
Essa é a última parte da série de artigos sobre as bases da dieta de reduzido consumo de carboidratos e ricas em gorduras (LCHF) extraída da mesma publicação que revisou o cenário low carb - a dieta LCHF como prescrição (LINK), - que foi utilizada na formulação dos posts anteriores. Nesse momento vai ser dado enfoque nas questões metabólicas e as consequências sobre vários marcadores biológicos envolvidos nas enfermidades cárdio vasculares e endócrinas como a diabetes. Vão ser examinadas as consequências nas taxas de colesterol, especialmente no que diz respeito a relevância do impacto nos valores dos triglicerídeos e sua relação com o colesterol LDL. Vamos verificar que esse estilo alimentar é o mais eficiente na modificação favorável de números associados a melhora da saúde. Aquele que parece ser o melhor investimento para aqueles que querem ter uma vida na maturidade com mais qualidade e menor dependência de medicamentos que são tão comumente utilizados. A LCHF como escolha baseada em ciência, é a opção mais lógica como fundamento para um programa de "longevidade saudável".
Dietas LCHF na
gestão da Diabetes Tipo 2 (DM2)
A DM2 é principalmente uma condição da resistência à
insulina (IR), com hiperglicemia persistente como resultado da produção excessiva
de glicose hepática57 como característica definidora. De todos os
macronutrientes, os carboidratos causam os maiores e mais prolongados aumentos
nas concentrações de glicose no sangue e insulina. 58 Portanto, não
é surpresa que, antes da descoberta da insulina, a restrição de carboidratos, frequentemente
associada ao jejum ou mesmo à fome, era o tipo de programa dietético indicado para
todos os pacientes diabéticos, independentemente o tipo (1 ou 2) .59
Atualmente, as dietas LCHF estão novamente sendo discutidas como um potencial tratamento
de primeira linha para DM2,2, 60, 61
Num ensaio de 24 semanas, 363 doentes com excesso de peso e
obesos escolheram, de acordo com a sua preferência, seguir uma dieta cetogênica
- LCHF ou uma dieta de baixo teor calórico e de elevado valor nutritivo. Nos
102 pacientes com DM2, a perda de peso foi significativamente maior (-12,0% vs
-7,0%) e as concentrações de HbA1c e de glicemia em jejum diminuíram
significativamente mais com a dieta LCHF.62
Um estudo de 3 meses27 randomizou 34 pacientes
pré-diabéticos ou com DM2 a uma dieta restrita em calorias consistente com as
diretrizes da American Diabetes Association (ADA) ou uma dieta ad libitum LCHF mais extrema. O grupo
LCHF mostrou uma redução significativa (6,6-6,0%) nos valores de HbA1c em
comparação com os valores inalterados (6,9% no início e no seguimento) no grupo
ADA. Esta alteração nos valores de HbA1c indicou um forte efeito de tamanho (d
= -1,8) e ocorreu mesmo que significativamente mais participantes no grupo de
extrema LCHF diminuíssem o uso de medicamentos antidiabéticos. O grupo de
extrema LCHF também perdeu mais peso (-5,5 vs -2,6 kg). Resultados semelhantes
foram observados no ensaio de Westman et al. 36, de 24 semanas,
comparando também uma dieta LCHF extrema com uma dieta de reduzido índice
glicêmico (IG). Os participantes da mesma dieta LCHF experimentaram decréscimos
significativamente maiores de HbA1c (-1,5% vs -0,5%, p = 0,03), embora uma
maior porcentagem de pacientes (95% versus 62% de participantes com IG baixo)
reduziu ou parou de tomar seus medicamentos antidiabéticos.
O estudo recente de Tay et al63 randomizou 115
adultos obesos com DM2 para dietas LCHF ou LFHC por um ano. Embora ambas as
dietas alcançaram substancial perda de peso e redução na HbA1c e nas concentrações
de glicose de jejum, a dieta LCHF produziu melhorias maiores na estabilidade de
glicose no sangue e reduções superiores nos requisitos de medicação para
diabetes. Além disso, a dieta LCHF produziu aumentos maiores nas concentrações
de colesterol HDL e maiores reduções nas concentrações de triglicerídeos (TG)
sem alterar as concentrações de colesterol total ou LDL. A recente pesquisa com
intervenção de estilo de vida (lifestyle
intervention trial)40, que prescreveu uma dieta rica em gordura
para manutenção do peso, também produziu essas mudanças benéficas, e também as
concentrações de colesterol LDL também diminuíram substancialmente.
