
Em plena pandemia vale a pena nos mantermos informados. Esse longo artigo trata de um tema recorrente no meio das pessoas preocupadas com cuidados alimentares e em busca de uma melhor compreensão da epidemia de obesidade e doenças metabólicas, (o que por sinal é um grave fator de risco para o enfrentamento do coronavírus). Pensar nos alimentos como um amontoado de elementos químicos básicos ou meros números de energia disponibilizados pode ser um método profundamente inapropriado para se propor uma nutrição saudável. Obviamente jamais seria uma forma natural de abordar os alimentos no mundo real, em ambientes originais, onde não existem rótulos. Um indíviduo com capacidade crítica (algo inacreditalvemente escasso nos tempos atuais) logo iria perceber que por dezenas de milhares de anos seres humanos sem qualquer dica informativa comeu "comida de verdade" e nos trouxeram até os tempos modernos. Não existiam "produtos alimentícios". Apenas coisas para comer. A apropriação do que devemos ingerir, especialmente após a segunda grande guerra, pelo maquinário industrial obscureceu bastante o olhar das pessoas para aquilo que comem. Hablitou comparações insólitas como um pacote de salgadinhos x um ovo cozido. Um produto superprocessado, e ostensivamente artificial é comparável ao "arcaico" ovo pois embalagens que envolvem ambos os tornam comparáveis pelas tabelas de nutrientes e quantidade de calorias. Indivíduos miopilizados podem enxergar apenas essas tabelas e não perceberem o essencial do que estão comendo. Especialmente se estiverem na correria de um cotidiano estressante nos meios urbanos, onde a organização do tempo não contabilizou um horário razoável para comermos.
Coisas vitais foram deixadas em segundo plano. Mas isso ficou viável pois um poderoso sistema de produção ancorado por persuasivos meios de marketing fazem um indivíduo comer extravagâncias modernas como um hamburguer "
beyond meat" ou barras de cereais adocicadas com a mesma fé em sua naturalidade como se estivesse na casa de sua avó comendo um refogado de legumes com uma bisteca de porco e salada de almeirão. Esse artigo, publicado no
THE ECONOMIST sobre o fim das calorias, diz respeito ao projeto de deixarmos de usar o conceito de calorias como parâmetro de qualidade nutricional, para nos voltarmos ao conceito de qualidade implícita dos alimentos. Para voltarmos a pensar em comida de verdade.
Para olharmos para coisas óbvias e enxergarmos a naturalidade da alimentação. Algo simples que nos foi roubado porque somos tentados a dar ouvidos às palavras que pareçam fazer sentido. Um sentido que costuma ser simpático ao que apreciamos ser tomado como verdadeiro. Se são fosse assim ninguém nunca cairia no conto do vigário. Mas, como sabemos, uma parcela expresssiva cai. E outra parcela conta com isso.
(
The Economist, é uma publicação inglesa, sediada em Londres, que tem circulação desde 1843, e tem como lema:
Publicado desde setembro de 1843 para participar de "uma severa disputa entre a inteligência, que compele para frente, e uma ignorância indigna e tímida que obstrui nosso progresso".)
A MORTE DA CALORIA
Por mais de um século, contamos as calorias para nos
dizer o que nos fará engordar. Peter Wilson diz que é hora de enterrar a
medição mais enganosa do mundo
A primeira vez que Salvador Camacho pensou que ia morrer, estava sentado
no sedan Chrysler de seu pai com um amigo ouvindo música. O estudante de
engenharia de 22 anos estava estacionado perto de sua casa, na cidade mexicana
de Toluca, e, à luz do entardecer, não notou a aproximação de dois homens
tatuados. O hit de Tori Amos, "Bliss", tinha acabado de começar
a tocar quando os membros da gangue apontaram armas para os jovens.
Assim
começou uma provação de 24 horas. Com força de vontade e solidez, Camacho
foi apontado como o mais teimoso do par. Ele foi vendado e espancado. Um
ladrão finalmente o jogou no chão, enfiou uma arma na nuca e disse que era hora
de morrer. Desmaiou, acordando em um campo com as mãos amarradas atrás das
costas, quase nu.
Camacho
sobreviveu, mas traumatizado, afundou em depressão. Logo ele estava
bebendo muito e comendo compulsivamente. Seu peso aumentou de 70kg para
103kg.
Isso levou
à sua segunda experiência de quase morte, oito anos depois, em 2007. Ele se
lembra de acordar e piscar com luzes brilhantes: estava sendo levado de maca
para uma enfermaria de emergência do hospital, com um ataque de arritmia grave (ou
coração com frequência irregular). "Um cardiologista me disse que, se
eu não perdesse peso e controlasse minha saúde, estaria morto em cinco
anos", diz ele.
Essa
segunda crise forçou Camacho tardiamente a lidar com o trauma da primeira. Para
ajudar no que ele entende agora como transtorno de estresse pós-traumático, ele
começou com psicoterapia e a tomar medicamentos antidepressivos e para ansiedade. Para
abordar sua saúde física, ele tentou perder peso. Esse esforço o levou ao
centro de um dos debates científicos mais difíceis da nossa época: as guerras
calóricas, um feroz desacordo sobre dieta e controle de peso.
