximadamente um décimo segundo do número de infecções - em comparação a uma população com vírus vivos a qual ninguém usasse máscaras.

O debate sobre máscaras, é claro, vem ocorrendo há semanas nos Estados Unidos e no mundo. Os pró-máscaras afirmam que o uso generalizado de revestimentos faciais pode diminuir a propagação da COVID-19. Alguns anti-máscaras, incluindo vários políticos e autoridades de saúde pública, insistiram que não há prova de eficácia dos protetores faciais. Segundo alguns ativistas, um mandato de máscara geral coloca um limite à liberdade individual e até ao direito à liberdade de expressão. (Os ativistas pró-máscaras estão reagindo com as campanhas # masks4all e #wearafuckingmask no Twitter).
Representantes da Organização Mundial da Saúde também estão parecendo um pouco não favoráveis ao uso de máscara, preocupando-se com o fato de que muitas pessoas não vão usar máscaras adequadamente, se arriscando a ter a infecção, ou que as máscaras darão às pessoas uma falsa sensação de segurança e incentivo a comportamentos de risco, como de ir a festejos ou encontros - nada disso parece ter acontecido, até onde sabemos, no Japão, Hong Kong ou em outros lugares em que a máscara é usada. Além das cizânias há a falta de máscaras médicas para os próprios médicos, enfermeiras, motoristas de ônibus e até mesmo pro cara que entrega lanches à sua porta.
A confusão nas máscaras foi o que levou De Kai, de Berkeley, a abandonar tudo há dois meses e ajudar a reunir uma equipe ad hoc de cientistas e acadêmicos: um médico de Londres, um bio-informaticista de Cambridge, um economista de Paris e um sociólogo de dinâmica populacional especialista da Finlândia.
"Eu senti que isso era muito urgente", disse De Kai, nascido em St. Louis e filho de imigrantes da China. “Vi o país em que cresci, onde minha família mora [atualmente na maior parte da área da baía de São Francisco], prestes a enfrentar essa pandemia sem saber muito sobre algo tão simples quanto usar uma máscara para proteger a si e aos outros.” Em parte, isso vem de uma diferença cultural entre o Leste Asiático, onde as máscaras são usadas rotineiramente há décadas para combater a poluição e os germes, e outras partes do mundo. Isso inclui os EUA, onde as pessoas não estão acostumadas a usar máscaras e, no passado, às vezes eram insensíveis, até estigmatizando os asiáticos orientais, muitos dos quais optaram por usá-las em público antes da pandemia e continuaram a prática após os surtos de SARS e MERS. (Em parte, esse hábito pretendia mostrar a outras pessoas que elas estavam preocupadas em transmitir a doença - algo que nós no Ocidente faríamos bem em imitar.)
A solução de De Kai, junto com sua equipe, foi construir um modelo de previsão por computador que eles chamam de simulador de masksim . Isso lhes permitiu criarem cenários de populações como as do Japão (que geralmente usam máscaras) e outras (que geralmente não usam), e comparar o que acontece com as taxas de infecção ao longo do tempo. Masksim usa programação sofisticada usada por epidemiologistas para rastrear surtos e patógenos como COVID-19, Ebola e SARS, e combina isso com outros modelos que são usados em inteligência artificial para levar em conta o papel do acaso, neste caso a aleatoriedade e imprevisibilidade, do comportamento humano - por exemplo, quando uma pessoa infectada decide ir à praia. A equipe de De Kai também adicionou uma programação original que leva em consideração critérios específicos da máscara, como a eficácia de certas máscaras para bloquear as micro-gotículas invisíveis de umidade que saem de nossas bocas quando expiramos ou falamos, ou de nossos narizes quando espirramos, que os cientistas acreditam serem vetores significativos para espalhar o coronavírus.
Junto com o site masksim , a equipe também está lançando um estudo que descreve seu modelo em detalhes, bem como a alegação de que as previsões de masksim suportam um corpo crescente de evidências pró-máscara . "O mais importante sobre o uso de máscaras agora", disse Guy-Philippe Goldstein, economista, especialista em segurança cibernética e professor da École de Guerre Economique em Paris - e colaborador do masksim, "é que funciona, juntamente com o distanciamento social, para achatar a curva de infecções nesse tempo em que esperamos o desenvolvimento de tratamentos e vacinas - enquanto também permitimos que as pessoas saiam e que algumas empresas possam reabrir. ”
Embora todos os modelos tenham limitações e sejam tão boas quanto suas suposições, este é "um modelo muito completo e bem feito", disse William Schaffner, especialista em doenças infecciosas da Universidade Vanderbilt, que revisou o artigo da equipe De Kai. "Ele apoia uma noção que eu defendo junto com a maioria dos outros especialistas em doenças infecciosas: que as máscaras são muito, muito importantes". Jeremy Howard, pesquisador fundador da fast.ai e um destacado cientista da Universidade de São Francisco, também avaliou o artigo. "É quase um exagero o quão cuidadosos eles foram com essa modelagem", disse Howard, que também foi coautor e coordenador de um estudo no mês passado. (submetido recentemente à revista PNAS) que revisou dezenas de artigos avaliando a eficácia das máscaras.
Durante um evento pelo aplicativo Zoom de compartilhamento de tela em seu escritório em Hong Kong, De Kai, que não teve que se abrigar no local ("porque quase todo mundo aqui usa máscaras"), me explicou como o modelo funciona. (Confira este vídeo onde De Kai tem um demo do site). Na tela do Zoom de De Kai, uma caixa aparece cheia de dezenas de pontos azuis, cada um representando uma pessoa que está publicamente fechando e zapeando, fazendo suas coisas e às vezes interagindo com outras pessoas. Esses pontos azuis indicam "não infectado, mas suscetível". À medida que a simulação avança, um dos pontos fica laranja, representando uma pessoa que foi exposta ao coronavírus. Esse ponto laranja toca um ponto azul próximo, que também muda para laranja enquanto o ponto laranja original muda para vermelho. Isso significa que essa pessoa agora está infectada. À medida que o modelo e os “dias” simulados passam, com os pontos continuando a ricochetear, alguns pontos laranjas e vermelhos ficam verdes, o que significa que as pessoas se recuperaram - ou morreram.
No compartilhamento de tela, De Kai primeiro executou uma simulação que mostra o que acontece quando a COVID-19 atinge uma população na qual ninguém usa máscara. Os pontos laranja e vermelho proliferam a uma velocidade assustadora; “Suscetíveis” se tornam “expostos / infectados”, depois recuperados ou mortos. "É isso que você não quer", disse De Kai. Ele mudou o cenário para simular o que aconteceria se 100% da população no faz de conta usasse máscaras; quase todos os pontos permaneceriam azuis - com cada um deles cercado por um quadrado branco, representando alguém usando uma máscara.
Em seguida, De Kai acrescentou outro ajuste, modelando uma situação em que 80% de uma dada população usava máscara. Aqui, a maioria dos pontos permanece azul, com alguns em laranja, vermelho e verde. "Esse é o objetivo", afirmou De Kai. "Que 80 ou 90% da população esteja usando máscaras." Menos que isso, acrescentou, não funcionaria tão bem. "Se você chega a (apenas) 30 ou 40%, quase não obtém nenhum efeito [benéfico]".
"Comecei a sair só para comprar comida em meados de março", lembrou o economista Guy-Philippe Goldstein. “Eu era o único que estava usando uma máscara e as pessoas estavam tirando sarro de mim. Elas já não estão mais agora, embora ainda não haja pessoas suficientes em Paris usando máscaras.” Essa pode ser uma das razões pelas quais apenas alguns estados nos EUA atualmente exijam que as pessoas sempre usem máscaras quando saem em público, embora muitos estados exijam máscaras para certos trabalhadores, para ingressar em empresas e em transporte público. Muitas cidades e condados, incluindo Denver e Los Angeles, também requisitam seu uso. Esteja você em um estado azul (referente ao Partido Democrata) ou vermelho (referente ao Partido Republicano), você não vai querer se tornar um dos pontos vermelhos de De Kai.