A perda de peso em qualquer dieta melhora o controle
glicêmico, portanto, pode-se supor que mudanças positivas com uma dieta LCHF
são atribuíveis à perda de peso concomitante. No entanto, deve-se notar que a
restrição de carboidratos influencia positivamente o controle glicêmico mesmo
na ausência de perda de peso.64, 65
As dietas LCHF e
os fatores de risco cardiovascular
Uma preocupação comum expressa pelos médicos, especialmente
cardiologistas, é que qualquer aumento da ingestão de gordura dietética pela
dieta LCHF irá aumentar o risco para o desenvolvimento futuro de doenças
cardiovasculares. Esta convicção decorre em grande parte do estudo original dos
sete países de Ancel Keys (Ancel Keys'
original seven countries study), 66 e o desenvolvimento subsequente
das diretrizes dietéticas tipo LFHC (baixa gordura / elevado em carboidratos) para
prevenir a doença cardiovascular. 67, 68 Entretanto, evidências de numerosos estudos
randomizados indicam que as dietas LCHF produzem mudanças mais favoráveis em
muitas mensurações de risco cardiovascular do que as dietas LFHC. Isto
aplica-se especialmente em pessoas com resistência à insulina (IR), diabetes
tipo II (DM2), AD e esteatose (NAFLD).
O exame das concentrações de lipídios no sangue em pesquisas
(RTC) randomizadas revela que as dietas LCHF têm um efeito potente na redução
das concentrações de TG no sangue 69, num grau significativamente
maior do que as dietas LFHC.3,32, 70, 71 As concentrações de ApoB no
sangue - uma medida indireta do número de partículas de lipoproteína e também
um preditor de risco para doença arterial coronariana - também diminuem mais em
LCHF do que na dieta LFHC.3, 72
Além disso, de todas as intervenções dietéticas, nenhuma
aumenta as concentrações de HDL-C de forma tão eficaz quanto as dietas LCHF,
que superam a LFHC, 23, 35, 70 dietas de índice glicêmico baixo, 73
Zone, LEARN, Ornish 37 e, em alguns casos, MEDs 38 Após uma intervenção isocalórica de um ano que comparou uma LCHF rigorosa com uma dieta com redução de gordura e rica em carboidratos, Tay et al. 70
encontraram maiores diminuições nas concentrações de TG no sangue (-0,58 vs
-0,22 mmol / L) e maiores aumentos nas concentrações de HDL-C (+0,30 vs +0,07
mmol / L ) em participantes na dieta LCHF, apesar de perdas de peso
semelhantes. Dado que uma elevada relação TG/HDL-C prevê uma doença arterial
coronária extensa 74 e é comum em doentes com resistência à insulina
e esteatose, os benefícios a longo prazo desta capacidade única das dietas LCHF, ao alterarem de forma marcante esses dois marcadores, não devem ser subestimados.
Por outro lado, um argumento comum contra o plano alimentar
LCHF é a resposta variável do colesterol LDL (LDL-C) para um aumento relativo ou absoluto pela ingestão de gordura dietética. Muitos ensaios demonstram uma diminuição ou uma
alteração insignificante nas concentrações de LDL-C em resposta à dieta de LCHF
75, 76, mas alguns relatam um aumento mais acentuado.77
Embora as concentrações de HDL-C aumentassem e as concentrações de TG
diminuíssem significativamente mais em participantes na dieta LCHF no estudo
de Tay et al., 70 concentrações de LDL-C (+0,6 vs +0,1 mmol / L) e de colesterol total (+0,7 vs +0,1 mmol / L) aumentaram mais significativamente nos
participantes desse grupo.
Revisões sistemáticas confirmam esses achados. A Tabela 3
mostra que as dietas de LCHF aumentam significativamente as concentrações de
HDL-C, diminuem as concentrações de TG e peso, sem quaisquer efeitos
significativos nas concentrações de LDL-C.14 Hu et al11
também documentaram maiores melhorias nas concentrações de TG e HDL- C em
resposta a LCHF em comparação com LFHC, mas as concentrações de colesterol
total e LDL-C diminuíram mais significativamente nos participantes nas dietas
LFHC.
Ao avaliar a relevância de qualquer aumento nas
concentrações de colesterol total produzidas pela dieta LCHF, os outros efeitos
metabólicos benéficos específicos para dietas LCHF devem ser considerados
(Tabela 3) .76, 78, 79 Primeiro, o aumento induzido pela LCHF nas
concentrações de HDL-C são consideradas
protetoras contra as doenças cardiovasculares80. Em contraste, as
dietas LFHC não produzem um efeito equivalente de elevação do HDL-C e podem, de
fato, diminuir as concentrações de HDL-C 72, um efeito
potencialmente prejudicial.
Em segundo lugar, considerando alterações nas concentrações
de LDL-C isoladamente, não se reconhece a importância das mudanças nas
distribuições de subfração de partículas, especificamente os efeitos
aterogênicos das partículas pequenas e densas de LDL, em comparação com o efeito
relativamente neutro de grandes partículas de LDL.
Como as concentrações séricas de TG estão inversamente
relacionadas com o tamanho das partículas LDL, 82, 83 (ou seja: quanto menor a taxa de triglicerídeos maior o tamanho das partículas densas, e são as partículas pequenas e densas as mais associadas a risco cardíaco, NT) a diminuição induzida pela LCHF nas concentrações de TG no sangue indica uma
distribuição menos aterogênica destas subfrações de partículas LDL. De fato,
as dietas LCHF reduzem consistentemente a proporção de partículas de LDL
pequenas e densas enquanto aumentam o número de partículas grandes e
flutuantes do LDL.3, 30, 72, 75, 84, 85
Terceiro, um efeito aparente de aumento de LDL-C da dieta LCHF pode ser um artefato se as concentrações do LDL-C forem previstas (calculadas) a partir
de medições de colesterol total, HDL-C e TG usando a equação de Friedewald.
