terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Feitos para não parar de comer



É impossível comer um só!

O extenso artigo a seguir foi publicado pelo jornal inglês The Guardian, (13/02/20). Ele examina a qualidade especial de certos produtos alimentares que podem estar no centro do problema da obesidade e das doenças crônicas não contagiosas: os comestíveis ultraprocessados (UPF, sigla em inglês). A lógica desses produtos foge totalmente do comportamento humano natural para o consumo da verdadeira comida ao longo da história natural da alimentação.
Quando o que se come cai na esfera de artigos de consumo o apelo de sua contínua venda norteia sua eficiência capitalista. Um bem comestível precisa ser comido cada vez mais. Assim um "eficiente" produto alimentar pode ter um apelo de marketing aparentemente simpático como: "É impossível comer um só". E quanto mais se comer mais se consome.
Bens de consumo de alta rotação são especialmente lucrativos. Quanto mais vender melhor. Só que alimentos que mais vendem, são obviamente mais comidos. Assim, se comermos infinitamente, produtos alimentícios insaciáveis, há um boa chance de engordarmos (ou ficarmos carentes de nutrientes essenciais). De fato, pesquisas acabam por documentar que os UPFs tem relação com maus resultados metabólicos.
É interessante se observar que um jornal inglês faça referência a um excelente trabalho brasileiro, que provavelmente a maioria de nós nunca tenha ouvido falar. Se trata da classificação Nova, que já falamos no artigo anterior. Essa classificação é a base para as diretrizes alimentares para o povo brasileiro, que fundamentalmente recomenda que se consuma menos ou nenhum produto da classe Nova 4 - os ultraprocessados.
A discussão propõe um olhar muito perspicaz sobre a definição dos alimentos e a necessidade de irmos além da preocupação com a composição de nutrientes. É claro que no ambiente natural não existem rótulos que possam dar pistas da composição nutricional, e tampouco coloridas estampas adjetivas como "vegano", "natural", "integral" ou qualquer indicação redundante desse quilate.
Os ultraprocessados tem afinidade com a falta de tempo dos dias atuais. A conveniência e a durabilidade são predicados muito úteis para pessoas com pressa ou falta de capacidade para cozinhar em casa. O sabor de extrema palatabilidade é um apelo vencedor no mercado. O próprio esforço mínimo para sua deglutição pode ser aditivo.
Enfim o consumo dos produtos alimentícios ultraprocessados pode ser um dos fulcros da epidemia de obesidade da modernidade. E sua venda cada vez maior parece estar firmemente baseada no conceito de um super-consumo, obviamente descolado das necessidades nutricionais.
Sim produtos gostosos podem nos deixar doentes, afinal:

Se a isca não fosse gostosa o rato não seria pego pela ratoeira.

Como os alimentos ultraprocessados ​​assumiram o carrinho de compras

É barato, atraente e conveniente, e comemos todos os dias - é difícil não o comê-lo. Mas será que os alimentos ultraprocessados ​​nos deixam doentes e impulsionam a crise global da obesidade?

Por Bee Wilson


No início de três décadas atrás, quando eu era adolescente com sobrepeso, às vezes comia seis fatias de torrada branca em fatias seguidas, cada uma coberta com manteiga ou geleia. Lembro-me da textura esponjosa do pão quando o tirei de sua sacola plástica. Não importava quanto desse petisco de supermercado eu comia, quase não me saciava. Era como comer sem realmente comer. Outros dias, comprava uma caixa de flocos de milho Crunchy Nut ou um tubo de Pringles: salgadinhos empilháveis ​​com sabor azedo e cebola, que eram uma novidade emocionante na época, tendo chegado ao Reino Unido apenas em 1991. Embora a caixa fosse grande o suficiente para alimentar uma multidão, eu poderia destruir a maior parte sozinha em uma sessão. Cada chip, salgado e com sua cobertura de creme de leite em pó, me obrigava a devorar um outro. Adorei o modo como as lascas - curvadas como telhas - se dissolviam levemente na minha língua.
Depois de uma dessas compulsões - porque é isso que elas eram -, eu falava comigo com ódio de si mesma. "O que há de errado com você?" Eu diria para o rosto em que corriam as lágrimas no espelho. Eu me culpei por minha falta de autocontrole. Mas agora, depois de todos esses anos, tendo perdido o gosto por pão fatiado, cereais açucarados e salgadinhos, sinto que estava me fazendo a pergunta errada. Não deveria ter sido "O que há de errado com você?" mas "O que há de errado com esta comida?"
Nos anos 90, não havia palavras para cobrir todos os itens que eu costumava consumir. Algumas das coisas que eu comi demais - batatas fritas, chocolates ou hambúrgueres de fast-food - podiam ser classificadas como junk food, mas outras, como pão e cereais, eram mais próximos de itens domésticos. Esses vários alimentos pareciam não ter nada em comum, exceto pelo fato de que eu os achava muito fáceis de comer muito, principalmente quando eu estava triste. Ao comer meu Pringles e meu pão branco, me senti um fracasso por não poder parar. Eu não tinha ideia de que um dia haveria uma explicação técnica para o motivo de eu achar tão difícil resistir. A palavra é "ultraprocessado" e refere-se a alimentos que tendem a ser pobres em nutrientes essenciais, ricos em açúcar, óleo e sal e suscetíveis de serem consumidos em excesso.
Quais alimentos se qualificam como ultraprocessados? É quase mais fácil dizer quais não são. Outro dia, tomei uma xícara de café em um café da estação de trem e os únicos lanches à venda que não foram ultraprocessados ​​foram uma banana e um pacote de nozes. As outras opções eram: um panini feito de pão ultraprocessado, batatas fritas com sabor, barras de chocolate, muffins de longa duração e biscoitos doces - todos ultraprocessados.

O que caracteriza os alimentos ultraprocessados ​​é que eles são tão alterados que pode ser difícil reconhecer os ingredientes subjacentes. Trata-se de misturas de misturas, projetadas a partir de ingredientes que já são altamente refinados, como óleos vegetais baratos, farinhas, proteínas e soro de leite, que são transformados em algo mais apetitoso com a ajuda de aditivos industriais, como emulsificantes.
Os alimentos ultraprocessados ​​(ou UPF - Ultra-processed foods ) agora representam mais da metade de todas as calorias ingeridas no Reino Unido e nos EUA, e outros países estão alcançando rapidamente esse percentual. As UPFs agora são simplesmente parte do sabor da vida moderna. Esses alimentos são convenientes, acessíveis, altamente lucrativos, fortemente aromatizados, comercializados de forma agressiva - e estão à venda em supermercados de todos os lugares. Os alimentos em si podem ser familiares, mas o termo "ultraprocessado" é bem menos entendido. Nenhum dos amigos com quem conversei enquanto escrevia este artigo se lembrava de tê-lo ouvido na conversa diária. Mas todo mundo teve um palpite muito bom do que isso significava. Um deles reconheceu o conceito descrito pelo escritor norte-americano de alimentos Michael Pollan - “substâncias comestíveis de origem alimentar”.
Algumas UPFs, como pão fatiado ou bolos produzidos industrialmente, existem há muitas décadas, mas a porcentagem de UPFs na dieta de uma pessoa comum nunca foi tão alta quanto é hoje. Seria incomum para a maioria de nós passar o dia sem consumir pelo menos alguns itens ultraprocessados.
Você pode dizer que o ultraprocessado é apenas uma maneira pomposa de descrever muitos dos seus prazeres normais e cotidianos. Pode ser sua tigela matinal de Cheerios ou seu pote de iogurte com sabor à noite. São salgadinhos e doces assados. São nuggets de frango ou cachorro-quente vegano, conforme o caso. É o donut que você compra quando está sendo indulgente, e a barra de proteína premium que você come na academia para um rápido aumento de energia. É o leite de amêndoa de longa duração no café e a Diet Coke que você bebe à tarde. Consumidos isoladamente e com moderação, cada um desses produtos pode ser perfeitamente saudável. Com sua longa vida útil, os alimentos ultraprocessados ​​são projetados para serem microbiologicamente seguros. A questão é o que acontece com nossos corpos quando as UPFs se tornam tão prevalentes quanto são no momento.
Agora, as evidências sugerem que dietas pesadas em UPFs podem causar excessos e obesidade. Os consumidores podem se culpar por exagerar nesses alimentos, mas e se for da natureza desses produtos comê-los demais?
Em 2014, o governo brasileiro deu o passo radical de aconselhar seus cidadãos a evitar as UPFs de imediato. O país estava agindo com urgência, porque o número de jovens adultos brasileiros com obesidade havia subido demais e muito rapidamente, mais do que duplicando entre 2002 e 2013 (de 7,5% da população para 17,5%). Essas novas diretrizes radicais pediam aos brasileiros que evitassem lanches e arranjassem tempo para comer alimentos saudáveis ​​em suas vidas, que fizessem refeições regulares com alguma companhia sempre que possível, aprendessem a cozinhar e ensinassem as crianças a serem “cautelosas com todas as formas de publicidade de alimentos”.
A maior saída das diretrizes brasileiras foi tratar o processamento de alimentos como a questão mais importante em saúde pública. Esse novo conjunto de regras enquadra os alimentos não saudáveis ​​menos em termos de nutrientes que ele contém (gorduras, carboidratos, etc.) e mais no grau em que são processados ​​(preservativos, emulsionantes, edulcorantes etc.). Nenhuma orientação de dieta de governo jamais havia categorizado os alimentos dessa maneira antes. Uma das primeiras regras das diretrizes brasileiras foi “evitar o consumo de produtos ultraprocessados”. Essas diretrizes colocavam a responsabilidade de um acidente vascular cerebral não apenas ao fast-food ou aos lanches açucarados, mas também em muitos alimentos que foram reformulados para parecer saudáveis, de margarinas "light" a cereais matinais enriquecidos com vitaminas.