Hoje, mais
de uma década após o severo aviso de seu cardiologista, Camacho vive na cidade
suíça de Basileia. Ele está relaxado e confiante, exceto quando dois
tópicos aparecem. Quando ele relembra seu sequestro, seu olhar cai, seu
sorriso desaparece e ele fica visivelmente mais quieto, embora ele diga que
seus ataques de pânico praticamente desapareceram. O outro tópico delicado
é o controle de peso, que o faz sacudir a cabeça com raiva pelo que ele e
milhões de outras pessoas que passaram por dietas passaram. "É
simplesmente ridículo", diz ele, exasperado e com um toque sarcástico. "As
pessoas estão vivendo com verdadeira dor e culpa e tudo o que recebem são
conselhos confusos ou completamente errados".
A
orientação que os médicos de Camacho lhe deram, juntamente com uma série de
nutricionistas e sua própria pesquisa on-line, foi unânime. Seria familiar
para os milhões de pessoas que já tentaram fazer dieta. "Todo mundo
diz a você que, para perder peso, você precisa comer menos e se movimentar
mais", diz ele, "e a maneira de fazer isso é contar suas
calorias".
No seu peso mais
elevado, o índice de massa corporal (IMC) de Camacho - a proporção entre sua
altura e seu peso - atingiu 35,6, bem acima da marca de 30 que os médicos
definem como clinicamente obesos. A maioria das diretrizes do governo
indicava que, como homem, ele precisava de 2.500 calorias por dia para manter
seu peso (a meta para as mulheres é de 2.000). Os nutricionistas disseram
a Camacho que se ele comesse menos de 2.000 calorias por dia, um
"déficit" semanal de 3.500 significaria que ele perderia 0,5 kg por
semana.
Com um
trabalho de secretário como engenheiro de planejamento em um hospital mexicano,
ele sabia que seria necessária uma drástica disciplina para reformar seu corpo
gordinho. Mas, como seus sequestradores perceberam rapidamente, ele é um
personagem invulgarmente determinado. Ele começou a acordar todos os dias
antes do amanhecer para correr 10 km. Ele também começou a contabilizar
cada pedaço de comida que consumia.
“Preenchi
planilhas do Excel todas as noites, todas as semanas e todos os meses, listando
tudo o que comia. Tornou-se uma verdadeira obsessão para mim”, diz
Camacho. Foram descartados o Burger King Whoppers, tacos fritos
recheados com carne de porco e queijo e tortilhas (sanduíches
mexicanos recheados com carne, feijão frito, abacate e pimentão). Também largou
o habitual consumo de cerveja e vinho. Entraram em cena cuidadosamente os sanduíches
de queijo e peru com baixo teor de gordura, saladas, suco de pêssego em lata,
Gatorade e Coca-Cola Zero, com três barras de Special-K diet hipocalóricas
por dia.
"Eu
estava sempre cansado e com fome e ficaria muito mal-humorado e
distraído", diz ele. "Eu estava pensando em comida o tempo
todo." Foi-lhe dito constantemente que, se acertasse as contas -
consumindo menos calorias do que queimava todos os dias - os resultados logo
apareceriam. "Realmente fiz tudo o que você deveria fazer", ele
insiste com o tom de um estudante que completou sua lição de casa mas ainda
falhou num exame final. Ele comprou uma bateria de dispositivos de
monitoramento de exercícios para medir quantas calorias gastava nas corridas. “Disseram-me
para me exercitar por pelo menos 45 minutos, pelo menos quatro ou cinco vezes
por semana. Na verdade, eu corria por mais de uma hora todos os dias. Ele
manteve alimentos com pouca gordura e baixas calorias por três anos. Simplesmente
não funcionou. A certa altura, ele perdeu cerca de 10 kg, mas seu peso voltou a aumentar, apesar de ainda restringir suas calorias.
Pessoas sob dietas em
todo o mundo estarão familiarizados com as frustrações de Camacho. A
maioria dos estudos mostra que mais de 80% das pessoas recuperam qualquer peso
perdido a longo prazo. E como ele, quando falhamos, a maioria das pessoas assume que somos preguiçosos ou gulosos demais - que somos culpados.
Como regra
geral, é verdade que se você ingerir muito menos calorias do que queima, ficará
mais magro (e se consumir muito mais, ficará mais gordo). Mas as inúmeras
dietas da moda nos açoitam a cada ano, desmentem a simplicidade da fórmula que
Camacho recebeu. A caloria como medida científica não está em questão. Mas
calcular o conteúdo calorífico exato dos alimentos é muito mais difícil do que
sugerem os números (supostamente) precisos e confiáveis exibidos nos pacotes de alimentos. Dois
itens alimentares com idênticos valores em calorias podem ser digeridos de
maneiras muito diferentes. Cada corpo processa as calorias de maneira
diferente. Mesmo para um único indivíduo, a hora do dia em que você come é
importante. Quanto mais investigamos, mais percebemos que calcular
calorias fará pouco para nos ajudar a controlar nosso peso ou até manter uma
dieta saudável: a simplicidade sedutora de contar calorias que entram e calorias que saem é perigosamente falha.
A caloria é onipresente na vida diária. É o primeiro ítem no rótulo de informações nutricionais da maioria dos alimentos e bebidas embalados. Cada
vez mais restaurantes listam o número de calorias de cada prato em seus menus. Contar
as calorias que gastamos tornou-se o mesmo padrão. Equipamentos de
ginástica, aparelhos de ginástica em volta dos pulsos e até nossos telefones
nos dizem quantas calorias supostamente queimamos em uma única sessão de
exercícios ou ao longo de um dia.