LINK DO TEXTO ORIGINAL AQUI

Sugestões de como fazer máscaras em casa nesse LINK ou nesse outro LINK (entre muitos outros)

Recomendação em época de pandemia: fique em casa sempre que possível, lave as mãos, higienize supefíceis de contato, e na rua, próximo de outras pessoas, mostre sua atenção aos outros utilizando uma máscara de proteção!



segunda-feira, 18 de maio de 2020

Coronavírus - sem novidades sobre o uso de antimaláricos na pandemia




Como houve uma inesperada renovação do estímulo para o uso de alguns medicamentos para a infecção provocada pelo novo coronavírus, fui dar uma olhada para verificar se existe de fato alguma novidade sobre o pretenso sucesso ou indicação dos remédios antimaláricos para casos mais leves ou moderados da covid-19. Infelizmente não parece existir qualquer informação mais promissora. 

Por outro lado sempre pareceu razoável que as abordagens terapêuticas fossem propostas e executadas por médicos ou equipes de pesquisa em medicamentos. Naturalmente políticos podem estar preocupados com a saúde das populações sobre sua responsabilidade. Mas, a não ser que sejam médicos, não devem ter um papel direto para sugestão de tratamentos específicos, pois normalmente indivíduos leigos que fazem orientações para uso de remédios recebem adjetivos pouco gentis em sociedades responsáveis. Claro que o respeito e o amor ao próximo, inclui predicados que parecem mais escassos nos últimos tempos. Também fica permitido se imaginar que o sucesso de tratamentos panecéicos podem dar uma falsa sensação de que a vida ordinária pode ser retomada sem maiores riscos. Não temos exemplo de que isso tenha ocorrido em algum ponto da Terra. 

Mas é claro, podemos sonhar com isso. Ou podemos ser levados a um pesadelo real se isso for perpetrado por aldrabões, para os quais vidas perdidas são apenas números inevitáveis, que as pessoas comuns precisam aceitar, nem que para isso se deixe para tras o instinto de proteção da vida daqueles que amamos, e que podem ser preservadas. Mas pelo que os estudos mostram esse não é o caso. A luz da ciência não nos oferece essa opção por enquanto. Fique em casa, só saia se for necessário, use máscara, siga orientações de autoridades sanitárias e proteja você, sua família e todos os demais! 

O artigo a seguir é da circunspecta BBC. No final tem dois breves resumos de estudos sobre o tema.  



Coronavírus e cloroquina: existem evidências de que funciona?


  • 15 de maio de 2020

As drogas desenvolvidas para tratar a malária foram apontadas pelo presidente Trump como tratamento para o Covid-19, apesar dos cientistas dizerem que não há evidências definitivas de que funcionem.
Estudos estão em andamento para examinar a eficácia da cloroquina e seus derivados, mas a Organização Mundial da Saúde diz que está preocupada com relatos de indivíduos se automedicando e tendo graves efeitos.
Essas preocupações de segurança foram repetidas por um ex-oficial de saúde dos EUA.
Rick Bright, que foi retirado de seu cargo em abril, liderando os esforços de desenvolvimento de vacinas do governo, diz que o foco do presidente Trump nessas drogas tem sido "extremamente perturbador para dezenas de cientistas federais".
Como resultado da publicidade dada a esses medicamentos como um possível tratamento, houve um aumento global na demanda por eles.
O que sabemos sobre esses medicamentos?
O presidente Trump frequentemente se refere ao potencial da hidroxicloroquina nos briefings da Casa Branca. Em uma conferência de imprensa, ele disse: "O que você tem a perder? Aceite".
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro afirmou em um vídeo que "a hidroxicloroquina está funcionando em todos os lugares", embora isso tenha sido posteriormente removido pelo Facebook por violar suas diretrizes de desinformação.
Após a referência de Trump às drogas no final de março, houve um aumento acentuado nas prescrições nos EUA para cloroquina e hidroxicloroquina, embora a demanda tenha diminuído desde então.
Número de prescrições de antimaláricos nos EEUU no período recente.
Observe-se o pico na segunda quinzena de março e a queda a seguir.

Comprimidos contendo cloroquina há muito tempo são utilizados no tratamento da malária para reduzir a febre e a inflamação, e a esperança é que eles também possam inibir o vírus que causa a Covid-19.
Atualmente, não existem evidências suficientes de estudos atuais sobre o uso efetivo desses medicamentos no tratamento de pacientes com Covid-19.
Também existem riscos de efeitos colaterais graves, incluindo danos renais e hepáticos.
"Precisamos de ensaios clínicos randomizados maiores e de alta qualidade para avaliar melhor sua eficácia", diz Kome Gbinigie, da Universidade de Oxford, autor de um relatório sobre testes com os antimaláricos para o Covid-19.

Mais de 20 ensaios estão sendo realizados, inclusive nos EUA, Reino Unido, Espanha e China.
Nos EUA, vários ensaios estão em andamento para uma combinação de medicamentos, incluindo cloroquina, hidroxicloroquina e um antibiótico chamado azitromicina, para o tratamento de pacientes com Covid-19.

Quais países autorizaram seu uso?


No final de março, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) concedeu autorização de "uso de emergência" para esses medicamentos no tratamento do Covid-19 para um número limitado de casos hospitalizados.
Isso não significa que a FDA esteja dizendo que eles definitivamente funcionam. Mas isso significa que, em circunstâncias específicas, os hospitais podem solicitar e usar os medicamentos dos estoques do governo para uso no tratamento Covid-19.
Porém, em 24 de abril, o FDA, que licencia medicamentos nos EUA, também emitiu um alerta sobre os perigos do uso das substâncias devido a relatos de problemas no ritmo cardíaco nos pacientes

O governo dos EUA disse que 30 milhões de doses de hidroxicloroquina foram doadas ao estoque nacional por uma empresa farmacêutica alemã.
Outros países também estão implantando esses medicamentos antimaláricos em vários graus.
A França autorizou médicos a prescrevê-los para pacientes com Covid-19, mas o órgão de vigilância médica do país alertou para os efeitos colaterais.
O Ministério da Saúde da Índia recomendou o uso da hidroxicloroquina como tratamento preventivo para os profissionais de saúde, bem como para as famílias em contato com casos confirmados, se tiverem receita médica.
No entanto, o órgão de pesquisa do governo da Índia alertou contra o uso irrestrito do medicamento antimalárico e disse que era "experimental" e apenas para situações de emergência.
Vários países do Oriente Médio autorizaram seu uso ou estão realizando testes. Isso inclui o Bahrein (que afirma ser um dos primeiros países a usar hidroxicloroquina em pacientes com coronavírus), Marrocos, Argélia e Tunísia.

Existe cloroquina suficiente disponível?

