Não comer carne - entre a ciência e a admonição (parte II)
Esta é a segunda parte dessa substanciosa revisão sobre a segurança do consumo de carne para o ser humano. As considerações críticas são alicerçadas em subsídios técnicos. Aqui a principal é a mensagem que não pode ser esquecida - o consumo de carne faz parte da alimentação humana e de seu esplêndido sucesso evolutivo. As preocupações atuais extrapolam aspectos biológicos, até certo ponto meio óbvios. Porém uma nuvem científica foi associada a posição anti-carne das últimas duas décadas em especial. Esse artifício pode expor indivíduos supostamente bem intencionados ou que se julgam adequadamente informados a riscos a sua saúde ou principalmente aos seus entes queridos. Não há problema em seguir teologias, filosofias ou outros ideários (restritivos) de comportamento. Mas não parece ético envolver um status de boa ciência a essa postura. De qualquer maneira dizer que é intrinsicamente saudável uma alimentação que obriga seus adeptos a precisar de suplementos é no mínimo uma afronta a inteligência de quem realmente está preocupado com a integridade da informação.
As diretrizes alimentares devem recomendar baixa ingestão de carne vermelha? (continuação)
4. Os benefícios nutricionais da carne
Ao longo da história humana, a carne forneceu uma ampla gama de
nutrientes valiosos que nem sempre são facilmente obtidos (ou disponíveis) a
partir de materiais vegetais (Williams, 2007; McAfee et al., 2010; Pereira
& Vicente, 2013; Young
et al., 2013; McNeill, 2014; Leroy
et al., 2018b). Um
dos principais ativos da carne é, obviamente, seu alto valor proteico (Burd et
al., 2019),
com especialmente lisina, treonina e metionina em falta nas dietas derivadas
de plantas. Traz vitaminas B (com a vitamina B12 restrita apenas a fontes animais),
vitaminas A, D e K2 (principalmente por meio de carnes de órgãos) e vários
minerais com ferro, zinco e selênio sendo de particular
importância. Além disso, os ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa EPA e DHA - presentes em
fontes animais - são apenas mal obtidos in vivo a partir da
conversão do ácido α-linolênico – ALA - (Cholewski et al., 2018),
tornando as plantas uma fonte abaixo do ideal. Apesar de ser negligenciada
na maioria das avaliações nutricionais, a carne também contém vários
componentes bioativos como a taurina (Laidlaw et al., 1988), creatina (Rae
et al., 2003; Benton
& Donohoe, 2011), carnosina
(Everaert et al., 2011),
bem como ácido linoléico conjugado, carnitina, colina, ubiquinona e
glutationa (Williams,2007). Esses
componentes podem oferecer importantes benefícios nutricionais, por exemplo, no
que diz respeito ao desenvolvimento ideal das funções cognitivas.
A ingestão suficiente de produtos de origem animal é, portanto,
particularmente aconselhável para grupos populacionais com necessidades
nutricionais aprimoradas e é útil para oferecer robustez nutricional durante
vários estágios da vida. Como tal, contribui para o desenvolvimento físico e cognitivo de bebês
e crianças (Neumann et al., 2007; Hulett
et al., 2014; Tang
& Krebs,2014; Cofnas, 2019) e previne deficiências em mulheres
jovens (Fayet et al., 2014; Hall
et al., 2017) Nos idosos, a ingestão
suficiente de carne pode prevenir ou melhorar a desnutrição e a sarcopenia (perda
de musculatura), melhorando também a qualidade de vida relacionada à saúde
(Pannemans et al., 1998 ; Shibata, 2001; Phillips, 2012; Rondanelli
et al., 2015; Torres
et al., 2017).
5. Evitar a carne leva a uma perda de robustez
nutricional
Dietas pobres em alimentos de origem animal podem levar a várias
deficiências nutricionais, como já descrito há mais de um século, no caso da
pelagra (Morabia, 2008),
uma condição que permanece relevante hoje para dietas veganas mal planejadas
(Ng & Neff, 2018). Os
defensores das dietas vegetarianas / veganas geralmente admitem que essas
dietas devem ser “bem planejadas” para serem bem-sucedidas, o que envolve
suplementação regular com nutrientes como a vitamina B12. No entanto, realisticamente,
muitas pessoas não são diligentes em relação à suplementação e, com frequência,
mergulham em faixas deficientes ou limítrofes se não obtiverem nutrientes de
sua dieta regular. Nesses casos,
3) Limitações de nutrientes (Kim et al., 2018) podem ser o resultado, algo já verificado em vários países, como na
Dinamarca (Kristensen et al., 2015), Finlândia (Elorinne et al.,2016), Suécia (Larsson & Johansson,2002) e Suíça (Schüpbach et al., 2017).
Por exemplo, um número substancial de vegetarianos e veganos está
na faixa de deficiência de vitamina B12 (Herrmann & Geisel, 2002; Herrmann
et al., 2003); apesar da necessidade de suplementação de B12 ser bem
divulgada (veja também Herbert,1994; Hokin
&Butler, 1999; Donaldson, 2000; Elmadfa
& Singer, 2009; Gilsing
et al., 2010; Obersby
et al.,2013; Pawlak
et al. 2013, 2014; Pawlak, 2015; Woo
et al., 2014; Naik
et al., 2018).