Nem sempre
foi assim. Durante séculos, os cientistas assumiram que era o volume da
comida consumida que era significativa. No final do século XVI, um médico
italiano chamado Santorio Sanctorius inventou uma "cadeira de
pesagem", pendurada em uma balança gigante, na qual ele se sentava em
intervalos regulares para se pesar, e também pesava tudo o que comia e bebia, e todas as fezes
e urina que produzia. Apesar de 30 anos do compulsivo uso dessa cadeira suspensa,
Sanctorius respondeu poucas de suas próprias perguntas sobre o impacto que todo seu
consumo teve sobre seu corpo.
Somente
mais tarde o foco mudou para a energia que os diferentes alimentos continham. No
século XVIII, Antoine Lavoisier, um aristocrata francês, descobriu que queimar
uma vela exigia um determinado gás do ar - que ele denominou oxigênio - para alimentar a
chama e liberar calor e outros gases. Ele aplicou o mesmo princípio à
comida, concluindo que ela alimenta o corpo como um fogo que queima lentamente. Ele
construiu um calorímetro, um dispositivo grande o suficiente para segurar uma
cobaia, e mediu o calor que a criatura gerava para estimar quanta energia
estava produzindo. Infelizmente, a revolução francesa - especificamente a
guilhotina - interrompeu seu raciocínio sobre o assunto. Mas ele deu início a alguma coisa. Outros cientistas posteriormente construíram
"calorímetros de bomba" nos quais queimavam alimentos para medir o
calor - e, portanto, a energia potencial - liberada a partir dele.
A caloria
- que vem de "calor", do latim - foi
originalmente usada para medir a eficiência dos motores a vapor: uma caloria é
a energia necessária para aquecer 1 kg de água em um grau Celsius. Somente
na década de 1860, os cientistas alemães começaram a usá-lo para calcular a
energia dos alimentos. Foi um químico agrícola americano, Wilbur Atwater,
que popularizou a idéia de que poderia ser usado para medir tanto a energia
contida nos alimentos quanto a energia que o corpo gastava em coisas como
trabalho muscular, reparo de tecidos e nutrição dos órgãos. Em 1887,
após uma viagem à Alemanha, ele escreveu uma série de artigos muito populares
na Century, uma revista americana,
sugerindo que "a comida é para o corpo o que é um combustível para o
fogo". Ele apresentou ao público a noção de
"macronutrientes" - carboidratos, proteínas e gorduras - assim
denominada porque o corpo precisa de muitos deles.
Hoje,
muitos de nós desejam monitorar nosso consumo de calorias para perder ou manter
nosso peso. Atwater, filho de um ministro metodista, foi motivado pela
preocupação oposta: em um momento em que a desnutrição era generalizada, ele
procurou ajudar as pessoas pobres a encontrar os itens mais econômicos para se
nutrirem.
Para ver
quanta energia diferentes macronutrientes forneciam ao corpo, ele forneceu
amostras de uma dieta americana "média" daquela época - que ele
acreditava ser pesada em biscoitos de melaço, farelo de cevada e moela de
galinha - a um grupo de estudantes do sexo masculino em um porão na Wesleyan
University, em Middletown, Connecticut. Por até 12 dias por vez, um
voluntário come, dorme e levanta pesos enquanto é confinado dentro de uma câmara
de um metro e oitenta de altura, medindo um metro e meio de largura por dois metros
de profundidade. A energia em cada refeição foi calculada queimando
alimentos idênticos em um calorímetro de bomba.
As paredes
estavam cheias de água e as mudanças de temperatura permitiram que Atwater
calculasse quanta energia os corpos dos alunos estavam gerando. Sua equipe
coletou as fezes dos alunos e as queimou também, para ver quanta energia havia
sido mantida no corpo no processo de digestão.
Isso foi pioneiro na década de 1890. Atwater finalmente concluiu
que um grama de carboidrato ou proteína disponibilizava em média quatro
calorias de energia para o corpo, e um grama de gordura oferecia uma média de
8,9 calorias, número que posteriormente se arredondou para nove calorias por
conveniência. Agora sabemos muito mais sobre o funcionamento do corpo humano:
Atwater estava certo que parte da energia potencial de uma refeição era
excretada, mas não fazia ideia de que parte dela também era usada para digerir
a própria refeição e que o corpo gasta quantidades diferentes de energia
dependendo da comida. No entanto, mais de um século depois de queimar as
fezes dos estudantes wesleyanos, os números calculados pela Atwater para cada
macronutriente permanecem o padrão para medir as calorias de qualquer alimento. Essas
experiências foram a base da aritmética calorífica diária de Salvador Camacho.
Atwater
transformou a maneira como o público pensava sobre comida, com sua simples
crença de que "uma caloria é uma caloria". Ele aconselhou os
pobres a não comerem muitos vegetais de folhas verdes porque não eram suficientemente
densos em energia. Segundo ele, não fazia diferença se as calorias vinham
de chocolate ou espinafre: se o corpo absorvesse mais energia do que consumia,
armazenaria o excesso como gordura corporal, fazendo com que você engordasse.
Essa ideia
capturou a imaginação do público. Em 1918, o primeiro livro foi publicado
nos Estados Unidos com base na noção de que uma dieta saudável não era mais
complicada do que a simples adição e subtração de calorias. "Você
pode comer exatamente o que gosta - doces, torta, bolo, carne gorda, manteiga,
creme, mas conte suas calorias!" escreveu Lulu Hunt Peters em
"Diet and Health". "Agora que você sabe que pode ter as
coisas de que gosta, continue criando seus menus com muito pouco de cada um deles." O
livro vendeu milhões.