Como o interesse por esses medicamentos cresceu como um tratamento potencial para o Covid-19, muitos países tiveram alta demanda e escassez.
A cloroquina e seus derivados estão amplamente disponíveis em farmácias, principalmente nos países em desenvolvimento, para o tratamento da malária.
Isso ocorre apesar da eficácia declinante contra a malária, pois a doença se tornou cada vez mais resistente.
A Jordânia proibiu a venda de hidroxicloroquina em farmácias para evitar estocagem. Da mesma forma, o Ministério da Saúde do Kuwait decidiu retirar todos os medicamentos contendo os medicamentos de farmácias particulares e limitá-los a hospitais e centros de saúde.
O Quênia proibiu as vendas sem receita de cloroquina, por isso agora só está disponível mediante receita médica.
A Índia é um grande produtor desses medicamentos antimaláricos e, a certa altura, impôs uma proibição de exportação.

O uso não regulamentado pode ser inseguro

Na Nigéria, as famílias ainda usam regularmente comprimidos contendo cloroquina no tratamento da malária, apesar de ter sido proibido em 2005 para uso de primeira linha devido à sua eficácia em declínio.
As notícias de um estudo de fevereiro na China sobre o uso de cloroquina no coronavírus já provocaram um animado debate em Lagos (capital da Nigéria), pois então as pessoas começaram a estocar.
Após a referência de Trump a ela como tratamento contra o coronavírus, isso aumentou e as lojas e os produtos químicos venderam a droga muito rapidamente.
Mas os Centros Nigerianos de Controle de Doenças disseram às pessoas para parar de tomá-lo. "A OMS NÃO aprovou o uso de cloroquina para o gerenciamento da #COVID19."
Bala Mohammed, governador do estado de Bauchi, recomendou que as pessoas usassem cloroquina e azitromicina, depois de tomá-los.
Autoridades do estado de Lagos disseram que várias pessoas foram envenenadas por overdose de cloroquina.

ARTIGO DA BBC: Original AQUI

Fazendo uma rápida pesquisa sobre atualizações de instituições médicas respeitáveis sobre o emprego de antimaláricos para Covid-19:  



Uma atualização do Centro de Medicina Baseada em Evidências, da Universidade de Oxford, tem em sua publicação o seguinte resumo em 14/04/2020:

VEREDITO:
Os dados atuais não suportam o uso de hidroxicloroquina para profilaxia ou tratamento de COVID-19. Não há estudos publicados de profilaxia. Dois ensaios de tratamento com hidroxicloroquina que são de domínio público, um não revisado por pares, são análises prematuras de ensaios cuja conduta em ambos os casos divergiu dos protocolos de esqueleto publicados nos locais de ensaios clínicos. Nem eles, nem três outros ensaios negativos que surgiram desde então, apóiam a visão de que a hidroxicloroquina é eficaz no tratamento de doenças leves da COVID-19.



Uma atualização do BML (British Medical Journal em 14/05/2020), sobre o uso para casos leves a moderaos, temcomo sumário o seguinte:
Conclusão e implicações políticas
Os resultados de nosso estudo não mostraram benefícios adicionais da eliminação do vírus da adição de hidroxicloroquina ao padrão atual de tratamento em pacientes com covid-19 leve a moderada, persistente, principalmente. Eventos adversos, particularmente eventos gastrointestinais, foram relatados com mais frequência em pacientes que receberam hidroxicloroquina, aos quais foi administrada uma dose inicial de 1200 mg por dia durante três dias, seguida por uma dose de manutenção de 800 mg por dia nos dias restantes, durante um período total de tratamento de duas semanas em pacientes com doença leve a moderada e três semanas naqueles com doença grave. No geral, esses dados não suportam a adição de hidroxicloroquina ao padrão atual de atendimento em pacientes com covid-19 persistente leve a moderado para eliminar o vírus. Nosso estudo pode fornecer evidências iniciais do perfil benefício-risco da hidroxicloroquina e servir como um recurso para apoiar pesquisas adicionais.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Final de uma fase obscurantista: o fim das calorias (como referência para nutrição)




Em plena pandemia vale a pena nos mantermos informados. Esse longo artigo trata de um tema recorrente no meio das pessoas preocupadas com cuidados alimentares e em busca de uma melhor compreensão da epidemia de obesidade e doenças metabólicas, (o que por sinal é um grave fator de risco para o enfrentamento do coronavírus). Pensar nos alimentos como um amontoado de elementos químicos básicos ou meros números de energia disponibilizados pode ser um método profundamente inapropriado para se propor uma nutrição saudável. Obviamente jamais seria uma forma natural de abordar os alimentos no mundo real, em ambientes originais, onde não existem rótulos. Um indíviduo com capacidade crítica (algo inacreditalvemente escasso nos tempos atuais) logo iria perceber que por dezenas de milhares de anos seres humanos sem qualquer dica informativa comeu "comida de verdade" e nos trouxeram até os tempos modernos. Não existiam "produtos alimentícios". Apenas coisas para comer.  A apropriação do que devemos ingerir, especialmente após a segunda grande guerra, pelo maquinário industrial obscureceu bastante o olhar das pessoas para aquilo que comem. Hablitou comparações insólitas como um pacote de salgadinhos x um ovo cozido. Um produto superprocessado, e ostensivamente artificial é comparável ao "arcaico" ovo pois embalagens que envolvem ambos os tornam comparáveis pelas tabelas de nutrientes e quantidade de calorias. Indivíduos miopilizados podem enxergar apenas essas tabelas e não perceberem o essencial do que estão comendo. Especialmente se estiverem na correria de um cotidiano estressante nos meios urbanos, onde a organização do tempo não contabilizou um horário razoável para comermos.
Coisas vitais foram deixadas em segundo plano. Mas isso ficou viável pois um poderoso sistema de produção ancorado por persuasivos meios de marketing fazem um indivíduo comer extravagâncias modernas como um  hamburguer "beyond meat" ou barras de cereais adocicadas com a mesma fé em sua naturalidade como se estivesse na casa de sua avó comendo um refogado de legumes com uma bisteca de porco e salada de almeirão. Esse artigo, publicado no THE ECONOMIST sobre o fim das calorias, diz respeito ao projeto de deixarmos de usar o conceito de calorias como parâmetro de qualidade nutricional, para nos voltarmos ao conceito de qualidade implícita dos alimentos. Para voltarmos a pensar em comida de verdade. Para olharmos para coisas óbvias e enxergarmos a naturalidade da alimentação. Algo simples que nos foi roubado porque somos tentados a dar ouvidos às palavras que pareçam fazer sentido. Um sentido que costuma ser simpático ao que apreciamos ser tomado como verdadeiro. Se são fosse assim ninguém nunca cairia no conto do vigário. Mas, como sabemos, uma parcela expresssiva cai. E outra parcela conta com isso.

(The Economist, é uma publicação inglesa, sediada em  Londres, que tem circulação desde 1843, e tem como lema: Publicado desde setembro de 1843 para participar de "uma severa disputa entre a inteligência, que compele para frente, e uma ignorância indigna e tímida que obstrui nosso progresso".)
    