Mesmo quando todas as outras medições estão inalteradas, essa equação irá prever
um aumento nas concentrações de LDL-C (não medidas diretamente, mas sim calculadas pela fórmula) sempre que as concentrações
de TG no sangue caírem, como acontece nas pessoas que se alimentam com dietas LCHF. De
fato, as concentrações de LDL-C preditas pela equação de Friedewald tornam-se
cada vez mais imprecisas em concentrações de TG reduzidas no sangue, 86
uma resposta típica nos indivíduos que comem a dieta LCHF.
Em quarto lugar, a importância biológica destes aumentos
relativamente pequenos no LDL-C é desconhecida nas pessoas que comem dietas
LCHF e em quem haverá distribuição de aumento do tamanho das partículas LDL e reduções nas concentrações nocivas de gordura saturada em
sangue 72, 87 bem como outras alterações biológicas positivas, incluindo concentrações reduzidas de ApoB, 3, 72 melhorias na dilatação fluxo-mediada arteriolar , 71 diminuição dos biomarcadores
inflamatórios, 49 redução da pressão arterial sistólica e diastólica, 3 controle glicêmico melhorado com redução da HbA1c, e nas concentrações plasmáticas de glicose
e de insulina, 14 e perda de peso
preferencial das vísceras abdominais, indicando uma maior redução da gordura visceral,
incluindo a gordura hepática. Espera-se que todas essas mudanças nos valores mensuráveis reduzam substancialmente o risco cardiovascular.3, 47
Na verdade, outro efeito único da dieta LCHF é reverter
NAFLD, particularmente naqueles com resistência à insulina (RI) e Dislipidemia
Aterogênica (DA).
No entanto, a variabilidade na resposta de LDL-C à dieta LCHF
deve ser considerada e os marcadores da RI e da DA devem ser monitorizados em
pacientes que adotam esse padrão alimentar.
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As fases da esteatose - a última fase é irreversível.
A segunda é a mais comumente encontrada em ecografias abdominais realizadas em check-ups de rotina. |
Esteatose, Distúrbio nos lipídios do sangue e LCHF
A doença cardiovascular é a principal causa de morte na esteatose
(NAFLD) 88, uma condição que provoca elevadas concentrações de triglicerídeos
(TG) e taxas reduzidas de colesterol HDL associado à sobre produção de
lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e diminuição da depuração de
lipoproteínas ricas em TG.89, 90 A resistência à insulina hepática
também está aumentada em pessoas com fígado gordo91, como
demonstrado pela supressão inadequada da produção de glicose hepática pela
insulina nessa situação (NAFLD).92
Recentemente, Bril et al 91 demonstraram que a
esteatose com resistência à insulina é a causa do distúrbio de lipídios do
sangue caracterizado por todas essas características, incluindo a elevação no número
de partículas LDL densas e pequenas (Padrão B).
Uma vez que a NAFLD é causada por excesso de carboidratos,
especialmente a ingestão de frutose, 93-95 a descoberta de que uma
dieta LCHF restrita em carboidratos pode reverter distúrbio de lipídios (já
citado) é mais facilmente explicada. A dieta LCHF reverte a NAFLD e consequentemente
o distúrbio lipídico que causa.
Em contraste, o aumento gradual da ingestão de carboidratos
está associado a aumentos progressivos na proporção de ácido palmitoléico
plasmático, o que pode ser sinal de comprometimento do metabolismo dos
carboidratos, mesmo sob condições de balanço energético negativo e perda
significativa de peso. Esses achados contradizem a perspectiva de que a gordura
saturada na dieta possa ser perniciosa e ressaltam a importância de considerar
o nível de carboidratos na dieta que acompanha o consumo de gordura saturada.87
Em resumo, embora a resposta das concentrações de colesterol
LDL no sangue às dietas de LCHF possa ser variável, aumentando em algumas, as
mudanças simultâneas em muitos outros marcadores de sangue sugerem que este
plano de alimentação melhora a saúde cardiovascular. Especificamente, os
pacientes com altas proporções de TG para HDL-C (relação é divisão da taxa de triglicerídeos por HDL, onde o quociente deve
ser menor ou igual a dois, NT) e gordura no fígado (quando a quantidade de triglicerídeos no fígado é maior que 55mg/g do
órgão, NT), todos os quais são comuns em indivíduos com resistência à
insulina em dietas alimentares reduzidas em gorduras e ricas em carboidratos (LFHC),
sendo os mais propensos a se beneficiar da dieta LCHF. De fato, uma recente
tentativa de intervenção no estilo de vida reduziu a prevalência de síndrome
metabólica de 58% para 19% entre pacientes obesos e com excesso de peso
tratados com LCHF por um período tão curto quanto 3 a 8 meses, indicando o quão
rapidamente a restrição de carboidratos pode melhorar a saúde naqueles que
apresentam resistência à insulina.
A publicação original (em inglês) e todas as referências estão
AQUI