Na década
de 1930, a caloria havia se enraizado na mente do público e nas políticas do
governo. Seu foco exclusivo no conteúdo energético dos alimentos, em vez
do conteúdo vitamínico, por exemplo, se estabeleceu praticamente sem contestação. O
aumento da renda e a maior participação feminina na força de trabalho
acabou fazendo com que, na década de 1960, as pessoas estivessem comendo mais fora de casa ou
comprando alimentos preparados, de modo que queriam mais informações sobre o
que estavam consumindo. A informação nutricional sobre os alimentos era
generalizada, mas aleatória; muitos itens fizeram alegações estranhas
sobre seus benefícios à saúde. A rotulagem tornou-se padronizada e
obrigatória nos Estados Unidos apenas em 1990.
A ênfase e
o uso dessas informações também mudaram. No final dos anos 1960, a
obesidade estava se tornando uma preocupação premente de saúde, à medida que as
pessoas se tornavam mais sedentárias e começaram a comer alimentos altamente
processados e com muito açúcar. À medida que o número de pessoas que
precisavam perder peso aumentou, a mudança de dieta tornou-se o foco da
atenção.
Assim
começou a guerra contra a gordura, na qual os cálculos de calorias de Atwater
seriam um aliado involuntário. Como a contagem de calorias era vista como um
árbitro objetivo das qualidades de saúde de um alimento, parecia lógico que a
parte mais carregada de calorias de qualquer item alimentar - a gordura - deve
ser ruim para você. Por essa medida, pratos com poucas calorias, mas ricos
em açúcar e carboidratos, pareciam mais saudáveis. As pessoas estavam cada
vez mais dispostas a culpar a gordura por muitos dos problemas de saúde da vida
moderna, ajudados pelo lobby do açúcar: em 2016, um pesquisador da Universidade
da Califórnia descobriu documentos de 1967 mostrando que as empresas de açúcar financiavam
secretamente estudos na Universidade de Harvard, projetados para culpar a
gordura pela crescente epidemia de obesidade. O fato de a "gordura" da dieta encontrada no azeite, bacon e manteiga ter a marca da mesma palavra da matéria indesejada ao redor das nossas barrigas tornou ainda mais fácil sua demonização.
Um relatório
do comitê do Senado dos EUA em 1977 recomendou uma dieta com baixo teor de
gordura e baixo colesterol para todos, e outros governos seguiram o exemplo. A
indústria de alimentos reagiu com entusiasmo, removendo a gordura, o mais denso
em calorias dos macronutrientes, dos itens alimentares e substituindo-o por
açúcar, amido e sal. Como um bônus, os milhares de novos produtos baratos
e saborosos, de baixa caloria e baixo teor de gordura, que Camacho costumava
utilizar em sua dieta, tendem a ter vida útil prolongada e margens de lucro mais altas.
Mas isso
não levou às melhorias esperadas na saúde pública. Em vez disso, coincidiu
quase exatamente com o aumento mais dramático da obesidade na história da
humanidade. Entre 1975 e 2016, a obesidade quase triplicou em todo o
mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde ( OMS ): quase 40%
dos maiores de 18 anos - cerca de 1,9 bilhão de adultos - estão agora acima do
peso. Isso contribuiu para um rápido aumento de doenças cardiovasculares
(principalmente doenças cardíacas e derrames), que se tornaram a principal
causa de morte no mundo. As taxas de diabetes tipo 2, que geralmente estão
ligadas ao estilo de vida e à dieta, mais que dobraram desde 1980.
Não foram
apenas os países ricos que encararam essas tendências. No México, famílias
urbanas de classe média, como a de Camacho, também engordaram. Quando
criança, Camacho estava em forma e adorava jogar futebol. Mas, aos dez
anos de idade, em 1988, ele era um dos muitos jovens mexicanos que começaram a
ganhar peso à medida que o aumento do comércio com a América via doces baratos
e bebidas gasosas inundando as lojas, um processo conhecido como
"colonização da coca-cola" no México. "De repente, havia todos
esses sabores que você nunca provou, com chocolates, doces e Dr. Pepper",
lembra Camacho: "Da noite para o dia, engordou." Quando seus
tios o provocaram sobre sua cintura inchada, ele cortou os doces e ficou em boa
forma até o sequestro, 12 anos depois. Outros mexicanos continuaram
aumentando. Em 2013, o México ultrapassou os EUA como o país mais obeso
do mundo.
Para
combater essa tendência, os governos em todo o mundo consagraram a contagem de
calorias nas políticas. A OMS atribui a "causa fundamental"
da obesidade em todo o mundo a "um desequilíbrio energético entre calorias
consumidas e calorias gastas". Os governos de todo o mundo persistem
em oferecer o mesmo conselho: contar e reduzir calorias. Isso se infiltrou
em mais áreas da vida. Em 2018, o governo americano ordenou que cadeias
alimentares e máquinas de venda automática forneçam detalhes de calorias em
seus menus, para ajudar os consumidores a tomar "decisões bem informadas e
saudáveis". Austrália e Grã-Bretanha estão indo em direções
semelhantes. Órgãos do governo aconselham pessoas em dieta a registrar suas
refeições em um diário de calorias para perder peso. Os esforços
experimentais de um cientista do século XIX praticamente não mudaram - e são
questionados.