Vegano, mas lixo. Os famosos chips acima não são batatas fritas de fato. É uma mistura de amidos, óleos - todos vegetais com aromatizantes e outros aditivos, produzidos de forma high-tech. Talvez alguns nem mesmo tenham batatas na produção. É vegano sim, e daí?  

Da perspectiva britânica - onde o guia oficial do NHS Eatwell ainda classifica margarinas com baixo teor de gordura e cereais embalados como opções "mais saudáveis" - parece exagero alertar os consumidores sobre todos os alimentos ultraprocessados ​​(o que, mesmo a sopa de tomate Heinz?). Mas há evidências para apoiar a posição brasileira. Na última década, estudos em larga escala da França, Brasil, EUA e Espanha sugeriram que o alto consumo de UPFs está associado a maiores taxas de obesidade. Quando consumidos em grandes quantidades (e é difícil comê-los de qualquer outra maneira), eles também têm sido associados a uma série de condições médicas, da depressão à asma, às doenças cardíacas e aos distúrbios gastrointestinais. Em 2018, um estudo da França - com mais de 100.000 adultos - constatou que um aumento de 10% na proporção de UPFs na dieta de um indivíduo levou a um maior risco geral de câncer. O “ultraprocessado” emergiu como a nova métrica mais persuasiva para medir o que deu errado na comida moderna.
Por que se deve dar importância ao processamento dos alimentos para a nossa saúde? “Alimentos processados” é um termo confuso e, durante anos, a indústria de alimentos explorou esses limites imprecisos como uma maneira de defender seus produtos carregados de aditivos. A menos que você cultive, forrageie, cace ou colete toda a sua comida, quase tudo que você consome foi processado até certo ponto. Um litro de leite é pasteurizado, uma ervilha pode ser congelada. Cozinhar é um processo. Fermentação é um processo. O kimchi orgânico artesanal é um alimento processado, assim como o melhor queijo de cabra francês. Até aqui nada demais.
Mas os UPFs são diferentes. Eles são processados ​​de maneiras que vão muito além do cozimento ou da fermentação, e também podem estar envoltos de benefícios para a saúde. Mesmo um cereal matinal multicolorido e açucarado pode afirmar que é “uma boa fonte de fibra” e “feito com grãos integrais”. Bettina Elias Siegel, autora do liro Kid Food: o desafio de alimentar crianças em um mundo altamente processado, diz que nos EUA as pessoas tendem a categorizar os alimentos de maneira binária. Há "junk food" e depois há todo o resto. Para Siegel, o (critério) “ultraprocessado” é uma ferramenta útil para mostrar aos novos pais que “há uma enorme diferença entre uma cenoura cozida e um saquinho colorido  de salgadinhos vegetarianos com sabor de cenoura produzidos industrialmente”, destinados a bebês, mesmo que essessalgadinhos vegetarianos sejam cinicamente comercializado como "natural".
O conceito de UPFs nasceu nos primeiros anos deste milênio, quando um cientista brasileiro chamado Carlos Monteiro percebeu um paradoxo. As pessoas pareciam estar comprando menos açúcar, mas a obesidade e o diabetes tipo 2 estavam aumentando. Uma equipe de pesquisadores brasileiros de nutrição, liderada por Monteiro, da Universidade de São Paulo, acompanha a dieta do país desde os anos 80, pedindo às famílias que registrem os alimentos que compraram. Uma das maiores tendências registradas nos dados foi que, enquanto a quantidade de açúcar e óleo que as pessoas compravam estava diminuindo, seu consumo de açúcar estava aumentando enormemente, devido a todos os produtos açucarados prontos para consumo que estavam agora disponíveis, de bolos embalados a cereais para o café da manhã com chocolate, que eram fáceis de comer em grandes quantidades, sem que isso fosse percebido.

Para Monteiro, o saco de açúcar no balcão da cozinha é um sinal saudável, não porque o açúcar em si tenha algum benefício, mas porque pertence a uma pessoa que cozinha. Os dados de Monteiro sugeriram a ele que os domicílios que ainda compravam açúcar também eram os que ainda faziam os antigos pratos brasileiros, como arroz e feijão.
Monteiro é médico por formação, e quando você fala com ele, ele ainda tem o zelo idealista de alguém que quer evitar o sofrimento humano. Ele começou nos anos 70 tratando pessoas pobres em vilarejos rurais e ficou surpreso ao ver com que rapidez os problemas de subnutrição eram substituídos pelos de cárie e obesidade, principalmente entre crianças. Quando Monteiro analisou os alimentos que mais aumentaram na dieta brasileira - de biscoitinhos e refrigerantes a bolachas e salgadinhos - o que eles tinham em comum era que todos eram altamente processados. No entanto, ele notou que muitos desses alimentos comumente consumidos nem figuravam na pirâmide alimentar padrão das diretrizes de nutrição dos EUA, que mostram linhas de diferentes alimentos integrais de acordo com a quantidade de pessoas que consomem, com arroz e trigo no fundo, frutas e legumes, peixes e laticínios e assim por diante. Essas pirâmides são baseadas na suposição de que as pessoas ainda estão cozinhando do zero, como fizeram nos anos 50. “É hora de demolir essa pirâmide”, escreveu Monteiro em 2011.
Uma vez que algo foi classificado, ele pode ser estudado. Nos 10 anos desde que Monteiro anunciou o conceito pela primeira vez, foram publicados vários estudos revisados ​​por pares sobre UPFs, confirmando os vínculos que ele suspeitava entre esses alimentos e as taxas mais altas de doenças. Ao dar um nome coletivo aos alimentos ultraprocessados ​​pela primeira vez, Monteiro conseguiu transformar todo o campo da nutrição em saúde pública.
Para ele, existem quatro tipos básicos de alimentos, classificados pelo grau em que são processados. Juntos, esses quatro grupos formam o que Monteiro chama de sistema Nova (não é uma sigla, é de estrela nova). A primeira categoria - grupo 1 - é a menos processada e inclui qualquer coisa, desde um monte de salsa a uma cenoura, de um bife a passas. Um crítico pedante pode reivindicar que nada disso é estritamente não processado no momento em que são vendidos: a cenoura é lavada, o bife é refrigerado, a passa é seca. Para responder a essas objeções, Monteiro renomeou esse grupo de “alimentos não processados ​​e minimamente processados”.
O segundo grupo é chamado de "ingredientes culinários processados". Isso inclui manteiga e sal, açúcar e banha, óleo e farinha - todos usados ​​em pequenas quantidades com os alimentos do grupo 1 para torná-los mais deliciosos: um pouco de manteiga derretendo sobre um brócolis, uma pitada de sal em um pedaço de peixe, uma colher de sopa de açúcar em uma tigela de morangos.
A seguir, no sistema Nova, vem o grupo 3, ou “alimentos processados”. Esta categoria consiste em alimentos que foram preservados, em conserva, fermentados ou salgados. Exemplos seriam tomates e legumes em conserva, picles, pão tradicionalmente feito (como fermento), peixe defumado e carnes curadas. Monteiro observa que, quando usados ​​com moderação, esses alimentos processados ​​podem resultar em “pratos deliciosos” e refeições nutricionalmente equilibradas.
A categoria final, grupo 4, é diferente de qualquer outra. Os alimentos do grupo 4 tendem a consistir principalmente de açúcares, óleos e amidos do grupo 2, mas, em vez de serem usados ​​com moderação para tornar os alimentos frescos mais deliciosos, esses ingredientes agora são transformados por cores, emulsificantes, aromas e outros aditivos para tornar-se mais saboroso. Eles contêm ingredientes desconhecidos para cozinhas domésticas, como o isolado de proteína de soja (em barras de cereal ou batidos com proteína adicionada) e "carne separada mecanicamente" (cachorros-quentes de peru, rolinhos de salsicha).
Um produto vegano que não é nada mais  do que um produto ultraprocessado. 