A deficiência de vitamina B12 é particularmente perigosa:
1)
Durante a gravidez (Specker et al., 1988, 1990; Bjørke Monsen et al., 2001; Koebnick et al., 2004),
Outros micronutrientes potencialmente desafiadores para pessoas
em dietas à base de plantas incluem (mas não estão limitados a)
5)
Ômega- 3: mesmo que as dietas à
base de plantas contenham ácido alfa-linolênico, isso não pode (como observado)
impedir deficiências nos ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa EPA e DHA
(Rosell et al., 2005),
que podem representar sérios riscos na gravidez e no crescimento de crianças
(Burdge et al., 2017; Cofnas, 2019).
Os riscos de deficiência nutricional também são documentados por
uma extensa lista de relatos de casos clínicos na literatura médica, com
sintomas patológicos graves e às vezes irreversíveis sendo relatados para bebês
(por exemplo , Shinwell & Gorodisher, 1982; Guez
et al., 2012; Bravo
et al., 2014; Kocaoglu
et al., 2014; Goraya
et al., 2015), crianças (por exemplo, Colev et al., 2004; Crawford
& Say, 2013), adolescentes
(por exemplo, Chiron et al., 2001; Licht
et al., 2001; O'Gorman
et al., 2002) e adultos
(por exemplo, Milea et al., 2000; Brocadello
et al., 2007; De
Rosa et al., 2012; Førland
e Lindberg,2015). Os
últimos estudos geralmente se referem a falhas no desenvolvimento,
hiperparatireoidismo, anemia macrocítica, neuropatias ópticas e outras,
letargia, degeneração da medula espinhal, atrofia cerebral e outras condições
graves. Embora a direção da causalidade não seja clara, a prevenção ao
consumo de carne está estatisticamente associada a distúrbios alimentares e
depressão (Zhang et al., 2017; Barthels
et al., 2018; Hibbeln
et al., 2018; Matta
et al., 2018; Nezlek
et al., 2018) e
podem refletir problemas neurológicos (Kapoor et al., 2017).
Nossa principal preocupação é que evitar ou minimizar demais o
consumo de carne possa comprometer a entrega de nutrientes, especialmente para
as crianças e outras populações vulneráveis. Evidentemente, os efeitos na
saúde de abordagens (alimentares) baseadas em plantas dependem amplamente da
composição da dieta (Satija et al., 2016). No
entanto, quanto mais restrita a dieta e menor a idade, mais esse será um ponto
de atenção (Van Winckel et al., 2011). De
acordo com Cofnas (2019), no
entanto, mesmo dietas vegetarianas realistas que incluem uma suplementação cautelosa
podem colocar as crianças em risco de deficiências e, assim, comprometer a
saúde a curto e longo prazo. Existem evidências diretas e indiretas de que
a ingestão elevada de fitoestrogênio associada a dietas com pouca carne pode
representar riscos para o desenvolvimento do cérebro e do sistema reprodutivo
(Cofnas, 2019). Além
disso, as tentativas de introduzir modificações na dieta que também são
compatíveis com a filosofia vegana muitas vezes representam um desafio
medicosocial (Shinwell & Gorodischer, 1982). Em nossa opinião, o endosso
oficial de dietas que evitam produtos de origem animal como opções saudáveis
representa um risco que os formuladores de políticas não deveriam correr. Como
afirmado por Giannini et al. (2006): “É alarmante em um país desenvolvido encontrar situações em que a
saúde de uma criança é posta em risco pela desnutrição, não por problemas
econômicos, mas porque das escolhas ideológicas dos pais ”.
6. Conclusões
Embora a carne tenha sido um componente central da dieta de
nossa linhagem há milhões de anos, algumas autoridades nutricionais - que frequentemente
têm conexões estreitas com ativistas dos direitos dos animais ou outras formas
de vegetarianismo ideológico, como o Adventismo do Sétimo Dia (Banta et
al., 2018) -
estão promovendo a visão de que a carne causa uma série de problemas de saúde e
não tem valor redentor. Argumentamos que grande parte do caso contra a
carne se baseia em evidências escolhidas seletivamente e em estudos
observacionais de baixa qualidade. A afirmação rala de que a carne
vermelha é um "alimento não saudável" (Willett etal., 2019) é
extremamente carente de suporte (científico).
Com base em deturpações do status de ciência, algumas
organizações estão tentando influenciar os formuladores de políticas a tomar
medidas para reduzir o consumo de carne. A simplificação de uma
complexidade científica aumenta o poder de persuasão, mas também pode servir a
propósitos ideológicos e levar a abordagens cientificistas. Segundo Mayes
e Thompson ( 2015), as
manifestações do cientismo nutricional no contexto da biopolítica podem ter
várias implicações éticas para a "responsabilidade e liberdade
individuais, no que diz respeito aos danos iatrogênicos e ao
bem-estar". Recomendações bem-intencionadas, ainda que exageradas e
prematuras, podem eventualmente causar mais danos do que benefícios, não apenas
fisiologicamente, mas também responsabilizando injustificadamente os indivíduos
por seus resultados de saúde. Acreditamos que uma grande redução no consumo
de carne, como foi preconizada pela Comissão EAT-Lancet (Willett et al., 2019),
pode causar sérios problemas. A carne tem sido, e continua sendo, uma
fonte primária de nutrição de alta qualidade. A teoria de que ele pode ser
substituído por legumes e suplementos é mera especulação. Considerando que
as dietas ricas em carne tenham sido bem-sucedidas ao longo da longa história
de nossa espécie, os benefícios das dietas vegetarianas estão longe de serem
estabelecidos e seus perigos foram amplamente ignorados por aqueles que a
endossaram prematuramente com base em questionáveis evidências.
O artigo original com todas as 175 referências está AQUI
COMIDA NATURALMENTE SAUDÁVEL NÃO PODE OBRIGAR AO CONSUMO COMPULSÓRIO DE SUPLEMENTOS