Milhões de pessoas que fazem dieta desistem quando a contagem de
calorias é malsucedida. Camacho era mais teimoso do que a maioria. Ele
tirava fotos de suas refeições para registrar sua ingestão com mais precisão e
entrava em suas planilhas de calorias pelo telefone. Ele pensou em cada
pedaço que comia. E ele comprou uma proliferação de aparelhos para
rastrear sua produção de calorias. Mas ele ainda não perdeu muito peso.
Um
problema era que suas somas eram baseadas na ideia de que a contagem de
calorias é precisa. Os produtores de alimentos fornecem leituras
impressionantemente específicas: uma fatia da pizza de pepperoni dupla do
Domino, favorita de Camacho, é supostamente 248 calorias (não 247 nem 249). No
entanto, o número de calorias listadas nos pacotes e menus de alimentos está
rotineiramente errado.
Susan
Roberts, nutricionista da Universidade Tufts em Boston, descobriu que os
rótulos dos alimentos embalados americanos perdem sua verdadeira contagem de
calorias em uma média de 8%. As regulamentações do governo americano
permitem que esses rótulos subestimam as calorias em até 20% (para garantir que
os consumidores não sofram pequenas alterações em termos de quantidade de
nutrição que recebem). As informações sobre alguns alimentos congelados
processados distorcem seu conteúdo calorífico em até 70%.
Esse não é
o único problema. A contagem de calorias baseia-se na quantidade de calor
que um alimento emite quando queima no forno. Mas o corpo humano é muito
mais complexo que um forno. Quando os alimentos são queimados em
laboratório, eles perdem suas calorias em segundos. Por outro lado, a
jornada da vida real desde o prato para o vaso sanitário leva em média cerca de um
dia, mas pode variar de oito a 80 horas, dependendo da pessoa. Uma caloria
de carboidrato e uma caloria de proteína têm a mesma quantidade de energia
armazenada, portanto, elas funcionam de maneira idêntica no forno. Mas
coloque essas calorias em corpos humanos reais e elas se comportam de maneira bem
diferente. E ainda estamos aprendendo novas idéias: pesquisadores
americanos descobriram no ano passado que, há mais de um século, exageramos em
cerca de 20% o número de calorias que absorvemos das amêndoas.
O processo
de armazenamento de gordura - o “peso” que muitas pessoas procuram perder - é
influenciado por dezenas de outros fatores. Além das calorias, nossos
genes, os trilhões de bactérias que vivem em nosso intestino, a preparação dos
alimentos e o sono afetam a maneira como processamos os alimentos. As
discussões acadêmicas sobre alimentação e nutrição estão repletas de
referências a grandes pesquisas que ainda precisam ser conduzidas. "Nenhum
outro campo da ciência ou da medicina encara essa falta de estudos rigorosos",
diz Tim Spector, professor de epidemiologia genética no Kings College, em
Londres. "Podemos criar DNA sintético e clonar animais, mas
ainda sabemos incrivelmente pouco sobre as coisas que nos mantêm vivos."
O que
sabemos, no entanto, sugere que contar calorias é muito rústico e muitas vezes
enganoso. Pense em um hambúrguer, o tipo de comida que Camacho evitou
durante seus primeiros esforços para perder peso. Dê uma mordida e a
saliva na boca começa a digestão, um processo que continua quando você
engole, transportando a porção em direção ao estômago e ao intestino para sua degradação. O
processo digestivo transforma as proteínas, carboidratos e gorduras do
hambúrguer em seus compostos básicos, para que sejam pequenos o suficiente para
serem absorvidos pela corrente sanguínea através do intestino delgado, para
abastecer e reparar os trilhões de células do corpo. Mas as moléculas
básicas de cada macronutriente desempenham papéis muito diferentes dentro do
corpo.
Todos os
carboidratos se decompõem em açúcares, que são a principal fonte de combustível
do corpo. Mas a velocidade com que seu corpo obtém seu combustível dos
alimentos pode ser tão importante quanto a quantidade de combustível. Os
carboidratos simples são rapidamente absorvidos pela corrente sanguínea,
fornecendo uma injeção rápida de energia: o corpo absorve o açúcar de uma lata
de refrigerante a uma taxa de 30 calorias por minuto, em comparação com duas
calorias por minuto de carboidratos complexos, como batatas ou arroz . Isso
importa, porque um repentino golpe de açúcar leva à rápida liberação de
insulina, um hormônio que leva o açúcar para fora da corrente sanguínea e para
as células do corpo. Os problemas surgem quando há muito açúcar no sangue. O
fígado pode armazenar parte do excesso, mas tudo o que resta é armazenado como
gordura. Portanto, consumir grandes quantidades de açúcar é a maneira mais
rápida de criar gordura corporal. E, uma vez que a insulina tenha realizado seu trabalho, os níveis de açúcar no sangue caem, o que tende a deixar você com fome e também mais gordo.
Engordar é
uma consequência da civilização. Nossos ancestrais teriam desfrutado de
uma forte quantidade de açúcar talvez quatro vezes por ano, quando uma nova
estação produzisse frutas frescas. Muitos agora desfrutam desse tipo de
pico de açúcar todos os dias. A pessoa média no mundo desenvolvido
consome 20 vezes mais açúcar do que as pessoas, mesmo durante o tempo de Atwater.