A MORTE DA CALORIA

Por mais de um século, contamos as calorias para nos dizer o que nos fará engordar. Peter Wilson diz que é hora de enterrar a medição mais enganosa do mundo

A primeira vez que Salvador Camacho pensou que ia morrer, estava sentado no sedan Chrysler de seu pai com um amigo ouvindo música. O estudante de engenharia de 22 anos estava estacionado perto de sua casa, na cidade mexicana de Toluca, e, à luz do entardecer, não notou a aproximação de dois homens tatuados. O hit de Tori Amos, "Bliss", tinha acabado de começar a tocar quando os membros da gangue apontaram armas para os jovens.
Assim começou uma provação de 24 horas. Com força de vontade e solidez, Camacho foi apontado como o mais teimoso do par. Ele foi vendado e espancado. Um ladrão finalmente o jogou no chão, enfiou uma arma na nuca e disse que era hora de morrer. Desmaiou, acordando em um campo com as mãos amarradas atrás das costas, quase nu.
Camacho sobreviveu, mas traumatizado, afundou em depressão. Logo ele estava bebendo muito e comendo compulsivamente. Seu peso aumentou de 70kg para 103kg.
Isso levou à sua segunda experiência de quase morte, oito anos depois, em 2007. Ele se lembra de acordar e piscar com luzes brilhantes: estava sendo levado de maca para uma enfermaria de emergência do hospital, com um ataque de arritmia grave (ou coração com frequência irregular). "Um cardiologista me disse que, se eu não perdesse peso e controlasse minha saúde, estaria morto em cinco anos", diz ele.
Essa segunda crise forçou Camacho tardiamente a lidar com o trauma da primeira. Para ajudar no que ele entende agora como transtorno de estresse pós-traumático, ele começou com psicoterapia e a tomar medicamentos antidepressivos e para ansiedade. Para abordar sua saúde física, ele tentou perder peso. Esse esforço o levou ao centro de um dos debates científicos mais difíceis da nossa época: as guerras calóricas, um feroz desacordo sobre dieta e controle de peso.
Hoje, mais de uma década após o severo aviso de seu cardiologista, Camacho vive na cidade suíça de Basileia. Ele está relaxado e confiante, exceto quando dois tópicos aparecem. Quando ele relembra seu sequestro, seu olhar cai, seu sorriso desaparece e ele fica visivelmente mais quieto, embora ele diga que seus ataques de pânico praticamente desapareceram. O outro tópico delicado é o controle de peso, que o faz sacudir a cabeça com raiva pelo que ele e milhões de outras pessoas que passaram por dietas passaram. "É simplesmente ridículo", diz ele, exasperado e com um toque sarcástico. "As pessoas estão vivendo com verdadeira dor e culpa e tudo o que recebem são conselhos confusos ou completamente errados".
A orientação que os médicos de Camacho lhe deram, juntamente com uma série de nutricionistas e sua própria pesquisa on-line, foi unânime. Seria familiar para os milhões de pessoas que já tentaram fazer dieta. "Todo mundo diz a você que, para perder peso, você precisa comer menos e se movimentar mais", diz ele, "e a maneira de fazer isso é contar suas calorias".
No seu peso mais elevado, o índice de massa corporal (IMC) de Camacho - a proporção entre sua altura e seu peso - atingiu 35,6, bem acima da marca de 30 que os médicos definem como clinicamente obesos. A maioria das diretrizes do governo indicava que, como homem, ele precisava de 2.500 calorias por dia para manter seu peso (a meta para as mulheres é de 2.000). Os nutricionistas disseram a Camacho que se ele comesse menos de 2.000 calorias por dia, um "déficit" semanal de 3.500 significaria que ele perderia 0,5 kg por semana.
Com um trabalho de secretário como engenheiro de planejamento em um hospital mexicano, ele sabia que seria necessária uma drástica disciplina para reformar seu corpo gordinho. Mas, como seus sequestradores perceberam rapidamente, ele é um personagem invulgarmente determinado. Ele começou a acordar todos os dias antes do amanhecer para correr 10 km. Ele também começou a contabilizar cada pedaço de comida que consumia.
“Preenchi planilhas do Excel todas as noites, todas as semanas e todos os meses, listando tudo o que comia. Tornou-se uma verdadeira obsessão para mim”, diz Camacho. Foram descartados o Burger King Whoppers, tacos fritos recheados com carne de porco e queijo e tortilhas (sanduíches mexicanos recheados com carne, feijão frito, abacate e pimentão). Também largou o habitual consumo de cerveja e vinho. Entraram em cena cuidadosamente os sanduíches de queijo e peru com baixo teor de gordura, saladas, suco de pêssego em lata, Gatorade e Coca-Cola Zero, com três barras de Special-K diet hipocalóricas por dia.
"Eu estava sempre cansado e com fome e ficaria muito mal-humorado e distraído", diz ele. "Eu estava pensando em comida o tempo todo." Foi-lhe dito constantemente que, se acertasse as contas - consumindo menos calorias do que queimava todos os dias - os resultados logo apareceriam. "Realmente fiz tudo o que você deveria fazer", ele insiste com o tom de um estudante que completou sua lição de casa mas ainda falhou num exame final. Ele comprou uma bateria de dispositivos de monitoramento de exercícios para medir quantas calorias gastava nas corridas. “Disseram-me para me exercitar por pelo menos 45 minutos, pelo menos quatro ou cinco vezes por semana. Na verdade, eu corria por mais de uma hora todos os dias. Ele manteve alimentos com pouca gordura e baixas calorias por três anos. Simplesmente não funcionou. A certa altura, ele perdeu cerca de 10 kg, mas seu peso voltou a aumentar, apesar de ainda restringir suas calorias.
Pessoas sob dietas em todo o mundo estarão familiarizados com as frustrações de Camacho. A maioria dos estudos mostra que mais de 80% das pessoas recuperam qualquer peso perdido a longo prazo. E como ele, quando falhamos, a maioria das pessoas assume que somos preguiçosos ou gulosos demais - que somos culpados.
Como regra geral, é verdade que se você ingerir muito menos calorias do que queima, ficará mais magro (e se consumir muito mais, ficará mais gordo). Mas as inúmeras dietas da moda nos açoitam a cada ano, desmentem a simplicidade da fórmula que Camacho recebeu. A caloria como medida científica não está em questão. Mas calcular o conteúdo calorífico exato dos alimentos é muito mais difícil do que sugerem os números (supostamente) precisos e confiáveis ​​exibidos nos pacotes de alimentos. Dois itens alimentares com idênticos valores em calorias podem ser digeridos de maneiras muito diferentes. Cada corpo processa as calorias de maneira diferente. Mesmo para um único indivíduo, a hora do dia em que você come é importante. Quanto mais investigamos, mais percebemos que calcular calorias fará pouco para nos ajudar a controlar nosso peso ou até manter uma dieta saudável: a simplicidade sedutora de contar calorias que entram e calorias que saem é perigosamente falha.
A caloria é onipresente na vida diária. É o primeiro ítem no rótulo de informações nutricionais da maioria dos alimentos e bebidas embalados. Cada vez mais restaurantes listam o número de calorias de cada prato em seus menus. Contar as calorias que gastamos tornou-se o mesmo padrão. Equipamentos de ginástica, aparelhos de ginástica em volta dos pulsos e até nossos telefones nos dizem quantas calorias supostamente queimamos em uma única sessão de exercícios ou ao longo de um dia.
Nem sempre foi assim. Durante séculos, os cientistas assumiram que era o volume da comida consumida que era significativa. No final do século XVI, um médico italiano chamado Santorio Sanctorius inventou uma "cadeira de pesagem", pendurada em uma balança gigante, na qual ele se sentava em intervalos regulares para se pesar, e também pesava tudo o que comia e bebia, e todas as fezes e urina que produzia. Apesar de 30 anos do compulsivo uso dessa cadeira suspensa, Sanctorius respondeu poucas de suas próprias perguntas sobre o impacto que todo seu consumo teve sobre seu corpo.
Somente mais tarde o foco mudou para a energia que os diferentes alimentos continham. No século XVIII, Antoine Lavoisier, um aristocrata francês, descobriu que queimar uma vela exigia um determinado gás do ar - que ele denominou oxigênio - para alimentar a chama e liberar calor e outros gases. Ele aplicou o mesmo princípio à comida, concluindo que ela alimenta o corpo como um fogo que queima lentamente. Ele construiu um calorímetro, um dispositivo grande o suficiente para segurar uma cobaia, e mediu o calor que a criatura gerava para estimar quanta energia estava produzindo. Infelizmente, a revolução francesa - especificamente a guilhotina - interrompeu seu raciocínio sobre o assunto. Mas ele deu início a alguma coisa. Outros cientistas posteriormente construíram "calorímetros de bomba" nos quais queimavam alimentos para medir o calor - e, portanto, a energia potencial - liberada a partir dele.
A caloria - que vem de "calor", do latim - foi originalmente usada para medir a eficiência dos motores a vapor: uma caloria é a energia necessária para aquecer 1 kg de água em um grau Celsius. Somente na década de 1860, os cientistas alemães começaram a usá-lo para calcular a energia dos alimentos. Foi um químico agrícola americano, Wilbur Atwater, que popularizou a idéia de que poderia ser usado para medir tanto a energia contida nos alimentos quanto a energia que o corpo gastava em coisas como trabalho muscular, reparo de tecidos e nutrição dos órgãos. Em 1887, após uma viagem à Alemanha, ele escreveu uma série de artigos muito populares na Century, uma revista americana, sugerindo que "a comida é para o corpo o que é um combustível para o fogo". Ele apresentou ao público a noção de "macronutrientes" - carboidratos, proteínas e gorduras - assim denominada porque o corpo precisa de muitos deles.
Hoje, muitos de nós desejam monitorar nosso consumo de calorias para perder ou manter nosso peso. Atwater, filho de um ministro metodista, foi motivado pela preocupação oposta: em um momento em que a desnutrição era generalizada, ele procurou ajudar as pessoas pobres a encontrar os itens mais econômicos para se nutrirem.
Para ver quanta energia diferentes macronutrientes forneciam ao corpo, ele forneceu amostras de uma dieta americana "média" daquela época - que ele acreditava ser pesada em biscoitos de melaço, farelo de cevada e moela de galinha - a um grupo de estudantes do sexo masculino em um porão na Wesleyan University, em Middletown, Connecticut. Por até 12 dias por vez, um voluntário come, dorme e levanta pesos enquanto é confinado dentro de uma câmara de um metro e oitenta de altura, medindo um metro e meio de largura por dois metros de profundidade. A energia em cada refeição foi calculada queimando alimentos idênticos em um calorímetro de bomba.
As paredes estavam cheias de água e as mudanças de temperatura permitiram que Atwater calculasse quanta energia os corpos dos alunos estavam gerando. Sua equipe coletou as fezes dos alunos e as queimou também, para ver quanta energia havia sido mantida no corpo no processo de digestão.