Os alimentos do grupo 4 diferem de outros alimentos não apenas em substância, mas em uso. Por serem agressivamente promovidos e prontos para o consumo, esses itens altamente lucrativos têm vastas vantagens de mercado em relação aos alimentos minimamente processados ​​do grupo 1. Monteiro e seus colegas observaram, a partir de evidências em todo o mundo, que esses itens do grupo 4 podem “substituir refeições e pratos regulares feitos na hora, com lanches a qualquer hora e em qualquer lugar”. Para Monteiro, não há dúvida de que esses alimentos ultraprocessados ​​estão implicados na obesidade, bem como em uma série de doenças não transmissíveis, como doenças cardíacas e diabetes tipo 2.
Nem todos no mundo da nutrição estão convencidos pelo sistema Nova de classificação de alimentos. Alguns críticos de Monteiro reclamaram que o ultraprocessado é apenas outra maneira de descrever alimentos açucarados ou gordurosos ou salgados ou com pouca fibra, ou todos esses de uma só vez. Se você observar as UPFs consumidas nas maiores quantidades, a maioria delas assume a forma de doces ou bebidas açucaradas. A questão aqui seria se esses alimentos ainda seriam prejudiciais se os níveis de açúcar e óleo pudessem ser reduzidos.



Na primeira vez em que o pesquisador em nutrição Kevin Hall ouviu alguém falar sobre alimentos ultraprocessados, ele pensou que era "uma definição sem sentido". Era 2016 e Hall - que estuda como as pessoas engordam no Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais em Bethesda, Maryland - estava em uma conferência conversando com um representante da PepsiCo que mencionou com desdém o novo conjunto brasileiro de diretrizes alimentares e especificamente a diretiva para evitar alimentos ultraprocessados. Hall concordou que essa era uma regra tola porque, para ele, a obesidade não tinha nada a ver com o processamento de alimentos.
Qualquer um pode ver que alguns alimentos são processados ​​em um grau mais marcante do que outros - um Oreo não é o mesmo que uma laranja -, mas Hall não tinha provas científicas de que o grau de processamento alimentar na dieta de uma pessoa pudesse levá-la a ganhar peso. Hall é físico treinando e é um "reducionista" confessado. Ele gosta de desmontar as coisas e ver como elas funcionam. Ele é, portanto, atraído pela ideia de que os alimentos nada mais são do que a soma de suas partes nutricionais: gorduras mais carboidratos, proteínas e fibras, e assim por diante. Toda a noção de alimentos ultraprocessados ​​o incomodava porque parecia muito confusa.
Maionese sem colesterol - outro exemplo de ultraprocessado:
Ingredientes: água, óleo vegetal, açúcar, amido modificado, sal,vinagre, extrato de soja, conservador sorbato de potassio, espessantes, goma guar e goma xantana, acidulantes ácido láctico e ácido fosfórico, aromatizantes, sequestrante EDTAcálcio dissódio, corantes INS160a ii e antioxidante BHT.

Quando Hall começou a ler a literatura científica sobre alimentos ultraprocessados, percebeu que todas as evidências condenatórias contra eles tomavam a forma de correlação, em vez de prova absoluta. Como a maioria dos estudos sobre os efeitos nocivos de determinados alimentos, esses estudos foram abrangidos pela epidemiologia: o estudo dos padrões de saúde entre as populações. Hall - e ele não está sozinho aqui – entende que esses estudos são menos do que convincentes. Correlação não é causalidade, como diz o ditado.
Só porque as pessoas que comem muitas UPFs têm maior probabilidade de serem obesas ou sofrer de câncer não significa que a obesidade e o câncer sejam causados ​​por UPFs, por si só. "Normalmente, são pessoas em faixas econômicas mais baixas que comem muitos desses alimentos", disse Hall. Ele achava que as UPF estavam sendo erroneamente culpadas pelos maus resultados de saúde de viver na pobreza.
No final de 2018, Hall e seus colegas se tornaram os primeiros cientistas a testar - em condições controladas aleatórias - se dietas ricas em alimentos ultraprocessados ​​poderiam realmente causar excessos e ganho de peso.
Por quatro semanas, 10 homens e 10 mulheres concordaram em ficar confinados em uma clínica sob os cuidados de Hall e concordaram em comer apenas o que lhes foi dado, vestindo roupas folgadas para que não notassem tanto se o peso mudasse. Isso pode parecer um estudo pequeno, mas ensaios cuidadosamente controlados como esse são considerados o padrão ouro para a ciência e são especialmente raros no campo da nutrição devido à dificuldade e às despesas de convencer  seres humanos a viver e comer em condições de laboratório. Barry Popkin, professor de nutrição da Universidade da Carolina do Norte, elogiou o estudo de Hall - publicado no Cell Metabolism - por ser "o melhor teste clínico possível".
Por duas semanas, os participantes de Hall comeram principalmente refeições ultraprocessadas, como sanduíches de peru com batatas fritas, e por mais duas semanas eles comeram principalmente alimentos não processados, como omelete de espinafre com batata-doce. Os pesquisadores trabalharam duro para desenhar os dois conjuntos de refeições para serem saborosos e familiares a todos os participantes. O primeiro dia da dieta ultraprocessada incluiu um café da manhã de Cheerios com leite integral e um muffin de mirtilo, um almoço de ravioli de carne enlatada seguido de biscoitos e um jantar de televisão com um pré-cozido de bife e purê de batatas com milho enlatado e chocolate com baixo teor de gordura leite. O primeiro dia da dieta não processada começou com um café da manhã de iogurte grego com nozes, morangos e bananas, um almoço de espinafre, salada de frango e bulgur com uvas a seguir e jantar de rosbife, pilaf de arroz e legumes, com laranjas descascadas para finalizar.
Hall montou o estudo para combinar as duas dietas o mais próximo possível de calorias, açúcar, proteínas, fibras e gorduras. Isso não foi fácil, porque a maioria dos alimentos ultraprocessados ​​são pobres em fibras e proteínas e mais ricos em açúcar. Para compensar a falta de fibra, os participantes receberam limonada dietética atada com fibra solúvel para acompanhar as refeições durante as duas semanas da dieta ultraprocessada.
Descobriu-se que, durante as semanas da dieta ultraprocessada, os voluntários ingeriam 500 calorias extras por dia, o equivalente a um Quarter Pounder with Cheese (um lanche do McDonald’s, no Brasil é o equivalente ao quarterão). Os exames de sangue mostraram que os hormônios no organismo responsável pela fome permaneceram elevados na dieta ultraprocessada em comparação à dieta não processada, o que confirma a sensação que eu costumava ter de que, por mais que eu comesse, esses alimentos não saciam a minha fome.
O estudo de Hall forneceu evidências de que uma dieta ultraprocessada - com texturas suaves e sabores fortes - realmente causa excesso de alimentação e ganho de peso, independentemente do teor de açúcar. Em apenas duas semanas, os participantes ganharam uma média de 1 kg. Esse é um resultado muito mais dramático do que você esperaria ver em um espaço de tempo tão curto (especialmente porque os voluntários classificaram os dois tipos de comida como igualmente agradáveis).
Depois que o estudo de Hall foi publicado em julho de 2019, era impossível rejeitar a proposição de Monteiro de que o aumento das UPFs aumenta o risco de obesidade. Monteiro me disse que, como resultado do estudo de Hall, ele e seus colegas no Brasil descobriram que de repente estavam sendo levados a sério.
Agora que temos evidências de uma ligação entre dietas ricas em UPFs e obesidade, parece claro que uma dieta saudável deve ser baseada em alimentos frescos caseiros. Para ajudar a defender a comida caseira entre os brasileiros, Monteiro recrutou a escritora de culinária Rita Lobo, cujo site Panelinha (“rede”) é um do sites de comidas mais populares do Brasil, com 3 milhões de acessos por mês. Lobo disse que, quando ela conta às pessoas sobre UPFs, a primeira reação é pânico e raiva. “Eles dizem: 'Oh meu Deus! Não vou poder comer meu iogurte ou minha barra de cereal! O que eu vou comer?’ ” Depois de um tempo, porém, ela diz que o conceito de alimentos ultraprocessados ​​é “quase um alívio” para as pessoas, porque as liberta das polaridades e restrições criadas pelas dietas da moda ou “dietas de purificação”. As pessoas ficam emocionadas, diz Lobo, quando percebem que podem comer novamente sobremesas, desde que sejam feitas na hora.
Mas os padrões modernos de trabalho não facilitam a hora de cozinhar todos os dias. Para as famílias que aprenderam a confiar na conveniência dos alimentos ultraprocessados, retornar à culinária caseira pode parecer assustador - e caro. Os pesquisadores de Hall em Maryland gastaram 40% mais dinheiro comprando os alimentos para a dieta não processada. (No entanto, notei que o menu incluía grandes cortes de carne ou peixe todos os dias; seria interessante ver como o custo teria se comparado com um número maior de refeições vegetarianas ou cortes de carne mais baratos.)
No Brasil, cozinhar do zero ainda tende a ser mais barato do que comer alimentos ultraprocessados, diz Lobo. As UPFs são uma novidade relativa no Brasil e as memórias de uma firme tradição de comida caseira ainda não morreram aqui. “No Brasil, não importa se você é rico ou pobre, você cresceu comendo arroz e feijão. O problema para você [no Reino Unido]”, observa Lobo, “é que você não sabe qual é o seu 'arroz e feijão'”.