Mas é uma
história diferente quando você come carboidratos complexos, como alguns cereais. Como
são cadeias de carboidratos simples, eles também se transformam em açúcar, mas, como isso é feito um pouco mais lentamente, os níveis de açúcar no sangue permanecem um pouco mais estáveis. Os
sucos de frutas que Camacho foi incentivado a beber continham menos calorias do
que um de seus pães integrais, mas o pão produziria um pouco menos de glicose e o deixaria saciado por um período um pouco mais longo. (Isso pode ter um valor discreto ou mesmo irrelevante se a dieta for prioritariamente desse tipo de alimento, NT)
Outros
macronutrientes têm funções diferentes. A proteína, o componente dominante
da carne, peixe e produtos lácteos, atua como o principal componente dos ossos,
pele, cabelo e outros tecidos do corpo. Na ausência de quantidades
suficientes de carboidratos, também pode servir como combustível para o corpo. Mas
como é decomposto mais lentamente que os carboidratos, é menos provável que a
proteína seja convertida em gordura corporal.
A gordura
é outra questão novamente. Ela deve deixá-lo mais pleno por mais tempo,
porque seu corpo a divide em pequenos ácidos graxos mais lentamente do que
processa os carboidratos ou as proteínas. Todos precisamos de gordura para
produzir hormônios e proteger nossos nervos (assim como o revestimento
plástico que protege um fio elétrico). Ao longo de milênios, a gordura também
tem sido uma maneira crucial de os seres humanos armazenarem energia,
permitindo-nos sobreviver a períodos de fome. Hoje em dia, mesmo sem o
risco de morrer de fome, nossos corpos são programados para armazenar excesso
de combustível no caso de ficarmos sem comida. Não é de admirar que uma única
medida - o conteúdo energético - não consiga capturar essa complexidade.
Nossa
fixação em contar calorias pressupõe que todas as calorias são iguais e que
todos os corpos respondem às calorias de maneira idêntica: Camacho foi
informado de que, como homem, ele precisava de 2.500 calorias por dia para
manter seu peso. No entanto, um crescente corpo de pesquisa mostra que,
quando pessoas diferentes consomem a mesma refeição, o impacto nos níveis de glicose no
sangue e na formação de gordura de cada pessoa varia de acordo com seus genes,
estilos de vida e uma mistura única de bactérias intestinais.
Pesquisas publicadas em 2019 mostraram que um certo conjunto de genes é
encontrado com mais frequência em pessoas com sobrepeso do que em magras,
sugerindo que algumas pessoas precisam trabalhar mais que outras para
permanecer magras (fato que muitos de nós já percebemos intuitivamente como
verdade). As diferenças nos microbiomas intestinais podem alterar a
maneira como as pessoas processam os alimentos. Um estudo com 800 israelenses
em 2015 descobriu que o aumento nos níveis de glicose no sangue variava em um
fator de quatro em resposta a alimentos idênticos.
Os
intestinos de algumas pessoas são 50% mais longos do que outros: aqueles com os mais curtos absorvem menos calorias, o que significa que liberam mais energia
dos alimentos, ganhando menos peso.
A resposta
do seu próprio corpo também pode mudar dependendo de quando você come. Perca
peso e seu corpo tentará recuperá-lo, diminuindo seu metabolismo e até
reduzindo a energia que você gasta em atividade e contração muscular. Até
seus horários de comer e dormir podem ser importantes. Ficar sem dormir
uma noite inteira pode estimular seu corpo a criar mais tecido adiposo, o que
lança uma luz sombria sobre os anos de esforço de despertar cedo pelo Camacho. Você
pode ganhar mais peso comendo pequenas quantidades ao longo de 12 a 15 horas do
que comer a mesma comida em três refeições distintas por um período mais curto.
Há uma
fragilidade adicional no sistema de contagem de calorias: a quantidade de energia
que absorvemos dos alimentos depende de como os preparamos. Cortar e
triturar alimentos faz parte do trabalho da digestão, disponibilizando mais
calorias ao seu corpo, destruindo as paredes celulares antes de você comê-lo. Esse
efeito é ampliado quando você adiciona calor: o cozimento aumenta a proporção
de alimentos digeridos no estômago e no intestino delgado, de 50% para 95%. As
calorias digeríveis na carne bovina aumentam em 15% na culinária e na
batata-doce em cerca de 40% (a mudança exata depende se é cozida, assada ou no microondas). Esse impacto é tão significativo que Richard Wrangham,
primatologista da Universidade de Harvard, considera que cozinhar foi necessário para a evolução humana. Permitiu a expansão neurológica que
criou o Homo sapiens: alimentar o
cérebro consome cerca de um quinto da energia metabólica de uma pessoa todos os
dias (cozinhar também significa que não precisamos passar o dia todo
mastigando, ao contrário dos chimpanzés).
