Numerosos
estudos nos últimos anos mostraram que a redução da febre prejudica a
capacidade do seu corpo de se recuperar de uma doença.
A febre não é uma doença. É a
tentativa do corpo de combater a doença. Portanto, quando tratamos febre
com antipiréticos, como acetaminofeno (Tylenol) ou ibuprofeno (Alivium), apenas
estamos algemando uma parte importante da nossa resposta imune. Embora
possa parecer contraditório, vários estudos atuais demonstraram que os
antipiréticos aumentam a gravidade das infecções. Chegou a hora de superar
nosso medo da febre.
Muito
foi aprendido sobre a importância da febre de estudos em animais, que podem ser
divididos em dois grupos: ectotérmicos e endotérmicos.
Ectotérmicos regulam a temperatura
corporal usando o meio ambiente. Por exemplo, quando os lagartos querem
aumentar a temperatura, eles escalam até o topo de uma rocha e se expõem ao sol. Quando
querem abaixá-la, eles rastejam sob a rocha.
Os
mamíferos, por outro lado, são endotérmicos. Para aumentar a temperatura
corporal, nosso sistema imunológico libera substâncias químicas chamadas
citoquinas (como interleucina-1, interleucina-2, interleucina-6,
interleucina-8, fator de necrose tumoral e outras) que viajam para uma parte do
cérebro chamada hipotálamo e realinha a temperatura corporal para um nível mais
alto. Para alcançar uma temperatura mais alta, trememos, enrolamo-nos em
cobertas, usamos roupas quentes e fazemos o fluxo do sangue derive das
extremidades de nossos braços e pernas em direção ao nosso centro corporal.
Em
meados da década de 1970, Matthew Kluger, cientista do Departamento de
Fisiologia da Universidade de Michigan, realizou uma experiência pioneira. Ele
infectou lagartos com uma bactéria chamada Aeromonas hydrophila. Então ele
colocou os lagartos nas câmaras a 38 C (temperatura normal do lagarto), 40 C
(febre baixa) e 42 C (febre alta). À temperatura normal, 75 por cento dos
lagartos morreram, com baixa febre, 33 por cento e com alta febre, zero por
cento. Essas descobertas foram posteriormente estendidas a peixes dourados
infectados com Aeromonas, camundongos infectados com vírus Coxsackie B ou a bactéria
Klebsiella, coelhos infectados com Pasteurella e cães infectados com vírus do herpes. Em
todos os casos, os animais proibidos de terem febre eram mais propensos a sofrer
ou a morrer. Todos esses estudos provaram, como Kluger
postulou, que a febre era uma parte adaptativa, fisiológica e necessária da
resposta imune.
A
primeira evidência de que a febre era importante nas pessoas veio antes que
Kluger realizasse seus estudos em animais. No início dos anos 1900, antes
que os antibióticos para tratar as infecções bacterianas fossem descobertos,
Wagner von Jauregg injetou parasitas de malária na corrente sanguínea de
pessoas com sífilis. Os parasitas causaram altas febres e calafrios
durante vários dias, após o que tratou os pacientes com quinina: um medicamento
antiparasitário que estava disponível desde meados dos anos 1800. Ele
descobriu que as febres altas causadas pela malária curavam a sífilis. Por
esses resultados, von Jauregg ganhou o Prêmio Nobel em 1927. Suas observações
foram posteriormente estendidas para incluir o uso de febre para tratar a
gonorreia.
Von Jauregg mostrou que a febre poderia ser usada para tratar infecções, o que inicia o questionamento sobre se a redução da febre piorava as infecções. Muitos estudos já foram realizados em crianças e adultos para abordar esta questão. Os resultados foram consistentes:
• Antipiréticos prolongaram a
excreção de bactérias – salmonelas - em pessoas que sofrem desta infecção
intestinal.
• Crianças com infecções sanguíneas
(sepsis) ou pneumonia eram mais propensas a morrer se suas temperaturas
fossem menores.
•
Antipiréticos prolongam os sintomas em
pacientes infectados com influenza.
•
Antipiréticos prolongam a excreção viral e agravam sintomas em voluntários
infectados experimentalmente com um vírus comum de resfriados chamado rinovírus
( PDF ).
•
Antipiréticos atrasaram a
resolução de sintomas em crianças com varicela.
Consistente com estas observações
clínicas, estudos recentes mostraram por que a febre é tão valiosa. Em
temperaturas mais elevadas, os glóbulos brancos (neutrófilos), células B e
células T funcionam melhor. Cada um desses componentes do sistema
imunológico é importante na resolução de infecções. Os neutrófilos matam
bactérias. As células B produzem anticorpos que neutralizam vírus e
bactérias. E as células T matam células infectadas por vírus.
Com
toda essa informação, por que estamos tão atentos ao tratamento da febre? Por
que somos tão “febrofóbicos”? Uma razão é que nós equiparamos febre com
doença. Assumimos que se obtemos a redução da febre diminuímos o grau de
doença, quando o contrário parece ser a verdade. Outra razão é o medo de
que febres altas possam causar danos cerebrais - uma preocupação que não foi obtida
sob uma análise científica. Mais uma razão é a noção de que o tratamento
da febre irá prevenir convulsões febris, um fenômeno que, apesar de assustador,
não causa danos permanentes. Na verdade, os antipiréticos também não
impedem a convulsão febril.
Provavelmente,
o motivo mais comum para tratar a febre é que nos sentimos mais confortáveis quando nossas temperaturas são normais. A febre aumenta a taxa metabólica básica,
fazendo com que respiremos mais rápido e nossos corações passem a bater mais
rápido. Quando temos febre, tudo o que queremos fazer é ficar na cama e
beber líquidos, o que é exatamente o que devemos fazer em vez de trabalhar ou ir
à escola e infectar os outros. A febre é um sinal de que devemos nos
isolar do grupo.
As
empresas farmacêuticas não ajudaram. Com anúncios como "Abaixe essa
temperatura!" "Apenas o que o médico orientou" e "Quando a
febre e as dores deixam o Pedrinho amolado: Tylenol!", somos
constantemente bombardeados com a noção de que a febre é ruim e deve ser
reduzida ou eliminada .
Curisamente, Hipócrates, que viveu em torno de 400 aC, tinha razão. Ele
acreditava que a doença era causada quando um dos quatro humores (bílis negra,
bílis amarela, sangue e fleuma) fosse produzida em excesso. A febre, de
acordo com Hipócrates, cozia o humor bruto, levando à cura. Então, em
1899, a empresa alemã Bayer inventou a aspirina. A partir daí, de repente,
tornou-se importante tratar a febre, popularizada pelo conselho: "Pegue
duas aspirinas e ligue-me pela manhã".
Na
análise final, deveríamos ter escutado Hipócrates.
Paul A. Offit, MD, é
professor de pediatria e diretor do Centro de Educação de Vacinas no Children's
Hospital of Philadelphia. Seu livro mais recente é o
Laboratório de Pandora: Seven Stories of Science Gone Wrong (National Geographic Press, abril de 2017).
Link do original:
Publicado em 15/10/2017
The Daily Beast
Foto do site: http://wikisickness.com/fever.html
The Daily Beast
Foto do site: http://wikisickness.com/fever.html
Muito bom!
ResponderExcluirMuito obrigado Maria Anice.
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