NA Grã-Bretanha e nos EUA, a nossa relação com os alimentos ultraprocessados é tão extensa e se estende por tantas décadas que estes produtos se tornaram o nosso alimento da alma, um repertório amado de pratos. É o que nossas mães nos alimentaram. Se você deseja se relacionar com alguém que era criança na Grã-Bretanha dos anos 70, mencione que tem lembranças de infância de receber panquecas crocantes e espaguetes Findus® seguidas de Angel Delight® para o chá. Percebi que amigos australianos têm conversas semelhantes sobre as alegrias da infância dos biscoitos de chocolate Tim Tams ®. Na curiosa codificação do sistema de classes britânico, o gosto por alimentos de marca industrial é uma maneira de garantir aos outros que você está bem. Que tipo de esnobe desmereceria um Creme Egg ® ou deixaria de reconhecer a alegria de lamber a poeira brega do Wotsit ® dos seus dedos?
Eu sou tão louca por essa nostalgia de marcas de comidas quanto qualquer um. Há uma parte do meu cérebro - a parte que ainda tem oito anos em uma festa de aniversário - que sempre sentirá que Iced Gems ® (biscoitos ultraprocessados ​​cobertos com glacê ultraprocessado) são pura mágica. Mas comecei a sentir uma inquietação crescente de que nosso afeto ardente por esses alimentos tenha sido fabricado principalmente pelas empresas de alimentos que lucram com a venda deles. Para as milhares de pessoas presas no transtorno da compulsão alimentar periódica - como eu já fui - os UPFs são falsos amigos.
A indústria multinacional de alimentos tem interesse em atrapalhar as ideias de Monteiro sobre como as UPFs são prejudiciais à nossa saúde. E muitas das críticas mais vociferantes ao seu sistema Nova vieram de fontes próximas à indústria. Um artigo de 2018, co-escrito por Melissa Mialon, engenheira de alimentos francesa e pesquisadora em saúde pública, identificou 32 materiais on-line criticando o sistema Nova, a maioria dos quais não foi revisada por pares. O artigo mostrou que, dos 38 escritores críticos do Nova, 33 tinham vínculos com a indústria de alimentos ultraprocessados.
Um ícone dos alimentos ultraprocessados 

Para muitos no mundo em desenvolvimento, a prevalência de alimentos ultraprocessados ​​está dificultando às pessoas com orçamento limitado alimentar seus filhos com uma dieta saudável. Victor Aguayo, chefe de nutrição da Unicef, me disse por telefone que, à medida que os alimentos ultraprocessados ​​ficam mais baratos e outros alimentos, como legumes e peixe, ficam mais caros, as UPFs estão ocupando um volume maior de dietas infantis. Além disso, as texturas agradáveis ​​e o marketing agressivo desses alimentos os tornam "atraentes e desejosos" para as crianças e os pais, diz Aguayo.
Logo após a chegada ao Nepal dessas embalagens coloridas que, como Aguayo as descreve, "parecem comida para crianças: os biscoitos, os petiscos salgados, os cereais", os trabalhadores começaram a ver uma epidemia de "excesso de peso e deficiência de micronutrientes" incluindo anemia em crianças nepalesas com menos de cinco anos.
Aguayo diz que há uma necessidade urgente de mudar o ambiente alimentar para tornar as opções saudáveis ​​as mais fáceis, acessíveis e disponíveis. Equador, Uruguai e Peru seguiram o exemplo do Brasil ao instar seus cidadãos a evitar alimentos ultraprocessados. As diretrizes alimentares do Uruguai - publicadas em 2016 - dizem aos uruguaios para “basear sua dieta em alimentos naturais e evitar o consumo regular de produtos ultraprocessados”. Quão fácil isso será feito é outra questão.

NA Austrália, Canadá ou o Reino Unido, sermos aconselhados a evitar alimentos ultra-processados - como as diretrizes brasileiras fazem - significaria rejeitar a metade ou mais do que está à venda como alimento, incluindo muitos alimentos básicos que as pessoas dependem, tais como o pão. A grande maioria dos pães de supermercado conta como ultraprocessada, independentemente do quanto se orgulham de serem multi-grãos, maltados ou brilhando com grãos antigos.
No início deste ano, Monteiro e seus colegas publicaram um artigo intitulado “Alimentos ultraprocessados: o que são e como identificá-los”, oferecendo algumas regras práticas. O artigo explica que “a maneira prática de identificar se um produto é ultraprocessado é verificar se sua lista de ingredientes contém pelo menos uma substância alimentar nunca ou raramente usada em cozinhas ou classes de aditivos cuja função é produzir produto final palatável ou mais atraente ('aditivos cosméticos')”. Os ingredientes indicadores incluem "açúcar invertido, maltodextrina, dextrose, lactose, fibra solúvel ou insolúvel, óleo hidrogenado ou interesterificado". Ou pode conter aditivos como “intensificadores de sabor, cores, emulsificantes, sais emulsionantes, adoçantes, espessantes e agentes antiespumantes e de volume, carbonatação, espuma, gelificante e vitrificação”.
Mas nem todo mundo tem tempo para procurar em todos os rótulos a presença desses componentes. Um site chamado Open Food Facts , administrado principalmente por voluntários franceses, iniciou o trabalho hercúleo de criar um banco de dados aberto dos alimentos embalados em todo o mundo e listar onde eles se encaixam no sistema Nova. Por exemplo:
1.     Loops Froot ®: Nova 4.
2.    Manteiga sem sal: Nova 2.
3.    Sardinhas em azeite: Nova 3.
4.    Iogurte de baunilha Alpro ®: Nova 4.
Stéphane Gigandet, que administra o local, diz que começou a analisar os alimentos da Nova há um ano e “é não é uma tarefa fácil”.
Para a maioria dos consumidores modernos, evitar todos os alimentos ultraprocessados ​​é perturbador e irrealista, principalmente se você é de baixa renda ou é vegano, frágil ou deficiente, ou alguém que realmente ama as torradas de queijo e presunto ocasionais feitas com pão branco fatiado. Nos seus primeiros artigos, Monteiro escreveu sobre a redução de itens ultraprocessados ​​como uma proporção da dieta total, em vez de eliminá-los por completo. Da mesma forma, o Ministério da Saúde da França anunciou que deseja reduzir o consumo de produtos Nova 4 em 20% nos próximos três anos.
Ainda não sabemos realmente o que é em um alimento ultraprocessado que gera ganho de peso. A taxa de mastigação pode ser um fator. No estudo de Hall, durante as semanas com a dieta ultraprocessada, as pessoas faziam suas refeições mais rapidamente, talvez porque os alimentos tendiam a ser mais macios e fáceis de mastigar. Na dieta não processada, um hormônio chamado PYY, que reduz o apetite, foi elevado, sugerindo que a comida caseira nos mantém mais saciados por mais tempo. O efeito de aditivos como adoçantes artificiais no microbioma intestinal é outra teoria. No final deste ano, novas pesquisas do físico Albert-László Barabási revelarão mais sobre a maneira como o ultraprocessamento realmente altera os alimentos em nível molecular.
Em um blog de duas partes sobre alimentos ultraprocessados ​​em 2018 (Rise of the Ultra Foods), Anthony Warner, ex-chef de desenvolvimento da indústria de alimentos que tweets e campanhas como Angry Chef, argumentou que Nova estava alimentando o medo e a culpa por alimentos e “adicionando ao estresse de vidas já difíceis”, fazendo as pessoas se sentirem julgadas por suas escolhas alimentares. Mas, depois de ler o estudo de Kevin Hall, ele escreveu um artigo em maio de 2019, admitindo: "Eu estava errado sobre alimentos ultraprocessados ​​– eles realmente estão engordando". Warner disse que o estudo o convenceu de que "a taxa de ingestão, textura e palatabilidade" das UPFs levam a excessos e terminou com um apelo a mais pesquisas.
Hall me diz que ele está construindo outro estudo sobre alimentos ultraprocessados ​​e obesidade. Dessa vez, as pessoas que fazem parte da dieta ultraprocessada também ingerem grandes quantidades de alimentos não processados, como vegetais crocantes com baixa densidade de energia, enquanto ainda recebem mais de 80% de suas calorias de alimentos ultraprocessados ​​- o equivalente a adicionar uma salada ou uma porção de brócolis para o seu jantar de pizza congelada. Isso é muito mais próximo de como a maioria das famílias realmente come.
Mesmo que os cientistas consigam determinar o mecanismo ou mecanismos pelos quais os alimentos ultraprocessados ​​nos fazem ganhar peso, não está claro o que os formuladores de políticas devem fazer em relação às UPFs, exceto dando às pessoas o apoio e os recursos necessários para cozinhar mais refeições frescas em casa. Seguir os conselhos da diretriz brasileira implica repensar totalmente o sistema alimentar.
Enquanto acreditávamos que os nutrientes isolados eram a principal causa de dietas ruins, os alimentos industriais podiam ser infinitamente ajustados para se ajustarem à teoria do dia. Quando a gordura era vista como diabólica, a indústria de alimentos nos dava uma panóplia de produtos com baixo teor de gordura. O resultado dos impostos sobre o açúcar em todo o mundo tem resultado em uma série de novas bebidas adoçadas artificialmente. Mas, se você aceitar o argumento de que o processamento é parte do problema, todo esse ajuste e reformulação se torna uma proposta sem sentido.
Um alimento ultraprocessado pode ser reformulado de inúmeras maneiras, mas a única coisa em que não pode ser transformado é em um alimento não processado. Hall continua esperançoso de que possa haver alguma maneira de ajustar a fabricação de alimentos ultraprocessados ​​para torná-los menos prejudiciais à saúde. Um grande número de pessoas com baixos rendimentos, observa ele, depende dessas “coisas saborosas relativamente baratas” para o sustento diário. Mas ele está ciente de que os problemas de nutrição não podem ser curados por um processamento cada vez mais sofisticado. "Como você pega um Oreo e o torna não ultraprocessado?" ele pergunta. "Não, você não pode!"