A
dificuldade de fazer as contas com precisão não pára por aí. A carga calórica de
itens ricos em carboidratos, como arroz, macarrão, pão e batatas, pode ser
reduzida simplesmente cozinhando, esfriando e (re)aquecendo-os. À medida que
as moléculas de amido esfriam, elas formam novas estruturas mais difíceis de digerir. Você
absorve menos calorias comendo torradas que sobraram e ficaram frias, ou sobras de
espaguete, do que dos mesmos alimentos recém feitos. Cientistas no Sri Lanka
descobriram em 2015 que poderiam reduzir em mais da metade das calorias potencialmente
absorvidas pelo arroz adicionando óleo de coco durante o cozimento e depois
resfriando esse arroz. Isso fez com que o amido fosse menos digerível, fazendo o corpo consumir menos calorias (eles ainda precisam testar em seres
humanos os efeitos precisos do arroz cozido dessa maneira). Isso é uma
coisa prejudicial se você estiver desnutrido, mas um benefício se você estiver
tentando perder peso (chamamos isso de Amido Resistente, NT)
Diferentes
partes de um vegetal ou de uma fruta também podem ser absorvidas de maneira diferente:
folhas mais velhas são mais resistentes, por exemplo. O interior amiláceo
dos grãos de milho doce é facilmente digerido, mas a casca de celulose é
impossível de quebrar e passa pelo corpo intocada. Basta pensar naquele
momento em que você olha para o vaso sanitário depois de comer milho doce.
Tal como
acontece com muitos dieters, os esforços de Camacho para rastrear com precisão
suas calorias "in" estavam condenados. Mas também foram suas
tentativas de rastrear suas calorias "gastas". A mensagem de
muitas autoridades públicas e produtores de alimentos, especialmente empresas
de fast food que patrocinam eventos esportivos, é que mesmo os alimentos não
saudáveis não o engordariam se você cumprir sua parte fazendo bastante exercício. É
claro que o exercício tem benefícios claros para a saúde. Mas, a menos que
você seja um atleta profissional, ele desempenha um papel muito menor no controle de
peso do que a maioria das pessoas acredita. Até 75% do gasto diário de
energia de uma pessoa média não ocorre através de exercícios, mas das atividades
diárias comuns e de manter o corpo funcionando, digerindo alimentos,
nutrinndo seus órgãos e mantendo uma temperatura corporal normal. Mesmo beber
água gelada - que não fornece energia - força o corpo a queimar calorias para
manter sua temperatura estável, tornando-a o único caso conhecido de consumir
algo com calorias "negativas". Uma expressão popular em inglês
nos diz para não “comparar maçãs e laranjas” e assumir que são as mesmas: ainda
assim, as calorias colocam pizzas e laranjas, ou maçãs e sorvete, na mesma
escala e as consideram iguais.
Após três anos de contagem de calorias, Camacho mudou de rumo. Enquanto
se recuperava da maratona de 2010 em San Diego, ele começou o treinamento
Crossfit, um regime de exercícios que inclui treinamento de alta intensidade e
levantamento de peso. Lá ele conheceu pessoas que estavam usando um método muito
diferente para controlar seu peso. Como ele, elas se exercitavam
regularmente. Mas, em vez de limitar suas calorias, elas comiam alimentos
naturais, o que Camacho chama de "coisas de uma origem real, não das indústrias".
Farto de
se sentir um fracasso faminto, ele decidiu tentar. Ele abandonou seus
produtos de baixa caloria altamente processados e concentrou-se na qualidade
da comida e não na quantidade. Ele parou de se sentir voraz o tempo todo. “Parece
simples, mas eu decidi ouvir meu corpo e comer sempre que estava com fome, mas
apenas quando estava com fome, e comer comida de verdade, não "produtos alimentares”, diz ele. Ele voltou aos itens que há muito se proibia de
comer. Ele comeu sua primeira fatia de bacon em três anos e desfrutou de
queijo, leite integral e bifes.
Ele imediatamente
sentiu menos fome e mais feliz. Mais surpreendente, ele rapidamente
começou a perder sua gordura extra. "Eu estava dormindo muito melhor
e, em alguns meses, parei a medicação para depressão e ansiedade", diz
ele. “Passei de estar sempre me sentindo culpado, com raiva e com medo, para me
controlar e realmente orgulhoso do meu próprio corpo. De repente, eu
poderia gostar de comer e beber novamente.
O peso
diminuiu e, em 2012, ele se mudou para Heidelberg, na Alemanha, um mundo longe
das ruas agitadas do México, para estudar um mestrado em saúde pública. "A
idéia me ocorreu de que eu poderia combinar minha própria experiência com o
trabalho acadêmico para tentar ajudar outras pessoas a superar essas várias
barreiras que eu havia encontrado". Depois de seu mestrado, ele
iniciou um doutorado em como combater a obesidade no México.
Hoje ele é
casado com uma estudiosa alemã, Erica Gunther, que estudou sistemas alimentares
em todo o mundo. Sua dieta inclui coisas que ele costumava evitar, como
gemas de ovos, azeite e nozes. Dois dias por semana, o casal se alimenta
de refeições vegetarianas, mas ele devora bife, rins, fígado e alguns de seus
pratos mexicanos favoritos - barbacoa (carneiro), carnitas (porco) e tacos com carne
grelhada.
Sua esposa
gosta de fazer um doce tradicional mexicano chamado pan
de muerto (pão da morte). "Antes eu teria corrido mais
duas horas para compensar a ingestão, mas agora não me importo, apenas me
certifico de que é um prazer, não uma coisa cotidiana." Depois de
passar anos tentando renunciar ao álcool, toma um ou dois copos de vinho várias
vezes por semana e vai tomar uma cerveja com os amigos de sua academia.