Isso foi pioneiro na década de 1890. Atwater finalmente concluiu que um grama de carboidrato ou proteína disponibilizava em média quatro calorias de energia para o corpo, e um grama de gordura oferecia uma média de 8,9 calorias, número que posteriormente se arredondou para nove calorias por conveniência. Agora sabemos muito mais sobre o funcionamento do corpo humano: Atwater estava certo que parte da energia potencial de uma refeição era excretada, mas não fazia ideia de que parte dela também era usada para digerir a própria refeição e que o corpo gasta quantidades diferentes de energia dependendo da comida. No entanto, mais de um século depois de queimar as fezes dos estudantes wesleyanos, os números calculados pela Atwater para cada macronutriente permanecem o padrão para medir as calorias de qualquer alimento. Essas experiências foram a base da aritmética calorífica diária de Salvador Camacho.
Atwater transformou a maneira como o público pensava sobre comida, com sua simples crença de que "uma caloria é uma caloria". Ele aconselhou os pobres a não comerem muitos vegetais de folhas verdes porque não eram suficientemente densos em energia. Segundo ele, não fazia diferença se as calorias vinham de chocolate ou espinafre: se o corpo absorvesse mais energia do que consumia, armazenaria o excesso como gordura corporal, fazendo com que você engordasse.
Essa ideia capturou a imaginação do público. Em 1918, o primeiro livro foi publicado nos Estados Unidos com base na noção de que uma dieta saudável não era mais complicada do que a simples adição e subtração de calorias. "Você pode comer exatamente o que gosta - doces, torta, bolo, carne gorda, manteiga, creme, mas conte suas calorias!" escreveu Lulu Hunt Peters em "Diet and Health". "Agora que você sabe que pode ter as coisas de que gosta, continue criando seus menus com muito pouco de cada um deles." O livro vendeu milhões.
Na década de 1930, a caloria havia se enraizado na mente do público e nas políticas do governo. Seu foco exclusivo no conteúdo energético dos alimentos, em vez do conteúdo vitamínico, por exemplo, se estabeleceu praticamente sem contestação. O aumento da renda e a maior participação feminina na força de trabalho acabou fazendo com que, na década de 1960, as pessoas estivessem comendo mais fora de casa ou comprando alimentos preparados, de modo que queriam mais informações sobre o que estavam consumindo. A informação nutricional sobre os alimentos era generalizada, mas aleatória; muitos itens fizeram alegações estranhas sobre seus benefícios à saúde. A rotulagem tornou-se padronizada e obrigatória nos Estados Unidos apenas em 1990.
A ênfase e o uso dessas informações também mudaram. No final dos anos 1960, a obesidade estava se tornando uma preocupação premente de saúde, à medida que as pessoas se tornavam mais sedentárias e começaram a comer alimentos altamente processados ​​e com muito açúcar. À medida que o número de pessoas que precisavam perder peso aumentou, a mudança de dieta tornou-se o foco da atenção.
Assim começou a guerra contra a gordura, na qual os cálculos de calorias de Atwater seriam um aliado involuntário. Como a contagem de calorias era vista como um árbitro objetivo das qualidades de saúde de um alimento, parecia lógico que a parte mais carregada de calorias de qualquer item alimentar - a gordura - deve ser ruim para você. Por essa medida, pratos com poucas calorias, mas ricos em açúcar e carboidratos, pareciam mais saudáveis. As pessoas estavam cada vez mais dispostas a culpar a gordura por muitos dos problemas de saúde da vida moderna, ajudados pelo lobby do açúcar: em 2016, um pesquisador da Universidade da Califórnia descobriu documentos de 1967 mostrando que as empresas de açúcar financiavam secretamente estudos na Universidade de Harvard, projetados para culpar a gordura pela crescente epidemia de obesidade. O fato de a "gordura" da dieta encontrada no azeite, bacon e manteiga ter a marca da mesma palavra da matéria indesejada ao redor das nossas barrigas tornou ainda mais fácil sua demonização.
Um relatório do comitê do Senado dos EUA em 1977 recomendou uma dieta com baixo teor de gordura e baixo colesterol para todos, e outros governos seguiram o exemplo. A indústria de alimentos reagiu com entusiasmo, removendo a gordura, o mais denso em calorias dos macronutrientes, dos itens alimentares e substituindo-o por açúcar, amido e sal. Como um bônus, os milhares de novos produtos baratos e saborosos, de baixa caloria e baixo teor de gordura, que Camacho costumava utilizar em sua dieta, tendem a ter vida útil prolongada e margens de lucro mais altas.
Mas isso não levou às melhorias esperadas na saúde pública. Em vez disso, coincidiu quase exatamente com o aumento mais dramático da obesidade na história da humanidade. Entre 1975 e 2016, a obesidade quase triplicou em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde ( OMS ): quase 40% dos maiores de 18 anos - cerca de 1,9 bilhão de adultos - estão agora acima do peso. Isso contribuiu para um rápido aumento de doenças cardiovasculares (principalmente doenças cardíacas e derrames), que se tornaram a principal causa de morte no mundo. As taxas de diabetes tipo 2, que geralmente estão ligadas ao estilo de vida e à dieta, mais que dobraram desde 1980.
Não foram apenas os países ricos que encararam essas tendências. No México, famílias urbanas de classe média, como a de Camacho, também engordaram. Quando criança, Camacho estava em forma e adorava jogar futebol. Mas, aos dez anos de idade, em 1988, ele era um dos muitos jovens mexicanos que começaram a ganhar peso à medida que o aumento do comércio com a América via doces baratos e bebidas gasosas inundando as lojas, um processo conhecido como "colonização da coca-cola" no México. "De repente, havia todos esses sabores que você nunca provou, com chocolates, doces e Dr. Pepper", lembra Camacho: "Da noite para o dia, engordou." Quando seus tios o provocaram sobre sua cintura inchada, ele cortou os doces e ficou em boa forma até o sequestro, 12 anos depois. Outros mexicanos continuaram aumentando. Em 2013, o México ultrapassou os EUA como o país mais obeso do mundo.