Beatrice Dorothy "Bee" Wilson Escritora, jornalista e historiadora britânica de alimentos
e autora de cinco livros sobre assuntos relacionados a alimentos

Artigo original: AQUI



Tradução Lipidofobia





terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

O que é comida de verdade - a classificação dos alimentos pela distancia da natureza

SOB UMA VISÃO TÉCNICA - O QUE É COMIDA DE VERDADE?

Recomendações nutricionais que orientam práticas da alimentação do dia a dia envolvem o reconhecimento dos alimentos que precisam ou podem ser consumidos. Muitas vezes falamos na utilização da "comida de verdade". Essa expressão muitas vezes parece imprecisa para a maioria das pessoas, pois num primeiro momento, tudo que é vendido num supermercado deveria ser "comida" se esse é o atributo de um produto (alimentício) numa prateleira.
No entanto a comida de verdade diz respeito ao alimento disponível em ambientes naturais, despojado de embalagens, rótulos com lista de nutrientes, ou aditivos químicos de nome incomprensível para a maioria das pessoas. Contudo, a maioria de nós mora em um ambiente urbano, e poucos têm contato com locais de produção primária como sítios, hortas, pomares ou estábulos. Então uma boa parcela de alimentos "brutos" vão passar por algum tipo de manejo para ficar disponível ao consumidor da cidade, como embalamentos, lavagens, refrigeração etc. Ainda assim poderão ser tão próximos quanto possível do alimento in natura.
Em 2010 um grupo de pesquisadores em nutrição, da USP, liderados pelo professor Carlos Monteiro, criou uma classificação alimentar, que foi chamada de NOVA. Essa classificação agrupa os alimentos de acordo com a distância que eles apresentam em relação ao estado original. É a base do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014.
É também essa classificação que trouxe à tona o termo Alimento Ultraprocessado - ou UPF (ultra processed food, em inglês). E o guia alimentar recomenda: evite os ultraprocessados. Conheça a seguir essa classificação. Essa compilação foi extraida do World Nutrition Journal (uma publicação do World Public Health Nutrition Association)

Numa próxima publicação examinaremos um artigo que examina como os alimentos ultraprocessados assumiram um papel tão expressiva no consumo alimentar cotidiano e quais as graves consequencias dessa mudança de hábitos para a saúde pública.


GRUPO 1


  Grupo 1
  Alimentos in natura ou minimamente processados

   O primeiro grupo da classificação NOVA inclui alimentos in natura e alimentos minimamente processados. Alimentos in natura são partes comestíveis de plantas (sementes, frutos, folhas, caules, raízes) ou de animais (músculos, vísceras, ovos, leite) e também cogumelos e algas e a água logo após sua separação da natureza. 

   Alimentos minimamente processados são alimentos in natura submetidos a processos como remoção de partes não comestíveis ou não desejadas dos alimentos, secagem, desidratação, trituração ou moagem, fracionamento, torra, cocção apenas com água, pasteurização, refrigeração ou congelamento, acondicionamento em embalagens, empacotamento a vácuo, fermentação não alcoólica e outros processos que não envolvem a adição de substâncias como sal, açúcar, óleos ou gorduras ao alimento in natura. 

   O principal propósito do processamento empregado na produção de alimentos do grupo 1 é aumentar a duração dos alimentos in natura permitindo a sua estocagem por mais tempo. Outros propósitos incluem facilitar ou diversificar a preparação culinária dos alimentos (como na remoção de partes não comestíveis, fracionamento e trituração ou moagem dos alimentos) ou modificar o seu sabor (como na torra de grãos de café ou de folhas de chá e na fermentação do leite para produção de iogurtes). 

   São exemplos típicos de alimentos do grupo 1: legumes, verduras, frutas, batata, mandioca e outras raízes e tubérculos in natura ou embalados, fracionados, refrigerados ou congelados; arroz branco, integral ou parboilizado, a granel ou embalado; milho em grão ou na espiga, grãos de trigo e de outros cereais; feijão de todas as cores, lentilhas, grão de bico e outras leguminosas; cogumelos frescos ou secos; frutas secas, sucos de frutas e sucos de frutas pasteurizados e sem adição de açúcar ou outras substâncias ou aditivos; castanhas, nozes, amendoim e outras oleaginosas sem sal ou açúcar; cravo, canela, especiarias em geral e ervas frescas ou secas; farinhas de mandioca, de milho ou de trigo e macarrão ou massas frescas ou secas feitas com essas farinhas e água; carnes de boi, de porco e de aves e pescados frescos, resfriados ou congelados; frutos do mar, resfriados ou congelados; leite pasteurizado ou em pó, iogurte (sem adição de açúcar ou outra substância); ovos; chá, café e água potável.

   São também classificados no grupo 1 itens de consumo alimentar compostos por dois ou mais alimentos deste grupo (como granola de cereais, nozes e frutas secas, desde que não adicionada de açúcar, mel, óleo, gorduras ou qualquer outra substância) e alimentos deste grupo enriquecidos com vitaminas e minerais, em geral com o propósito de repor nutrientes perdidos durante o processamento do alimento in natura (como a farinha de trigo ou de milho enriquecida com ferro e ácido fólico). 

   Embora pouco frequentes, alimentos do grupo 1 quando adicionados de aditivos que preservam as propriedades originais do alimento, como antioxidantes usados em frutas desidratadas ou legumes cozidos e embalados a vácuo, e estabilizantes usados em leite ultrapasteurizado permanecem classificados no grupo 1. 


GRUPO 2


  Grupo 2
  Ingredientes culinários processados
  
   O segundo grupo da classificação NOVA é o de ingredientes culinários processados. Este grupo inclui substâncias extraídas diretamente de alimentos do grupo 1 ou da natureza e consumidas como itens de preparações culinárias. Os processos envolvidos com a extração dessas substâncias incluem prensagem, moagem, pulverização, secagem e refino. 

   O propósito do processamento neste caso é a criação de produtos que são usados nas cozinhas das casas ou de restaurantes para temperar e cozinhar alimentos do grupo 1 e para com eles preparar pratos salgados e doces, sopas, saladas, conservas, pães caseiros, sobremesas, bebidas e preparações culinárias em geral. 

   As substâncias pertencentes ao grupo 2 apenas raramente são consumidas na ausência de alimentos do grupo 1. São exemplos dessas substâncias: sal de cozinha extraído de minas ou da água do mar; açúcar, melado e rapadura extraídos da cana de açúcar ou da beterraba; mel extraído de favos de colmeias; óleos e gorduras extraídos de alimentos de origem vegetal ou animal (como azeite da oliva, manteiga, creme de leite e banha), amido extraído do milho ou de outra planta.

   São também classificados no grupo 2 produtos compostos por duas substâncias pertencentes ao grupo (como manteiga com sal) e produtos compostos por substâncias deste grupo adicionadas de vitaminas ou minerais (como o sal iodado). Vinagres obtidos pela fermentação acética do álcool de vinhos e de outras bebidas alcoólicas também são classificados no grupo 2, neste caso pela semelhança de uso com outras substâncias pertencentes ao grupo. 