Suando em três ou quatro treinos por semana, ele é tão musculoso quanto um jogador
profissional de rugby. Com 80 kg estáveis, ele tem muito pouca gordura
corporal, embora ainda seja considerado com sobrepeso pelas tabelas de índice
de massa corporal, que classificam muitos atletas profissionais como muito
pesados. A única recaída de ansiedade que ele sofre hoje em dia acontece
quando ele ouve Tori Amos cantando "Bliss" - a música que tocva quando
ele foi sequestrado - que ele diz "é uma pena, porque é uma ótima
música".
Hoje
Camacho pode ser descrito como um dissidente das calorias, um dentro do pequeno número, mas crescente, de acadêmicos e cientistas que dizem que a persistência
da contagem de calorias orquestra a epidemia de obesidade, em vez de
remediá-la. A contagem de calorias interrompeu nossa capacidade de ingerir
a quantidade certa de alimentos, diz ele, e nos levou a más escolhas. Em
2017, ele escreveu um artigo acadêmico que foi um dos ataques mais selvagens ao
sistema calórico publicado em uma revista revisada por pares. "Estou
realmente envergonhado com o que costumava acreditar", diz ele. "Eu
estava fazendo todo o possível para seguir o conselho oficial, mas estava
totalmente errado e me sinto estúpido por nunca sequer tê-lo questionado."
Dada a vasta evidência de que a contagem de calorias é imprecisa, na
melhor das hipóteses, e contribui para o aumento da obesidade, na pior das
hipóteses, por que persistir?
A
simplicidade da contagem de calorias explica seu apelo. Métricas que
informam aos consumidores até que ponto os alimentos foram processados ou se
eles suprimirão a fome são mais difíceis de entender. Confrontado com o
o poder da ideia das calorias, nenhuma ganhou ampla aceitação.
O
estabelecimento científico e de saúde sabe que o sistema atual é defeituoso. Um
consultor sênior da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação alertou em 2002 que os "fatores 4-4-9" de Atwater, o coração do sistema de contagem de calorias eram "uma
simplificação grosseira" e tão imprecisos que poderiam enganar os
consumidores para levá-los a escolher produtos não saudáveis porque subestimam as
calorias de alguns carboidratos. A organização disse que daria "mais
consideração" à revisão do sistema, mas 17 anos depois, há pouco impulso
para mudanças. Ele até rejeitou a idéia de harmonizar os vários métodos
usados em diferentes países - um rótulo na Austrália pode dar uma contagem
diferente de um nos EAU para o mesmo produto.
Os
funcionários da OMS também reconhecem os problemas do sistema atual,
mas dizem que ele está tão arraigado no comportamento do consumidor, nas
políticas públicas e nos padrões da indústria que seria muito caro e
perturbador fazer grandes mudanças. Os experimentos que Atwater realizou há um século atrás, sem calculadoras ou computadores, nunca foram repetidos,
embora nossa compreensão de como nosso corpo funcione seja muito melhor. Há
pouco financiamento ou entusiasmo por esse trabalho. Como diz Susan
Roberts, da Universidade Tufts, coletar e analisar fezes "é o pior
trabalho de pesquisa do mundo".
O sistema
de calorias, diz Camacho, deixa os fabricantes desses produtos alimentícios fora da âmago da questão:
"Eles podem dizer: 'Não somos responsáveis pelos produtos não saudáveis
que vendemos, apenas temos que listar as calorias e deixar que você controle
seu próprio peso' .” Camacho e outros dissidentes das calorias
argumentam que o açúcar e carboidratos altamente processados causam estragos
no sistema hormonal das pessoas. Níveis mais altos de insulina significam
que mais energia é convertida em tecido adiposo, deixando menos disponibilidade para
abastecer o resto do corpo. Isso, por sua vez, gera fome e excessos. Em
outras palavras, a constante fome e fadiga sofrida por Camacho e outros
usuários de dietas podem ser sintomas do excesso de peso, e não a causa do
problema. No entanto, grande parte da indústria alimentar também
defende o status quo. Mudar a forma como avaliamos os valores de energia e
saúde dos alimentos prejudicaria o modelo de negócios de muitas empresas.
A única
organização importante a mudar a ênfase além das calorias é aquela dedicada a
ajudar seus clientes a emagrecer: Vigilantes do Peso. Em 2001, a empresa
de dietas mais conhecida do mundo introduziu um sistema de pontos que deixou de
se concentrar exclusivamente em calorias para também classificar os alimentos
de acordo com seu teor de açúcar e gordura saturada e seu impacto no apetite. Chris
Stirk, gerente geral da empresa na Grã-Bretanha, diz que a organização fez a
mudança porque depender de calorias para perder peso está
"desatualizado": "A ciência evolui diariamente, mensalmente,
anualmente, e muito mais do que no século XIX".
Muitos de
nós sabemos instintivamente que nem todas as calorias são iguais. Um
pirulito e uma maçã podem conter números semelhantes de calorias, mas a maçã é
claramente melhor para nós. Mas, depois de uma vida inteira ouvindo sobre
as calorias e seu papel nos conselhos alimentares supostamente infalíveis, podemos
ser perdoados por estarmos confusos sobre a melhor forma de comer. Está na hora
de deixar isso de lado.
Autor:
PETER WILSON é um escritor freelancer baseado em Londres. Ele perdeu 13 kg em quatro meses graças ao que aprendeu pesquisando essa história.
Publicado em abril/2019
LINK do original: AQUI
A foto acima é do artigo original (
PHOTOGRAPHS by PAUL ZAK)