Para combater essa tendência, os governos em todo o mundo consagraram a contagem de calorias nas políticas. A OMS atribui a "causa fundamental" da obesidade em todo o mundo a "um desequilíbrio energético entre calorias consumidas e calorias gastas". Os governos de todo o mundo persistem em oferecer o mesmo conselho: contar e reduzir calorias. Isso se infiltrou em mais áreas da vida. Em 2018, o governo americano ordenou que cadeias alimentares e máquinas de venda automática forneçam detalhes de calorias em seus menus, para ajudar os consumidores a tomar "decisões bem informadas e saudáveis". Austrália e Grã-Bretanha estão indo em direções semelhantes. Órgãos do governo aconselham pessoas em dieta a registrar suas refeições em um diário de calorias para perder peso. Os esforços experimentais de um cientista do século XIX praticamente não mudaram - e são questionados.
Milhões de pessoas que fazem dieta desistem quando a contagem de calorias é malsucedida. Camacho era mais teimoso do que a maioria. Ele tirava fotos de suas refeições para registrar sua ingestão com mais precisão e entrava em suas planilhas de calorias pelo telefone. Ele pensou em cada pedaço que comia. E ele comprou uma proliferação de aparelhos para rastrear sua produção de calorias. Mas ele ainda não perdeu muito peso.
Um problema era que suas somas eram baseadas na ideia de que a contagem de calorias é precisa. Os produtores de alimentos fornecem leituras impressionantemente específicas: uma fatia da pizza de pepperoni dupla do Domino, favorita de Camacho, é supostamente 248 calorias (não 247 nem 249). No entanto, o número de calorias listadas nos pacotes e menus de alimentos está rotineiramente errado.
Susan Roberts, nutricionista da Universidade Tufts em Boston, descobriu que os rótulos dos alimentos embalados americanos perdem sua verdadeira contagem de calorias em uma média de 8%. As regulamentações do governo americano permitem que esses rótulos subestimam as calorias em até 20% (para garantir que os consumidores não sofram pequenas alterações em termos de quantidade de nutrição que recebem). As informações sobre alguns alimentos congelados processados ​​distorcem seu conteúdo calorífico em até 70%.
Esse não é o único problema. A contagem de calorias baseia-se na quantidade de calor que um alimento emite quando queima no forno. Mas o corpo humano é muito mais complexo que um forno. Quando os alimentos são queimados em laboratório, eles perdem suas calorias em segundos. Por outro lado, a jornada da vida real desde o prato para o vaso sanitário leva em média cerca de um dia, mas pode variar de oito a 80 horas, dependendo da pessoa. Uma caloria de carboidrato e uma caloria de proteína têm a mesma quantidade de energia armazenada, portanto, elas funcionam de maneira idêntica no forno. Mas coloque essas calorias em corpos humanos reais e elas se comportam de maneira bem diferente. E ainda estamos aprendendo novas idéias: pesquisadores americanos descobriram no ano passado que, há mais de um século, exageramos em cerca de 20% o número de calorias que absorvemos das amêndoas.
O processo de armazenamento de gordura - o “peso” que muitas pessoas procuram perder - é influenciado por dezenas de outros fatores. Além das calorias, nossos genes, os trilhões de bactérias que vivem em nosso intestino, a preparação dos alimentos e o sono afetam a maneira como processamos os alimentos. As discussões acadêmicas sobre alimentação e nutrição estão repletas de referências a grandes pesquisas que ainda precisam ser conduzidas. "Nenhum outro campo da ciência ou da medicina encara essa falta de estudos rigorosos", diz Tim Spector, professor de epidemiologia genética no Kings College, em Londres. "Podemos criar DNA sintético e clonar animais, mas ainda sabemos incrivelmente pouco sobre as coisas que nos mantêm vivos."
O que sabemos, no entanto, sugere que contar calorias é muito rústico e muitas vezes enganoso. Pense em um hambúrguer, o tipo de comida que Camacho evitou durante seus primeiros esforços para perder peso. Dê uma mordida e a saliva na boca começa a digestão, um processo que continua quando você engole, transportando a porção em direção ao estômago e ao intestino para sua degradação. O processo digestivo transforma as proteínas, carboidratos e gorduras do hambúrguer em seus compostos básicos, para que sejam pequenos o suficiente para serem absorvidos pela corrente sanguínea através do intestino delgado, para abastecer e reparar os trilhões de células do corpo. Mas as moléculas básicas de cada macronutriente desempenham papéis muito diferentes dentro do corpo.
Todos os carboidratos se decompõem em açúcares, que são a principal fonte de combustível do corpo. Mas a velocidade com que seu corpo obtém seu combustível dos alimentos pode ser tão importante quanto a quantidade de combustível. Os carboidratos simples são rapidamente absorvidos pela corrente sanguínea, fornecendo uma injeção rápida de energia: o corpo absorve o açúcar de uma lata de refrigerante a uma taxa de 30 calorias por minuto, em comparação com duas calorias por minuto de carboidratos complexos, como batatas ou arroz . Isso importa, porque um repentino golpe de açúcar leva à rápida liberação de insulina, um hormônio que leva o açúcar para fora da corrente sanguínea e para as células do corpo. Os problemas surgem quando há muito açúcar no sangue. O fígado pode armazenar parte do excesso, mas tudo o que resta é armazenado como gordura. Portanto, consumir grandes quantidades de açúcar é a maneira mais rápida de criar gordura corporal. E, uma vez que a insulina tenha realizado seu trabalho, os níveis de açúcar no sangue caem, o que tende a deixar você com fome e também mais gordo.

