sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A nossa amiga - a febre


O momento para deixar a febre seguir o seu curso
Numerosos estudos nos últimos anos mostraram que a redução da febre prejudica a capacidade do seu corpo de se recuperar de uma doença.

A febre não é uma doença. É a tentativa do corpo de combater a doença. Portanto, quando tratamos febre com antipiréticos, como acetaminofeno (Tylenol) ou ibuprofeno (Alivium), apenas estamos algemando uma parte importante da nossa resposta imune. Embora possa parecer contraditório, vários estudos atuais demonstraram que os antipiréticos aumentam a gravidade das infecções. Chegou a hora de superar nosso medo da febre.
Muito foi aprendido sobre a importância da febre de estudos em animais, que podem ser divididos em dois grupos: ectotérmicos e endotérmicos.
Ectotérmicos regulam a temperatura corporal usando o meio ambiente. Por exemplo, quando os lagartos querem aumentar a temperatura, eles escalam até o topo de uma rocha e se expõem ao sol. Quando querem abaixá-la, eles rastejam sob a rocha.
Os mamíferos, por outro lado, são endotérmicos. Para aumentar a temperatura corporal, nosso sistema imunológico libera substâncias químicas chamadas citoquinas (como interleucina-1, interleucina-2, interleucina-6, interleucina-8, fator de necrose tumoral e outras) que viajam para uma parte do cérebro chamada hipotálamo e realinha a temperatura corporal para um nível mais alto. Para alcançar uma temperatura mais alta, trememos, enrolamo-nos em cobertas, usamos roupas quentes e fazemos o fluxo do sangue derive das extremidades de nossos braços e pernas em direção ao nosso centro corporal.
Em meados da década de 1970, Matthew Kluger, cientista do Departamento de Fisiologia da Universidade de Michigan, realizou uma experiência pioneira. Ele infectou lagartos com uma bactéria chamada Aeromonas hydrophila. Então ele colocou os lagartos nas câmaras a 38 C (temperatura normal do lagarto), 40 C (febre baixa) e 42 C (febre alta). À temperatura normal, 75 por cento dos lagartos morreram, com baixa febre, 33 por cento e com alta febre, zero por cento. Essas descobertas foram posteriormente estendidas a peixes dourados infectados com Aeromonas, camundongos infectados com vírus Coxsackie B ou a bactéria Klebsiella, coelhos infectados com Pasteurella e cães infectados com vírus do herpes. Em todos os casos, os animais proibidos de terem febre eram mais propensos a sofrer ou a morrer. Todos esses estudos provaram, como Kluger postulou, que a febre era uma parte adaptativa, fisiológica e necessária da resposta imune.
A primeira evidência de que a febre era importante nas pessoas veio antes que Kluger realizasse seus estudos em animais. No início dos anos 1900, antes que os antibióticos para tratar as infecções bacterianas fossem descobertos, Wagner von Jauregg injetou parasitas de malária na corrente sanguínea de pessoas com sífilis. Os parasitas causaram altas febres e calafrios durante vários dias, após o que tratou os pacientes com quinina: um medicamento antiparasitário que estava disponível desde meados dos anos 1800. Ele descobriu que as febres altas causadas pela malária curavam a sífilis. Por esses resultados, von Jauregg ganhou o Prêmio Nobel em 1927. Suas observações foram posteriormente estendidas para incluir o uso de febre para tratar a gonorreia.


Von Jauregg mostrou que a febre poderia ser usada para tratar infecções, o que inicia o questionamento sobre se a redução da febre piorava as infecções. Muitos estudos já foram realizados em crianças e adultos para abordar esta questão. Os resultados foram consistentes:

• Antipiréticos prolongaram a excreção de bactérias – salmonelas - em pessoas que sofrem desta infecção intestinal.
• Crianças com infecções sanguíneas (sepsis) ou pneumonia eram mais propensas a morrer se suas temperaturas fossem menores.
• Antipiréticos prolongam os sintomas em pacientes infectados com influenza.
• Antipiréticos prolongam a excreção viral e agravam sintomas em voluntários infectados experimentalmente com um vírus comum de resfriados chamado rinovírus ( PDF ).
• Antipiréticos atrasaram a resolução de sintomas em crianças com varicela.
Consistente com estas observações clínicas, estudos recentes mostraram por que a febre é tão valiosa. Em temperaturas mais elevadas, os glóbulos brancos (neutrófilos), células B e células T funcionam melhor. Cada um desses componentes do sistema imunológico é importante na resolução de infecções. Os neutrófilos matam bactérias. As células B produzem anticorpos que neutralizam vírus e bactérias. E as células T matam células infectadas por vírus.
Com toda essa informação, por que estamos tão atentos ao tratamento da febre? Por que somos tão “febrofóbicos”? Uma razão é que nós equiparamos febre com doença. Assumimos que se obtemos a redução da febre diminuímos o grau de doença, quando o contrário parece ser a verdade. Outra razão é o medo de que febres altas possam causar danos cerebrais - uma preocupação que não foi obtida sob uma análise científica. Mais uma razão é a noção de que o tratamento da febre irá prevenir convulsões febris, um fenômeno que, apesar de assustador, não causa danos permanentes. Na verdade, os antipiréticos também não impedem a convulsão febril.
Provavelmente, o motivo mais comum para tratar a febre é que nos sentimos mais confortáveis ​​quando nossas temperaturas são normais. A febre aumenta a taxa metabólica básica, fazendo com que respiremos mais rápido e nossos corações passem a bater mais rápido. Quando temos febre, tudo o que queremos fazer é ficar na cama e beber líquidos, o que é exatamente o que devemos fazer em vez de trabalhar ou ir à escola e infectar os outros. A febre é um sinal de que devemos nos isolar do grupo.
As empresas farmacêuticas não ajudaram. Com anúncios como "Abaixe essa temperatura!" "Apenas o que o médico orientou" e "Quando a febre e as dores deixam o Pedrinho amolado: Tylenol!", somos constantemente bombardeados com a noção de que a febre é ruim e deve ser reduzida ou eliminada .
Curisamente, Hipócrates, que viveu em torno de 400 aC, tinha razão. Ele acreditava que a doença era causada quando um dos quatro humores (bílis negra, bílis amarela, sangue e fleuma) fosse produzida em excesso. A febre, de acordo com Hipócrates, cozia o humor bruto, levando à cura. Então, em 1899, a empresa alemã Bayer inventou a aspirina. A partir daí, de repente, tornou-se importante tratar a febre, popularizada pelo conselho: "Pegue duas aspirinas e ligue-me pela manhã".
Na análise final, deveríamos ter escutado Hipócrates.
Paul A. Offit, MD, é professor de pediatria e diretor do Centro de Educação de Vacinas no Children's Hospital of Philadelphia. Seu livro mais recente é o Laboratório de Pandora: Seven Stories of Science Gone Wrong (National Geographic Press, abril de 2017).

Link do original:


Publicado em 15/10/2017
The Daily Beast

Foto do site: http://wikisickness.com/fever.html

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