   Produtos do grupo 2 quando adicionados de aditivos para preservar suas propriedades originais, como antioxidantes usados em óleos vegetais e antiumectantes usados no sal de cozinha, ou de aditivos que evitam a proliferação de micro-organismos, como conservantes usados no vinagre, permanecem classificados no grupo 2. 



GRUPO 3



 Grupo 3
 Alimentos processados

   O terceiro grupo da classificação NOVA é o de alimentos processados. Este grupo inclui produtos fabricados com a adição de sal ou açúcar, e eventualmente óleo, vinagre ou outra substância do grupo 2, a um alimento do grupo 1, sendo em sua maioria produtos com dois ou três ingredientes. Os processos envolvidos com a fabricação desses produtos podem envolver vários métodos de preservação e cocção e, no caso de queijos e de pães, a fermentação não alcoólica. 

   O propósito do processamento subjacente à fabricação de alimentos processados é aumentar a duração de alimentos in natura ou minimamente processados ou modificar seu sabor, portanto semelhante ao propósito do processamento empregado na fabricação de alimentos do grupo 1. 

   São exemplos típicos de alimentos processados: conservas de hortaliças, de cereais ou de leguminosas, castanhas adicionadas de sal ou açúcar, carnes salgadas, peixe conservado em óleo ou água e sal, frutas em calda, queijos e pães. 

   Produtos do grupo 3 quando adicionados de aditivos para preservar suas propriedades originais, como antioxidantes usados em geleias, ou para evitar a proliferação de micro-organismos, como conservantes usados em carnes desidratadas, permanecem classificados no grupo 3.  

   Caso bebidas alcoólicas sejam consideradas como parte da alimentação, aquelas fabricadas pela fermentação alcoólica de alimentos do grupo 1, como vinho, cerveja e cidra, são classificadas no grupo 3 da classificação NOVA. 


GRUPO 4

 Grupo  4
 Alimentos ultraprocessados
  
   O quarto grupo da classificação NOVA é o de alimentos ultraprocessados. Este grupo é constituído por formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes. Com frequência, esses ingredientes incluem substâncias e aditivos usados na fabricação de alimentos processados como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes.
Ingredientes apenas encontrados em alimentos ultraprocessados incluem substâncias não usuais em preparações culinárias e aditivos cuja função é simular atributos sensoriais de alimentos do grupo 1 ou de preparações culinárias desses alimentos ou, ainda, ocultar atributos sensoriais indesejáveis no produto final. Alimentos do grupo 1 representam proporção reduzida ou sequer estão presentes na lista de ingredientes de produtos ultraprocessados.

   Substâncias apenas encontradas em alimentos ultraprocessados incluem algumas extraídas diretamente de alimentos, como caseína, lactose, soro de leite e glúten, e muitas derivadas do processamento adicional de constituintes de alimentos do grupo 1, como óleos hidrogenados ou interestereficados, hidrolisados proteicos, isolado proteico de soja, maltodextrina, açúcar invertido e xarope de milho com alto conteúdo em frutose. Classes de aditivos apenas encontrados em alimentos ultraprocessados incluem corantes, estabilizantes de cor, aromas, intensificadores de aromas, saborizantes, realçadores de sabor, edulcorantes artificiais, agentes de carbonatação, agentes de firmeza, agentes de massa, antiaglomerantes, espumantes, antiespumantes, glaceantes, emulsificantes, sequestrantes e umectantes.
 
   Vários processos industriais que não possuem equivalentes domésticos são usados na fabricação de alimentos ultraprocessados, como extrusão e moldagem e pré-processamento por fritura. 
   O principal propósito do ultraprocessamento é o de criar produtos industriais prontos para comer, para beber ou para aquecer que sejam capazes de substituir tanto alimentos não processados ou minimamente processados que são naturalmente prontos para consumo, como frutas e castanhas, leite e água, quanto pratos, bebidas, sobremesas e preparações culinárias em geral. Hiper-palatabilidade, embalagens sofisticadas e atrativas, publicidade agressiva dirigida particularmente a crianças e adolescentes, alegações de saúde, alta lucratividade e controle por corporações transnacionais são atributos comuns de alimentos ultraprocessados. 

   Exemplos de típicos alimentos ultraprocessados são: refrigerantes e pós para refrescos;
‘salgadinhos de pacote’; sorvetes, chocolates, balas e guloseimas em geral; pães de forma, de hotdog ou de hambúrguer; pães doces, biscoitos, bolos e misturas para bolo; ‘cereais matinais’ e ‘barras de cereal’; bebidas ‘energéticas’, achocolatados e bebidas com sabor de frutas; caldos liofilizados com sabor de carne, de frango ou de legumes; maioneses e outros molhos prontos; fórmulas infantis e de seguimento e outros produtos para bebês; produtos liofilizados para emagrecer e substitutos de refeições; e vários produtos congelados prontos para aquecer incluindo tortas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas; extratos de carne de frango ou de peixe empanados do tipo nuggets, salsicha, hambúrguer e outros produtos de carne reconstituída, e sopas, macarrão e sobremesas ‘instantâneos’. 

   Embora pouco frequentes, são também classificados no grupo 4 produtos compostos apenas por alimentos do grupo 1 ou do grupo 3 quando esses produtos contiverem aditivos com função de modificar cor, odor, sabor ou textura do produto final como iogurte natural com edulcorante artificial e pães com emulsificantes.  

   Caso bebidas alcoólicas sejam consideradas parte da alimentação, aquelas fabricadas por fermentação de alimentos do grupo 1 seguida da destilação do mosto alcoólico, como cachaça,     uísque, vodca e rum, são classificadas no grupo 4 da classificação NOVA.


Nota - de acordo com o Novo Guia de Alimentação Brasileiro: 
EVITE OS ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS: Devido a seus ingredientes, alimentos ultraprocessados – como biscoitos recheados, ‘salgadinhos   de pacote’, refrigerantes e ‘macarrão instantâneo’ – são nutricionalmente desbalanceados. Por conta de sua formulação e apresentação, tendem a ser consumidos em excesso e a substituir alimentos in natura ou minimamente processados. Suas formas de produção, distribuição, comercialização e consumo afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente.



Link do texto original - texto original em inglês com referências AQUI

NT Obs.: No texto original, no grupo 2 estão incluídos os óleos de sementes como da soja. Como os produtos industrializados a partir de soja e outros óleos vegetais estão associados a questões de saúde, pelo excesso de ômega-6 ou processamento industrial daninho, foi retirado da tabela acima. Nas orientações de uma dieta de baixo carboidrato esses óleos e seus derivados como a margarina são fortemente desaconselhados. A recomendação da redução do consumo de amidos também faz parte das recomendações de uma alimentação low carb. Obviamente essa classificação não tem preocupação com esse tipo de cuidado. Ainda assim é altamente relevante pois o consumo de artigos UPF pode estar na raiz de uma série de problemas de saúde da atualidade.  





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Vertigem, zumbido e perda de audição - a insulina elevada em ação


Reduzir a insulina com uma dieta low carb pode ser tratamento para zumbido, vertigem e perda auditiva

O artigo a seguir mostra como a insulina afeta o nervo auditivo. O oitavo par craniano (vestíbulo-coclear) é o responsável por controlar a audição e o equilíbrio. Seus sintomas mais comuns envolvem a perda de audição, o zumbido, também conhecido como tinnitus, e a vertigem (as vezes num quadro de Síndrome de Menière).  Existe um modelo fisiopatológico que foi bem identificado em uma série de experimentos, sendo que uma das premissas foram os registros do médico pesquisador Joseph Kraft, reconhecido na área de estudos das taxas de insulina. Ele fez milhares de exames laboratoriais de testagem sanguínea da produção da insulina (com estímulo pela ingestão de glicose). Ele propôs a nomenclatura de diabetes oculto, onde taxas elevadas de insulina previam uma futura diabetes clínica (quando as taxas de glicose se mostrarão elevadas nos exames de sangue). O manejo das taxas de insulina nos experimentos acarretou mudanças na expressão fisiológica do ouvido, trazendo sintomas como redução auditiva e vertigem.
Dessa forma estratégias dietéticas que promovam queda nas taxas de insulina podem reduzir ou mesmo reverter esses sintomas que são bastante comuns. Adicionalmente pode se deduzir que uma alimentação com redução de carboidratos deve ser parte de uma orientação terapêutica de indivíduos com esse tipo de problema. Isso também retardar ou eventualmente prevenir que muitas dessas pessoas venham a manifestar diabetes clínica. Assim, quando o zumbido, a redução de audição ou uma vertigem aflija uma pessoa, ela precisa ser orientada a revisar seus hábitos alimentares. Isso certamente poderá conduzir a benefícios que irão muito além dos problemas do oitavo par craniano.