Engordar é uma consequência da civilização. Nossos ancestrais teriam desfrutado de uma forte quantidade de açúcar talvez quatro vezes por ano, quando uma nova estação produzisse frutas frescas. Muitos agora desfrutam desse tipo de pico de açúcar todos os dias. A pessoa média no mundo desenvolvido consome 20 vezes mais açúcar do que as pessoas, mesmo durante o tempo de Atwater.
Mas é uma história diferente quando você come carboidratos complexos, como alguns cereais. Como são cadeias de carboidratos simples, eles também se transformam em açúcar, mas, como isso é feito um pouco mais lentamente, os níveis de açúcar no sangue permanecem um pouco mais estáveis. Os sucos de frutas que Camacho foi incentivado a beber continham menos calorias do que um de seus pães integrais, mas o pão produziria um pouco menos de glicose e o deixaria saciado por um período um pouco mais longo. (Isso pode ter um valor discreto ou mesmo irrelevante se a dieta for prioritariamente desse tipo de alimento, NT)
Outros macronutrientes têm funções diferentes. A proteína, o componente dominante da carne, peixe e produtos lácteos, atua como o principal componente dos ossos, pele, cabelo e outros tecidos do corpo. Na ausência de quantidades suficientes de carboidratos, também pode servir como combustível para o corpo. Mas como é decomposto mais lentamente que os carboidratos, é menos provável que a proteína seja convertida em gordura corporal.
A gordura é outra questão novamente. Ela deve deixá-lo mais pleno por mais tempo, porque seu corpo a divide em pequenos ácidos graxos mais lentamente do que processa os carboidratos ou as proteínas. Todos precisamos de gordura para produzir hormônios e proteger nossos nervos (assim como o revestimento plástico que protege um fio elétrico). Ao longo de milênios, a gordura também tem sido uma maneira crucial de os seres humanos armazenarem energia, permitindo-nos sobreviver a períodos de fome. Hoje em dia, mesmo sem o risco de morrer de fome, nossos corpos são programados para armazenar excesso de combustível no caso de ficarmos sem comida. Não é de admirar que uma única medida - o conteúdo energético - não consiga capturar essa complexidade.
Nossa fixação em contar calorias pressupõe que todas as calorias são iguais e que todos os corpos respondem às calorias de maneira idêntica: Camacho foi informado de que, como homem, ele precisava de 2.500 calorias por dia para manter seu peso. No entanto, um crescente corpo de pesquisa mostra que, quando pessoas diferentes consomem a mesma refeição, o impacto nos níveis de glicose no sangue e na formação de gordura de cada pessoa varia de acordo com seus genes, estilos de vida e uma mistura única de bactérias intestinais.
Pesquisas publicadas em 2019 mostraram que um certo conjunto de genes é encontrado com mais frequência em pessoas com sobrepeso do que em magras, sugerindo que algumas pessoas precisam trabalhar mais que outras para permanecer magras (fato que muitos de nós já percebemos intuitivamente como verdade). As diferenças nos microbiomas intestinais podem alterar a maneira como as pessoas processam os alimentos. Um estudo com 800 israelenses em 2015 descobriu que o aumento nos níveis de glicose no sangue variava em um fator de quatro em resposta a alimentos idênticos.
Os intestinos de algumas pessoas são 50% mais longos do que outros: aqueles com os mais curtos absorvem menos calorias, o que significa que liberam mais energia dos alimentos, ganhando menos peso.
A resposta do seu próprio corpo também pode mudar dependendo de quando você come. Perca peso e seu corpo tentará recuperá-lo, diminuindo seu metabolismo e até reduzindo a energia que você gasta em atividade e contração muscular. Até seus horários de comer e dormir podem ser importantes. Ficar sem dormir uma noite inteira pode estimular seu corpo a criar mais tecido adiposo, o que lança uma luz sombria sobre os anos de esforço de despertar cedo pelo CamachoVocê pode ganhar mais peso comendo pequenas quantidades ao longo de 12 a 15 horas do que comer a mesma comida em três refeições distintas por um período mais curto.
Há uma fragilidade adicional no sistema de contagem de calorias: a quantidade de energia que absorvemos dos alimentos depende de como os preparamos. Cortar e triturar alimentos faz parte do trabalho da digestão, disponibilizando mais calorias ao seu corpo, destruindo as paredes celulares antes de você comê-lo. Esse efeito é ampliado quando você adiciona calor: o cozimento aumenta a proporção de alimentos digeridos no estômago e no intestino delgado, de 50% para 95%. As calorias digeríveis na carne bovina aumentam em 15% na culinária e na batata-doce em cerca de 40% (a mudança exata depende se é cozida, assada ou no microondas). Esse impacto é tão significativo que Richard Wrangham, primatologista da Universidade de Harvard, considera que cozinhar foi necessário para a evolução humana. Permitiu a expansão neurológica que criou o Homo sapiens: alimentar o cérebro consome cerca de um quinto da energia metabólica de uma pessoa todos os dias (cozinhar também significa que não precisamos passar o dia todo mastigando, ao contrário dos chimpanzés).
A dificuldade de fazer as contas com precisão não pára por aí. A carga calórica de itens ricos em carboidratos, como arroz, macarrão, pão e batatas, pode ser reduzida simplesmente cozinhando, esfriando e (re)aquecendo-os. À medida que as moléculas de amido esfriam, elas formam novas estruturas mais difíceis de digerir. Você absorve menos calorias comendo torradas que sobraram e ficaram frias, ou sobras de espaguete, do que dos mesmos alimentos recém feitos. Cientistas no Sri Lanka descobriram em 2015 que poderiam reduzir em mais da metade das calorias potencialmente absorvidas pelo arroz adicionando óleo de coco durante o cozimento e depois resfriando esse arroz. Isso fez com que o amido fosse menos digerível, fazendo o corpo consumir menos calorias (eles ainda precisam testar em seres humanos os efeitos precisos do arroz cozido dessa maneira). Isso é uma coisa prejudicial se você estiver desnutrido, mas um benefício se você estiver tentando perder peso (chamamos isso de Amido Resistente, NT)
Diferentes partes de um vegetal ou de uma fruta também podem ser absorvidas de maneira diferente: folhas mais velhas são mais resistentes, por exemplo. O interior amiláceo dos grãos de milho doce é facilmente digerido, mas a casca de celulose é impossível de quebrar e passa pelo corpo intocada. Basta pensar naquele momento em que você olha para o vaso sanitário depois de comer milho doce.
Tal como acontece com muitos dieters, os esforços de Camacho para rastrear com precisão suas calorias "in" estavam condenados. Mas também foram suas tentativas de rastrear suas calorias "gastas". A mensagem de muitas autoridades públicas e produtores de alimentos, especialmente empresas de fast food que patrocinam eventos esportivos, é que mesmo os alimentos não saudáveis ​​não o engordariam se você cumprir sua parte fazendo bastante exercício. É claro que o exercício tem benefícios claros para a saúde. Mas, a menos que você seja um atleta profissional, ele desempenha um papel muito menor no controle de peso do que a maioria das pessoas acredita. Até 75% do gasto diário de energia de uma pessoa média não ocorre através de exercícios, mas das atividades diárias comuns e de manter o corpo funcionando, digerindo alimentos, nutrinndo seus órgãos e mantendo uma temperatura corporal normal. Mesmo beber água gelada - que não fornece energia - força o corpo a queimar calorias para manter sua temperatura estável, tornando-a o único caso conhecido de consumir algo com calorias "negativas". Uma expressão popular em inglês nos diz para não “comparar maçãs e laranjas” e assumir que são as mesmas: ainda assim, as calorias colocam pizzas e laranjas, ou maçãs e sorvete, na mesma escala e as consideram iguais.
