domingo, 21 de fevereiro de 2016

Estudo com ratos x estudo com ratos - quem tem mais razão?


ESTUDOS COM RATOS E RESULTADOS DIFERENTES: QUEM TEM MAIS RAZÃO?


Várias revistas e magazines publicaram um artigo que estudava os efeitos da dieta low carb em ratos, documentando que haveria um efeito negativo nos animais de laboratório. Não deveriam ter esquecido que os ratos são presumivelmente omnívoros eventuais, mas positivamente mais herbívoros. Ainda assim esse tipo de artigo pode ganhar algum espaço na mídia. Isso talvez tenha mais a ver com a discussão que está posta ao redor das dietas low-carb/paleo, considerando ser um dos tópicos mais pesquisados no google nos últimos dois anos em todo o planeta.
Mas é interessante que esse estudo se contrapõe a outros como esse, cujo resumo é publicado a seguir.
Se trata de um estudo com menos repercussão na mídia, algo curioso, mas eventualmente compreensível diante dos embates que possivelmente estejam ocorrendo nos tempos de hoje, o que nos leva a crer que há algum tipo de seletividade na divulgação de temas de pesquisa no campo da nutrição.
Link desse artigo com o seguinte título:
Mudanças adapatativas no metabolismo de amino-ácidos permite longevidade normal em ratos que consomem um dieta cetogênica com redução de carboidratos.
(Adaptive changes in amino acid metabolism permit normal longevity in mice consuming a low-carbohydrate ketogenic diet.)

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26170063



A ingestão de uma dieta cetogênica com um teor muito reduzido em carboidratos (KD) está associada com a perda de peso, diminuição da glicose e dos níveis de insulina e de uma melhora da sensibilidade à insulina sistêmica. No entanto, os efeitos benéficos da ingestão no longo prazo têm sido objeto de debate. Por isso, foi estudado os efeitos do consumo ao longo da vida nesta dieta, em ratos. As análises metabólicas completas foram realizadas após 8 e 80 semanas de dieta. Além disso foi realizada uma análise metabólica pelo sangue e analisada a expressão gênica hepática. O consumo ao longo da vida sob a KD não teve efeito sobre a morbidade ou mortalidade (KD vs. Ração, 676 vs. 630 dias), apesar da esteatose hepática e inflamação em camundongos KD. Os ratos perderam peso alimentados sob a KD inicialmente como já relatado anteriormente e mantiveram-se com menos peso e menos gordura na massa corporal (Kennedy et al., 2007); os camundongos que consumiram a KD tinham níveis mais elevados de gasto de energia, melhoria da homeostase da glicose e os níveis circulantes mais elevados de β-hidroxibutirato e triglicérides do que os controles alimentados com a ração habitual. A expressão hepática dos reguladores metabólicos críticos incluindo o fator de crescimento de fibroblastos 21 também foram mais elevados em ratos alimentados com a dieta cetogênica (KD), enquanto os níveis de expressão das enzimas lipogênicas tais como a delta-9 desaturase foi reduzida. A análise metabólica revelou alterações de compensação no metabolismo de aminoácidos, envolvendo principalmente a sub-regulação de processos catabólicos, o que demonstra que os ratinhos que comem a KD podem deslocar o metabolismo de aminoácidos para conservar os níveis de aminoácidos. A alimentação KD no longo prazo causa profundas e persistentes alterações metabólicas, a maioria das quais são vistas como promotoras da saúde, e não teve efeitos adversos sobre a sobrevivência em camundongos

Artigo de debate aqui:
http://www.nature.com/nutd/journal/v6/n2/full/nutd20162a.html

Outro artigo do mesmo pesquisador deixa uma dúvida sobre seus interesses:

http://www.heraldsun.com.au/news/victoria/how-sugar-with-a-burger-could-be-healthier/news-story/b806e60ee1ded5da9b1c248a498c3a0a

Não devemos crer - precisamos ler, estudar e criticar...