Perda auditiva, tontura e metabolismo de carboidratos
 Hearing Loss, Dizziness, and Carbohydrate Metabolism

O ouvido interno é um órgão altamente complexo com mecanismos metabólicos igualmente complexos. Alterações na concentração sanguínea de glicose e insulina podem causar perda auditiva e distúrbios vestibulares. Uma relação entre perda auditiva e diabetes foi relatada pela primeira vez por Abel Jordão em 1864.1 A perda auditiva em pacientes diabéticos pode ser de origem vascular, devido à aterosclerose. Rust et al., 2 no entanto, demonstraram a perda de células ciliadas externas (constituinte do ouvido interno) em ratos diabéticos, mais intensa naqueles que ingeriram açúcares absorvíveis rapidamente. É bem provável que essas alterações também possam ocorrer em pacientes diabéticos.
A hipoglicemia, no entanto, afeta o ouvido interno por meio de mecanismos estritamente metabólicos. Harril, 3 em 1951, descreveu a hipoglicemia como uma causa de enxaqueca e vertigem. Tintera e Goldman 4 (1956), Goldman 5 (1962) e Powers 6 (1972) analisaram casos da doença de Menière associados à hipoglicemia. Updegraff, 7 em 1977, propôs a titulação rotineira de insulina para examinar pacientes com distúrbios auditivos e / ou vestibulares que apresentassem uma possibilidade clínica de metabolismo alterado de carboidratos. A proposta de Updegraff foi baseada nas observações de Joseph R. Kraft, 8 que, em 1975, publicou seu banco de dados com 3.000 testes de tolerância à glicose, incluindo titulação simultânea de insulina. Ele demonstrou que os níveis de glicose por si só eram insuficientes para diagnosticar com precisão os distúrbios do metabolismo dos carboidratos. Ele introduziu o conceito de diabetes in situ, ou diabetes oculto, para descrever os tipos de alterações que evoluiriam gradualmente para o diabetes clínico. Em seu livro, publicado em 2008, 9, ele concluiu que, com base em mais de 14.000 testes, suas observações originais estavam corretas. Fukuda, 10 em 1982, e Mangabeira-Albernaz e Fukuda, 11 em 1984, usando o método de Kraft, analisaram um grupo de pacientes com problemas metabólicos e distúrbios do ouvido interno e concluíram que taxas mais elevadas de insulina (a hiperinsulinemia) era o achado mais comum. Eles confirmaram que os níveis de insulina eram indicadores mais sensíveis das alterações no metabolismo dos carboidratos do que os níveis de glicose
Mangabeira-Albernaz et al. 12, em 1985, descreveram pela primeira vez distúrbios vestibulares causados ​​por hipoglicemia resultante de mecanismos enzimáticos defeituosos do intestino delgado (doença da membrana da borda da escova). Mangabeira Albernaz & Miszputen 13 revisaram esse assunto em 2014. 
D'Avila e Lavinsky, em 2005, estudaram os perfis de glicose e insulina em pacientes com doença de Menière14 e Zuma, Maia e Lavinsky, em 2006, estudaram as emissões otoacústicas em um modelo animal de hiperinsulinemia induzida. 15

[Modelos fisiopatológicos a seguir, terminologia técnica a seguir]

Ramos, Ramos et al. revisou o tópico da vertigem metabólica em 2014. 16 A estria vascular é o centro metabólico essencial o ouvido interno. É responsável pelo potencial endococlear e pela manutenção da estrutura química da endolinfa, removendo seu sódio e controlando sua alta concentração de potássio. Isso é realizado pela {Naþ-Kþ} ATPase, comumente chamada bomba de sódio-potássio, uma enzima que está bem distribuída no organismo e presente nas estrias em altas concentrações. 17 
Koide et al., 18 em 1960, estudaram a ação da insulina no ouvido interno de cobaias. Eles notaram que a redução dos microfones cocleares ocorreu três horas após a administração de 80 UI de insulina por quilograma de peso corporal. Essa redução durou aproximadamente 80 minutos. A administração de glicose ou outros substratos do ciclo de Krebs resultou em uma recuperação parcial. Mendelsohn e Roderique, 19 em 1972, administraram insulina a cobaias e relataram alterações na composição química da endolinfa: redução progressiva da concentração de potássio e aumento progressivo da concentração de sódio. Três horas após a administração da insulina, a concentração de potássio variou de 147,8 mEq/L a 57,1 mEq/L e a concentração de sódio aumentou de 5,85 mEq/L para 96,4 mEq/L. Houve redução simultânea do potencial endococlear e dos microfones cocleares. É sabido que glicose e oxigênio são nutrientes essenciais para a bomba de sódio-potássio; no entanto, os mecanismos de transporte de glicose na cóclea não são tão conhecidos. 
Existem estudos mostrando que o transporte de glicose é realizado através de junções de comunicação (nexo) com a ajuda de um transportador (GLUT1), cuja presença foi demonstrada nas células basais da estria vascular em camundongos. Testes imunoquímicos mostraram que GLUT1, ocludina (uma proteína que fecha o nexo) e as proteínas conexina 26 e conexina 30 também foram demonstradas nas células basais das estrias, também em camundongos. 20 O potencial endococlear de m80 mV é essencial para a audição normal e está intimamente relacionado aos mecanismos de transporte de potássio. 21, 22 O sódio também é metabolizado pela estria vascular por meio de canais seletivos. 23 
Em pacientes com doença da membrana da borda da escova, (doença congênita onde o intestino tem intolerância a dieta com certos carboidratos) as altas concentrações de lactose e sacarose no intestino delgado criam um desequilíbrio osmótico que resulta na transposição da glicose do sangue para o intestino, produzindo hipoglicemia. Os açúcares não absorvidos procedem para o cólon e são digeridos por bactérias intestinais, resultando em distensão abdominal e, frequentemente, gases e diarréia. 13 
Alterações na glicose e na concentração sanguínea de insulina afetam a homeostase coclear, alterando a estrutura química da endolinfa. O aumento da concentração de sódio e a redução do potássio aumentam a pressão osmótica, exigindo mais água no espaço endolinfático. O aumento de volume causa hidropisia endolinfática. Sabe-se que a hidropisia endolinfática é o substrato da doença de Menière, mas também sabemos que a hidropisia ocorre em outros distúrbios do ouvido interno. Por outro lado, a hidropisia pode derivar de produção excessiva ou falta de absorção da endolinfa e esses mecanismos não estão relacionados a distúrbios metabólicos.

(...) 

Conclusões: O ouvido interno é um órgão muito sensível e, em muitos pacientes, é o primeiro a mostrar sinais de distúrbios do metabolismo de carboidratos. Os sintomas cocleares (=perda de audição e zumbido[tinnitus]) e vestibulares (=vertigem, tontura) resultantes desses distúrbios são muito comuns, podem ser diagnosticados e tratados, e muitas vezes são reversíveis.

As referências estão na publicação original
Artigo Original AQUI
Publicação de Julho de 2015
International Archives of Otorhinolaryngology

TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SÉRIE PROBLEMAS E SOLUÇÕES

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Jejum: Dicas elementares



JEJUM

Uma das coisas que mais chama a atenção é perceber que muitas pessoas não costumam se questionar sobre um tópico muito singelo mas amplamente esquecido: considerando que a gordura é uma reserva de energia, por que pessoas com sobrepeso ainda tem fome? Quinze quilos de adiposidade extra é o equivalente a energia de dois meses sem necessidade de suplementação. É como um carro com mais de um tanque cheio de combustível, oferecendo cerca de 1200 km de autonomia, para percorrer meros 1800 m, mas o motorista está atormentado para adicionar mais gasolina, obviamente desnecessária. Em termos fisiológicos ancestrais, uma configuração primária do sistema é o jejum. Qualquer pessoa que estude sobre a evolução da espécie humana vai saber que o jejum nunca foi uma opção - foi uma contingência que acompanhou nossa evolução e aprimorou nossa espécie.  Um crítico néscio sobre o jejum não tem a sabedoria ou o acesso a informação mais básica de nossa própria história evolutiva. (Não é nem preciso dizer que o jejum nada tem a ver com a situação de miséria). O jejum pode ser uma estratégia simples e eficiente para lhe auxiliar a perder peso, controlar o diabetes, melhorar seu rendimento muscular, potencializar aptidões cognitivas, entre outras possibilidades. Segue abaixo um artigo sobre tópicos elementares sobre o jejum