Após três anos de contagem de calorias, Camacho mudou de rumo. Enquanto se recuperava da maratona de 2010 em San Diego, ele começou o treinamento Crossfit, um regime de exercícios que inclui treinamento de alta intensidade e levantamento de peso. Lá ele conheceu pessoas que estavam usando um método muito diferente para controlar seu peso. Como ele, elas se exercitavam regularmente. Mas, em vez de limitar suas calorias, elas comiam alimentos naturais, o que Camacho chama de "coisas de uma origem real, não das indústrias".
Farto de se sentir um fracasso faminto, ele decidiu tentar. Ele abandonou seus produtos de baixa caloria altamente processados ​​e concentrou-se na qualidade da comida e não na quantidade. Ele parou de se sentir voraz o tempo todo. “Parece simples, mas eu decidi ouvir meu corpo e comer sempre que estava com fome, mas apenas quando estava com fome, e comer comida de verdade, não "produtos alimentares”, diz ele. Ele voltou aos itens que há muito se proibia de comer. Ele comeu sua primeira fatia de bacon em três anos e desfrutou de queijo, leite integral e bifes.
Ele imediatamente sentiu menos fome e mais feliz. Mais surpreendente, ele rapidamente começou a perder sua gordura extra. "Eu estava dormindo muito melhor e, em alguns meses, parei a medicação para depressão e ansiedade", diz ele. “Passei de estar sempre me sentindo culpado, com raiva e com medo, para me controlar e realmente orgulhoso do meu próprio corpo. De repente, eu poderia gostar de comer e beber novamente.
O peso diminuiu e, em 2012, ele se mudou para Heidelberg, na Alemanha, um mundo longe das ruas agitadas do México, para estudar um mestrado em saúde pública. "A idéia me ocorreu de que eu poderia combinar minha própria experiência com o trabalho acadêmico para tentar ajudar outras pessoas a superar essas várias barreiras que eu havia encontrado". Depois de seu mestrado, ele iniciou um doutorado em como combater a obesidade no México.
Hoje ele é casado com uma estudiosa alemã, Erica Gunther, que estudou sistemas alimentares em todo o mundo. Sua dieta inclui coisas que ele costumava evitar, como gemas de ovos, azeite e nozes. Dois dias por semana, o casal se alimenta de refeições vegetarianas, mas ele devora bife, rins, fígado e alguns de seus pratos mexicanos favoritos - barbacoa (carneiro), carnitas (porco) e tacos com carne grelhada.
Sua esposa gosta de fazer um doce tradicional mexicano chamado pan de muerto (pão da morte). "Antes eu teria corrido mais duas horas para compensar a ingestão, mas agora não me importo, apenas me certifico de que é um prazer, não uma coisa cotidiana." Depois de passar anos tentando renunciar ao álcool, toma um ou dois copos de vinho várias vezes por semana e vai tomar uma cerveja com os amigos de sua academia.
Suando em três ou quatro treinos por semana, ele é tão musculoso quanto um jogador profissional de rugby. Com 80 kg estáveis, ele tem muito pouca gordura corporal, embora ainda seja considerado com sobrepeso pelas tabelas de índice de massa corporal, que classificam muitos atletas profissionais como muito pesados. A única recaída de ansiedade que ele sofre hoje em dia acontece quando ele ouve Tori Amos cantando "Bliss" - a música que tocva quando ele foi sequestrado - que ele diz "é uma pena, porque é uma ótima música".
Hoje Camacho pode ser descrito como um dissidente das calorias, um dentro do pequeno número, mas crescente, de acadêmicos e cientistas que dizem que a persistência da contagem de calorias orquestra a epidemia de obesidade, em vez de remediá-la. A contagem de calorias interrompeu nossa capacidade de ingerir a quantidade certa de alimentos, diz ele, e nos levou a más escolhas. Em 2017, ele escreveu um artigo acadêmico que foi um dos ataques mais selvagens ao sistema calórico publicado em uma revista revisada por pares. "Estou realmente envergonhado com o que costumava acreditar", diz ele. "Eu estava fazendo todo o possível para seguir o conselho oficial, mas estava totalmente errado e me sinto estúpido por nunca sequer tê-lo questionado."
Dada a vasta evidência de que a contagem de calorias é imprecisa, na melhor das hipóteses, e contribui para o aumento da obesidade, na pior das hipóteses, por que persistir?
A simplicidade da contagem de calorias explica seu apelo. Métricas que informam aos consumidores até que ponto os alimentos foram processados ​​ou se eles suprimirão a fome são mais difíceis de entender. Confrontado com o o poder da ideia das calorias, nenhuma ganhou ampla aceitação.
O estabelecimento científico e de saúde sabe que o sistema atual é defeituoso. Um consultor sênior da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação alertou em 2002 que os "fatores 4-4-9" de Atwater, o coração do sistema de contagem de calorias eram "uma simplificação grosseira" e tão imprecisos que poderiam enganar os consumidores para levá-los a escolher produtos não saudáveis ​​porque subestimam as calorias de alguns carboidratos. A organização disse que daria "mais consideração" à revisão do sistema, mas 17 anos depois, há pouco impulso para mudanças. Ele até rejeitou a idéia de harmonizar os vários métodos usados ​​em diferentes países - um rótulo na Austrália pode dar uma contagem diferente de um nos EAU para o mesmo produto.
Os funcionários da OMS também reconhecem os problemas do sistema atual, mas dizem que ele está tão arraigado no comportamento do consumidor, nas políticas públicas e nos padrões da indústria que seria muito caro e perturbador fazer grandes mudanças. Os experimentos que Atwater realizou há um século atrás, sem calculadoras ou computadores, nunca foram repetidos, embora nossa compreensão de como nosso corpo funcione seja muito melhor. Há pouco financiamento ou entusiasmo por esse trabalho. Como diz Susan Roberts, da Universidade Tufts, coletar e analisar fezes "é o pior trabalho de pesquisa do mundo".
O sistema de calorias, diz Camacho, deixa os fabricantes desses produtos alimentícios fora da âmago da questão: "Eles podem dizer: 'Não somos responsáveis ​​pelos produtos não saudáveis ​​que vendemos, apenas temos que listar as calorias e deixar que você controle seu próprio peso' .” Camacho e outros dissidentes das calorias argumentam que o açúcar e carboidratos altamente processados ​​causam estragos no sistema hormonal das pessoas. Níveis mais altos de insulina significam que mais energia é convertida em tecido adiposo, deixando menos disponibilidade para abastecer o resto do corpo. Isso, por sua vez, gera fome e excessos. Em outras palavras, a constante fome e fadiga sofrida por Camacho e outros usuários de dietas podem ser sintomas do excesso de peso, e não a causa do problema. No entanto, grande parte da indústria alimentar também defende o status quo. Mudar a forma como avaliamos os valores de energia e saúde dos alimentos prejudicaria o modelo de negócios de muitas empresas.
A única organização importante a mudar a ênfase além das calorias é aquela dedicada a ajudar seus clientes a emagrecer: Vigilantes do Peso. Em 2001, a empresa de dietas mais conhecida do mundo introduziu um sistema de pontos que deixou de se concentrar exclusivamente em calorias para também classificar os alimentos de acordo com seu teor de açúcar e gordura saturada e seu impacto no apetite. Chris Stirk, gerente geral da empresa na Grã-Bretanha, diz que a organização fez a mudança porque depender de calorias para perder peso está "desatualizado": "A ciência evolui diariamente, mensalmente, anualmente, e muito mais do que no século XIX".
Muitos de nós sabemos instintivamente que nem todas as calorias são iguais. Um pirulito e uma maçã podem conter números semelhantes de calorias, mas a maçã é claramente melhor para nós. Mas, depois de uma vida inteira ouvindo sobre as calorias e seu papel nos conselhos alimentares supostamente infalíveis, podemos ser perdoados por estarmos confusos sobre a melhor forma de comer. Está na hora de deixar isso de lado.

Autor:
PETER WILSON é um escritor freelancer baseado em Londres. Ele perdeu 13 kg em quatro meses graças ao que aprendeu pesquisando essa história.

Publicado em abril/2019
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A foto acima é do artigo original (PHOTOGRAPHS by PAUL ZAK)