A importância do microbioma intestinal para a nutrição infantil


Criança subnutrida do Malauí
Foto da revista Science de Fev/2016
Os micróbios intestinais corretos auxiliam no desenvolvimento infantil

Estudos apontam para o caminho de usar terapia microbiana para combater as graves consequências da má nutrição

Quase 180 milhões de crianças em todo o mundo são raquíticas, uma consequência grave e incapacitante da desnutrição e de infecções de repetição na infância, o que as coloca em risco de comprometimento cognitivo e doença. Novos estudos apontam agora para um outro personagem para a subnutrição: o microbioma intestinal. A combinação certa de micróbios, ao que parece, pode fazer pender a balança entre baixa estatura e o crescimento saudável, mesmo quando as calorias são escassas - uma promissora, mesmo preliminar, pista para possíveis intervenções.
Os três estudos, relatados em questões desta semana das revistas Science e Cell, "é um divisor de águas na saúde global em geral, e na nutrição especificamente", diz William Petri, Jr., especialista em doenças infecciosa na Universidade de Virginia em Charlottesville. Petri não estava envolvido no trabalho em curso, mas ele passou anos rastreando a saúde dos lactentes em Bangladesh. Ele e outros têm sido frustrados pela incapacidade dos suplementos alimentares em reverter os efeitos negativos da má nutrição.
Quando Petri percebeu que as bactérias do intestino podem influenciar na obesidade, ele refletiu que elas também influenciariam na resposta de uma pessoa para a fome. Assim, ele e Tahmeed Ahmed, do Centro Internacional para a pesquisa da doença diarreica em Bangladesh uniram-se com Jefrey Gordon, um microbiologista da Universidade de Washington em St. Louis, no Missouri, para coletar amostras de fezes mensais de crianças de Bangladesh, saudáveis ​​e desnutridas com menos de dois anos. Petri e Gordon descobriram que a medida que as crianças amadurecem, sua comunidade de bactérias intestinais normalmente muda também. Mas, como eles relataram, em 2014, as crianças raquíticas não tinha a comunidade bacteriana apropriada para sua idade, mas uma mais "imatura", típica de uma criança mais nova.
Na Science desse mês (fev, 2016, pg. 830), a equipe de Gordon relata ter encontrado o mesmo padrão em crianças no Malawi, e apresentam evidências de que essas comunidades microbianas influenciam o crescimento. Trabalhando com camundongos criados para não ter nenhum micróbio em seus intestinos, a estudante Laura Blanton, da equipe de Gordon, os alimentou um mas da mesma comida tipicamente consumidos por crianças do Malauí. Os ratos livres de germes que receberam o microbioma "imaturo" das crianças com sintomas de desnutrição tiveram um crescimento prejudicado, ao passo que os ratos com a mesma dieta que receberam o microbioma "maduro" das crianças saudáveis tiveram mais músculos e desenvolvimento de ossos aparentemente mais densos.
François Leulier, um biólogo da École Normale Supérieure de Lyon na França, e colegas, relatam uma descoberta semelhante, publicada nessa mesma revista Science (pg. 854). Em seu pós-doutorado Martin Schwarzer mostrou que os ratos jovens, livres de germes não desenvolvem tanta musculatura ou tem um crescimento ósseo tão grande como os ratos que têm o complemento normal de bactérias, mesmo quando comem a mesma quantidade de alimento. A equipe também vislumbrou um mecanismo: Eles descobriram que os micróbios afetam os próprios hormônios dos animais.
Em animais saudáveis, o hormônio do crescimento estimula um aumento de um segundo hormônio, o fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), que por sua vez promove o crescimento do tecido. Ratos livres de germes ainda tem a mesma quantidade do hormônio de crescimento como os outros ratos, mas a atividade do IGF-1 no sangue, fígado e músculos é menor, foi o que a equipe de Leulier encontrou. Não é claro como os micróbios influenciam os hormônios. Mas os ratos livres de germes que receberam injeções ​​com IGF-1 obtiveram o seu crescimento a semelhança dos outros ratos, assim como dando-lhes uma estirpe particular de lactobacillus.
Uma avaria nesta conexão microbioma-hormonal pode ajudar a explicar o nanismo em crianças subnutridas. Mas por que apenas algumas delas acabam com um microbioma imaturo? No estudo da Cell, o estudante de graduação Mark R. CharBonneau, e os seus colegas, da equipe de Gordon, mostram que a amamentação pode ajudar os micróbios a se estabelecerem corretamente e definir o crescimento do bebê para a trajetória certa. Mães saudáveis ​​produzem tipicamente moléculas modificadas de açúcar chamada ácido sialico, um oligossacarídeo do leite humano (em inglês: sialylated human milk oligosaccharides). Os bebês não fazem uso desse nutriente, mas os micróbios do intestino prosperam a partir eles, pesquisas recentes já mostraram (Science, 15/08/2014, pg. 747). O novo trabalho mostra que as mães de crianças que apresentam sinais de desnutrição severa produzem uma menor quantidade desse “alimento” do microbioma.