Pontos básicos sobre o jejum
John Clary
07/02/20


No sentido estrito, jejuar não é comer. Todos nós já ouvimos falar de muitos tipos de jejuns e alguns de nós já experimentaram a maioria deles. "Fiz um suco rápido uma vez, consumindo apenas suco verde caseiro que fiz de couve, espinafre, maçã, pepino etc. Pensei que estava fazendo algo de bom para mim, mas agora sei que estava rapidamente aumentando minha glicose e insulina com uma carga de carboidratos em minha corrente sanguínea".
Toda vez que comemos ou bebemos algo, há uma liberação de insulina. Para muitas pessoas, o objetivo do jejum é nos ajudar a perder peso, melhorar a inflamação e reverter uma doença metabólica. Podemos ajudar nesse esforço, mantendo a insulina baixa, o que o jejum nos ajuda a fazer. Se não estamos consumindo alimentos e bebidas, o corpo não está produzindo insulina e isso pode ser um operador favorável a tratar nossa resistência à insulina.
Frequentemente é sugerido o uso de auxiliares ao jejum, como um pouco de manteiga ou uma colher de óleo de coco no café ou em um chá, ou uma xícara de caldo de osso caseiro (broth). Isso é para auxiliar a superação de um obstáculo ao jejum, onde você pode estar pronto para jogar a toalha e terminar o jejum. Se utilizar uma ajuda ao jejum para a estender seu jejum, é uma vitória! Não há vergonha em usar esse tipo de apoio ao jejum! Não é uma competição.
Obviamente, a ideia de um amparo ao jejum é que você construa seu músculo em jejum e possa efetivamente jejuar utilizar esses "apoios". E se a autofagia (autofagia celular, fundamental para regeneração de tecidos) é seu objetivo, considere usar apenas água e sal no seu jejum. Mas, se estiver em jejum para perder peso, esses auxílios ainda permitirão a maioria dos benefícios de um jejum de apenas água. Acima de tudo, jejue da maneira para você possa ficar confortável.
Por que o jejum é importante?
Ao longo da história, sempre houve momentos de insegurança alimentar. Nossos ancestrais comiam quando tinham comida. Muitos alimentos estavam disponíveis apenas sazonalmente e somente quando os coletávamos ou caçávamos. Não havia supermercados e lojas de conveniência para comprar nossos alimentos favoritos o ano todo. Comíamos quando havia comida disponível e, quando não havia comida, consumíamos a gordura corporal. É assim que o corpo foi projetado para comer. Armazenamos gordura corporal em tempos de abundância e a queimamos em períodos de escassez.
Assim, muitos de nós nesses tempos modernos, enfrentamos problemas por causa de nossa alimentação. Parte disso se deve aos alimentos industrializados altamente processados ​​que comemos e que nossos ancestrais não comiam. Também temos acesso 24 horas por dia, 365 dias por ano, a alimentos de todos os tipos, sejam saudáveis ou​ não saudáveis, e quase tudo está disponível em abundância. Costumávamos comer certos alimentos, como frutas frescas, como uma possibilidade sazonal ou mesmo ocasional. E alguns alimentos foram reservados para ocasiões especiais. Agora, se assim quisermos, podemos comer bolo de aniversário todos os dias!
Pensando novamente em como nossos ancestrais comiam, houve momentos de festa e de jejum. O que temos agora em nosso mundo moderno é só o festejar sem o jejuar. Não fomos projetados para festejar o tempo todo, mas muitos o fazem, e é por isso que alguns de nós acabamos sendo obesos e doentes. Precisamos equilibrar nossos banquetes habituais com o jejum.

What is fasting and why is it important?
Coach John Clary takes it back to basics  


Do site THE FASTING METHOD


Artigo original AQUI

TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SEÇÃO SOLUÇÕES 

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Dietas low carb são adequadas para a osteoartite





COMO UMA DIETA COM REDUÇÃO DE CARBOIDRATOS (Low Carb) PODE SER UMA OPÇÃO DE TRATAMENTO PARA A OSTEOARTRITE

Um estudo publicado recentemente, em janeiro de 2020, explica o papel da insulina na agravação do processo inflamatório das células responsáveis pelos prejuízos articulares na osteoartrite. Este dá subsídios ainda mais robustos para uma abordagem de dieta baixa em carboidratos como terapêutica alimentar a esse tipo comum de patologia.
A primeira parte desse post é o sumário do estudo de 2020, pela Spring Nature. A segunda parte é um artigo de 2019, publicado na Rheumatology Advisor, de um estudo especificamente sobre o potencial positivo da low carb nessa enfermidade.

Parte Um:

(Texto com conteúdo mais técnico editado para facilitar a compreensão)

O que são os sinoviócitos?

Sinoviócitos são células que ficam na superfície, dentro do espaço articular - nas faces de contato - da MEMBRANA SINOVIAL. São dois tipos de célula. O tipo A de sinoviócitos são MACRÓFAGOS responsáveis pela remoção de resíduos da cavidade articular. Os sinoviócitos tipo B são semelhantes a fibroblastos e estão envolvidos na produção de constituintes da matriz da articulação (exemplo: ÁCIDO HIALURÔNICO, COLÁGENOS e FIBRONECTINA).

Insulina agrava inflamação em sinoviócitos do tipo fibroblastos

A osteoartrite (OA) é considerada a doença degenerativa mais frequente e é caracterizada por degradação da cartilagem e inflamação sinovial. Sinoviócitos do tipo fibroblastos (FLSs) são vitais para a inflamação sinovial na OA. O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é caracterizado por resistência à insulina e hiperinsulinemia e demonstrou ser um fator de risco independente para OA. A autofagia está envolvida nos processos de várias doenças inflamatórias e a inibição da autofagia pode estimular o desenvolvimento da OA. Assim, objetivamos investigar o papel da insulina no fenótipo inflamatório e autofagia dessas células na osteoartrite. Os dados mostraram que a viabilidade celular e a produção de citocinas pró-inflamatórias nesses sinoviócitos aumentaram após a estimulação da insulina. Também foi descoberto que insulina alta poderia promover a infiltração de macrófagos e a produção de quimiocinas, mas inibia a autofagia nos sinoviócitos (A autofagia é um importante processo celular que mantém a homeostase e está envolvido na patogênese de muitas doenças inflamatórias. Notavelmente, a inibição da autofagia está intimamente relacionada à patogênese da osteoartrite). Para explorar ainda mais os mecanismos potenciais, foram avaliados os efeitos da insulina na ativação da sinalização do fenótipo de inflamação. Os resultados indicaram que a insulina ativou a sinalização de químicos corporais (nomes complicados como: PI3K / Akt / mTOR / NF-ĸB) e as respostas inflamatórias acima mencionadas, incluindo a inibição da autofagia (A autofagia é um processo de regeneração natural que ocorre em nível celular no corpo, reduzindo a probabilidade do surgimento de algumas doenças, além de aumentar a longevidade. BBC), foram notavelmente atenuadas por inibidores de sinalização específicos na presença de insulina alta. Além disso, os dados mostraram que havia um loop de feedback positivo entre citocinas pró-inflamatórias (e as respostas inflamatórias acima mencionadas, incluindo inibição da autofagia), foram notavelmente atenuadas por inibidores de sinalização específicos na presença de insulina alta. Além disso, os dados mostraram que havia um loop de feedback positivo entre citocinas pró-inflamatórias e outros operadores celulares nos sinoviocitos, e a insulina acentuou esse loop de feedback fazendo acelerar a progressão da osteoartrite. Nosso estudo sugere que (o manejo) da insulina pode ser uma nova estratégia terapêutica para prevenção e tratamento da osteoartrite no futuro.

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Parte Dois
Uma dieta pobre em carboidratos pode tratar a osteoartrite do joelho?
Uma modificação no estilo de vida pode ajudar a aliviar a dor associada à osteoartrite do joelho (OA), de acordo com um estudo publicado na Pain Medicine.
Opioides, analgésicos e anti-inflamatórios trazem efeitos colaterais desagradáveis ​​para muitos pacientes com OA persistente do joelho. Observando a necessidade de formas alternativas de tratamento da dor, pesquisadores da Universidade do Alabama em Birmingham (UAB) testaram a eficácia de duas intervenções dietéticas: uma com baixo teor de carboidratos e outra com baixo teor de gordura. 1
Adultos de 65 a 75 anos de idade com OA de joelho seguiram uma das intervenções alimentares ou continuaram a comer normalmente por 12 semanas. A cada 3 semanas, os pesquisadores avaliavam a dor funcional dos participantes, a dor autorreferida, a qualidade de vida e os níveis de depressão. Eles também examinaram os níveis séricos de estresse oxidativo antes e após a intervenção.
Os pesquisadores descobriram que a dieta pobre em carboidratos reduziu os níveis de dor funcional e a dor autorreferida em comparação com as dietas com pouca gordura ou regulares. Os participantes que seguiram a dieta baixa em carboidratos também apresentaram reduzido estresse oxidativo.
Os autores concluíram que a redução do estresse oxidativo através de uma dieta pobre em carboidratos pode aliviar a dor e oferecer uma alternativa aos opioides.
"Muitos medicamentos para a dor causam uma série de efeitos colaterais que podem exigir a redução de outros medicamentos", disse Robert Sorge, PhD, professor assistente da UAB e principal autor do estudo. “A dieta nunca 'cura' a dor, mas nosso trabalho sugere que ela pode reduzi-la a um ponto em que não interfira de forma mais limitante nas atividades diárias.” 2

Referências no artigo original
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