Quando os pesquisadores adicionaram oligossacarídeos purificados de soro de leite na dieta malauí dos com micróbios de uma criança gravemente desnutrida, os camundongos tinham crescimento de mais músculo, ossos maiores, e tinham "mudanças dramáticas" no cérebro e no metabolismo do fígado, Gordon diz. Ele especula que pelo processamento destes açúcares, as bactérias podem, por sua vez produzir blocos de construção moleculares para ajudar o corpo do hospedeiro a crescer bem. O grupo também tem visto este efeito benéfico em leitões sem germes, cuja fisiologia é mais semelhante à humana do que os ratos, eles relatam.
Para David Relman, microbiologista da Universidade de Stanford em Palo Alto, Califórnia, as implicações são "profundas. ... O estado nutricional das crianças pode ser modificado por meio de manipulação da microbiota intestinal”. Gordon e Leulier planejam testar essa possibilidade nas pessoas, particularmente nas crianças desnutridas, este ano com intervenções dietéticas.
Um probiótico seguro e efetivo "seria fenomenal", diz Petri. O sucesso em animais de laboratório pode não se traduzir para os seres humanos, é claro. E os pesquisadores precisam ter certeza de que quaisquer micróbios adicionados não causam efeitos indesejados, tais como doença inflamatória ou a obesidade, acrescenta Eric Pamer, especialista em doenças infecciosas da Sloan Kettering Cancer Center Memorial em Nova York. Mas uma coisa é certa, ele diz: "O potencial impacto para a saúde da microbiota é surpreendente."

Texto da Revista Science de Fevereiro de 2016, página 802

Artigo de Elizabeth Pennisi


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Ruminantes e metano - uma proteção ao ambiente



RUMINANTES E METANO: NÃO CULPE OS ANIMAIS


O artigo a seguir foi publicado recentemente pela publicação semanal australiana de temas de ecologia (e outros)  GreenLeft. É um artigo que faz uma ponderada crítica à forma que a grande mídia, incluindo certos grupos de defesa ambiental, lida com o tema ruminantes x metano x efeito estufa. Aqui no blog já publiquei um longo e elucidativo artigo de 2008 sobre o mesmo tema (LINK). Nesse, o foco é o ciclo do carbono e o papel fundamental do gado, (bovino, ovinos, caprinos etc.) para justamente melhor ajustar o metano e o carbono com todo o ecossistema envolvido em pastagens naturais. A boa ciência e a informação são fundamentais para que se crie um processo de mudança positiva. Esse é um território onde o preconceito e a ignorância têm andados juntos para tornar cada vez mais árido o futuro ambiental, sendo conduzidos com simpáticos e espirituais adjetivos e concepções, o que faz com que muitos incautos acreditem e sigam nesciamente. Mais uma vez é a divulgação de informações e pesquisas que podem mudar o futuro. Vejamos então o artigo:

Título original:

Ruminants and methane: Not the fault of the animals

16 de Janeiro de 2016
  
Bovinos e ovinos são acusados ​​de contribuírem com os gases do efeito estufa, por expelir arrotos e flatos de metano, e os agricultores no futuro estarão sujeitos de serem tributados por causa disso.
No recente conjunto de tópicos de retirada pela mudança climática da Green Left Weekly [questão # 1078] se apela para uma redução drástica nos números de ovinos e bovinos. Há um anúncio de TV, pedindo às pessoas para "serem vegetarianas para salvar o planeta". Este é um brutal equívoco sobre o ciclo de carbono dos ruminantes.
Ruminantes sempre emitiram metano; não é algo novo. Enormes rebanhos de búfalo selvagem, gado, cabras, ovelhas, veados, camelos e gnus têm pastado pelos campos do mundo há milhões de anos. As pradarias americanas já suportaram um maior número de bisontes do que o gado de agora, apesar da produção intensiva de milho e de soja que o alimenta.
Bactéria metanotrófica:
Uma bactéria aeróbica com a capacidade para crescer em metano como a sua única fonte de carbono e energia
As emissões de metano dos ruminantes selvagens nunca foram um problema, porque a natureza não permite resíduos (na natureza não existe lixo, NT)- o metano é utilizado como alimento para as bactérias metanotróficas no solo e neutralizado. Ele nunca foi um problema até que as práticas agrícolas começaram a destruir estas bactérias metanotróficas, que são muito sensíveis aos fertilizantes químicos e herbicidas. Estas bactérias se reativam em um solo biologicamente manejado (Mais informações sobre essas bactérias nesse link do departamento de energia do EUA).
No entanto, o metano não é o quadro completo. Quando a contribuição do gado para o sequestro de carbono do solo é levada em conta, é fácil ver que os ruminantes não aumentam os gases de efeito estufa se forem bem administrados.
Os solos de pastagem são os maiores sequestradores de carbono - mais do que as florestas. Em primeiro lugar o metro do solo de pastagens onde há uma média de 236 toneladas de carbono, em comparação com 96 dos solos florestais temperadas e 80 das terras cultiváveis.
As pastagens precisam dos animais para se manterem saudáveis. Esses imensos gramados, quando são bem geridos com pastoreio rotativo e o adequado tempo de recuperação - como o são por manadas selvagens e por arrebanhadores, vaqueiros e pastores de cabras e um número crescente de pecuaristas – que verdadeiramente bombeiam o carbono ao solo. Se mal gerido, excessivamente estocado e crescido os pastos ficam exauridos e perdem carbono. Não são os animais que provocam o dano, mas a forma como são geridos.
As raízes de gramíneas bombeiam até 40% dos hidratos de carbono que fabricam no solo para alimentar as populações microbianas, que, por sua vez, liberam os nutrientes trancados do solo que as gramíneas podem usar.
Solo com e sem micorrizas
O mais importante destes micróbios são micorrizas (mycorrhizal fungus), que invadem as raízes da planta e, pela sua rede de micélios efetivamente ampliam a área de raízes do forrageamento das gramíneas em dez vezes, permitindo que a pastagem sobreviver nas secas. Um subproduto deste processo é a formação de húmus, a forma estável de carbono do solo.
No entanto, as micorrizas são dizimadas por nitrato e fosfato de fertilizantes, herbicidas e fungicidas e tornam-se inativas em solo sem manejo biológico.
Pesquisa da Strathfieldsaye Estate, uma fazenda que produz carne orgânica em Gippsland, mostrou que ao longo de um período de quatro anos de pastoreio planejado, os níveis de carbono no solo têm aumentado em 20-30% na sua superfície e 200% no subsolo. Este sistema, que muitos agricultores estão utilizando, está sequestrando grandes quantidades de carbono da atmosfera.
A alimentação muito gado é um assunto completamente diferente. A produção de milho, soja e grãos para alimentar o gado é destrutivo para o carbono do solo, porque a lavoura destrói a matéria orgânica do solo, os fertilizantes de nitrato que o queima, e o desmatamento, particularmente na América Latina, que é implementado para plantar estas culturas para a alimentação animal.
Há também uma grande liberação através dos fertilizantes a base de nitrato de óxido nitroso para a atmosfera. O óxido nitroso é 300 vezes mais potente como um gás de efeito estufa do que o dióxido de carbono.
O confinamento é uma atividade agrícola irresponsável não só pelas razões da destruição de carbono. É altamente ineficiente e produz carne de má qualidade. Há a demanda de pelo menos cinco quilos de proteína de grãos para se produzir um quilo de proteína de carne e 40% da colheita mundial de grãos destina-se para alimentar o gado.
O gado não é naturalmente um comedor de grãos, e sendo forçado a comer esses grãos se produzem danos aos seus órgãos internos e um convite para as doenças que têm que serem tratadas com antibióticos para manter os animais vivos.
Gado, cabras e ovelhas convertem a celulose que não podemos digerir em leite e carne que podemos consumir, e as ovelhas ainda produzem lã.
Bem gerido, eles tomam o carbono da atmosfera e os colocam no solo. Eles tornam áreas que de outra forma seriam improdutivas em ambientes férteis.
A pecuária é uma parte essencial de qualquer ecossistema - não existe um ecossistema natural de terra no mundo que seja desprovido de animais. Sob padrões orgânicos todos os agricultores precisam ter animais como parte de seu sistema produtivo, e eles deveriam mesmo ter para processar os resíduos das colheitas e ativar o solo.
Gado criado no pasto (Vernon Valley Farm)

Precisamos de mais bovinos e ovinos na Austrália, não menos. Muitas áreas de cultivo têm dispensado totalmente as ovelhas e substituindo o papel dos ovinos no manejo de plantas daninhas com agrotóxicos (herbicidas) e nitratos, os grandes destruidores de carbono do solo. Para uma agricultura sustentável, os animais devem ser trazidos de volta.
Não há absolutamente nenhuma justificativa para que os produtores de gado alimentados no pasto serem punidos pelo comércio de carbono(*), ou para que organizações ambientais peçam a redução de seus rebanhos.

[Alan Broughton é um pesquisador da agricultura biológica e professor de Strathfieldsaye Estate.]





(*) Entenda como funciona o mercado de créditos de carbono nesse link: