terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Alergia à penicilina, a maioria das pessoas está enganada

 


Alergia à penicilina?

Artigo da dra Harriet A Hall


Você é um dos 10% dos americanos que relatam ser alérgicos à penicilina? Você sabia que menos de 1% da população é realmente alérgica? Você sabia que 80% das pessoas com uma real alergia à penicilina (mediada por IgE - imunoglobulina E) perdem a sensibilidade após dez anos? Você percebeu que "o uso de antibióticos de amplo espectro em pacientes rotulados como 'alérgicos à penicilina' está associado a custos de saúde mais elevados, aumento do risco de resistência a antibióticos e antibioticoterapia inadequada?"

Falsos diagnósticos
Por muitos anos, pensei que era alérgica à penicilina. Meus prontuários me rotulavam como alérgica, e eu achava que nunca mais poderia tomar penicilina. O diagnóstico de alergia foi baseado no fato de que eu desenvolvi uma erupção cutânea enquanto tomava penicilina, mas mais tarde percebi que a erupção provavelmente não era causada pela droga, mas pela infecção para a qual eu estava tomando a droga. Eu não tinha sinais de anafilaxia, como urticária ou sintomas nos sistemas respiratório, cardiovascular ou gastrointestinal. Quando desenvolvi um quadro de infecção por estreptococos anos depois, assumi o risco e recebisuma injeção de penicilina. Como eu suspeitava, eu não era verdadeiramente alérgica: não tive nenhum tipo de reação adversa.
Em cada encontro com um profissional de saúde, me perguntam repetidamente se sou alérgica a algum medicamento. Agora posso relatar "sem alergias".
Teste cutâneo
O teste cutâneo já está disponível e é altamente confiável para descartar alergia; se um teste cutâneo negativo for seguido por uma dose de teste, a precisão é essencialmente de 100 por cento! Porém é essencialmente inútil para diagnosticar alergias por causa da alta taxa de resultados falsos positivos, e muitos especialistas agora argumentam contra o uso rotineiro de testes antes de um teste de uso oral, especialmente em crianças que tiveram apenas uma erupção cutânea.

Dessensibilização
Eu costumava supor que os pacientes considerados alérgicos à penicilina nunca mais poderiam tomá-la ou tomar medicamentos relacionados. Isso não é mais verdade. A penicilina ainda é a droga de escolha para sífilis, certos tipos de endocardite, estreptococo na garganta, pneumonia pneumocócica e algumas outras infecções. Outras drogas podem não ser tão eficazes, e não há alternativa terapêutica para sífilis durante a gravidez ou neurossífilis. Mas há uma boa notícia para os pacientes que precisam de penicilina, mas são (realmente) alérgicos a ela. A dessensibilização já está disponível; pode permitir-lhes tolerar a penicilina temporariamente sem provocar uma reação alérgica. Os protocolos de dessensibilização podem envolver pré-tratamento com medicamentos que reduzem o risco; isso permanece controverso. A dose inicial é baseada na gravidade da reação e pode ser tão pequena quanto um milionésimo da dose terapêutica. Doses gradualmente crescentes são administradas ao longo de várias horas a alguns dias até que o paciente seja capaz de tolerar a dose terapêutica completa.
Mensagem final
Se você acha que é alérgico à penicilina, há uma boa chance de não ser. E se você é alérgico, mas a penicilina é a droga de escolha, você ainda pode tomá-lo após a dessensibilização.

Este artigo foi originalmente publicado no Skeptical Inquirer.

Artigo original AQUI

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Gravura produzida por IA

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Estudo mostra mais relacoes entre stress e bacterias intestinais



O ESTRESSE E AS BACTÉRIAS INTESTINAIS

Como o estresse crônico afeta negativamente o funcionamento do intestino? 

Pesquisas mostram novas evidências.


No último dia 23/01/24 a revista Nature publicou mais um artigo sobre esse tema, a relação do sistema nervosos central/estresse/microbioma dos intestinos (conjunto de bactérias que habitam naturalmente o aparelho digestivo).

O artigo inicia, como o conhecimento de que, há muito tempo, o estresse mental tem sido associado a problemas gastrointestinais, como a síndrome do intestino irritável (SII). Nessa direção, pesquisadores descobriram informações mais detalhadas sobre como o estresse pode prejudicar o funcionamento dos intestinos, desencadeando uma série de reações bioquímicas que alteram o microbioma.

O estudo, publicado nessa data, na revista Cell Metabolism, é interessante, segundo Christoph Thaiss, microbiologista e neurocientista da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, pois explica como o cérebro – anatomicamente distante do trato gastrointestinal – ainda pode exercer influência sobre ele.

Existem reações metabólicas que não são desejáveis. As repercussões dessas reações podem ser exemplificadas por enfermidades como a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que leva a dores abdominais e diarreia (aflige 10% da população!), ou a Doença Inflamatória Intestinal (DII), que causa inflamação nos intestinos e desencadeia sintomas semelhantes, (aflige até dez milhões de pessoas no mundo). O objetivo do pesquisador de metabolismo, Xiao Zheng, coautor do estudo e membro da Universidade Farmacêutica da China em Nanjing, era compreender os eventos celulares que desencadeiam essas condições.

Nessa investigação, os pesquisadores usaram ratos que foram ao estresse crônico durante duas semanas e observaram os efeitos, comparados a outros animais que não foram submetidos a tal situação. Foi verificado uma redução nos níveis de células protetoras dos intestinos no primeiro grupo. O processo é consequência de uma disfunção no metabolismo das células-tronco intestinais, que normalmente se diferenciam nessas células protetoras.

O âmago dessa pesquisa foi procurar por uma razão para esse processor se estabelecer. Assim os pesquisadores desse estudo foram examinar o microbioma daqueles ratos. Já existe conhecimento de que a ativação do sistema autônomo (simpático) típico das reações de luta/fuga do estresse transformam o microbioma (como diz esse estudo aqui). Algumas bactérias do gênero Lactobacillus, que ocorrem naturalmente no intestino e proliferam sob condições estressantes, produzem uma substância química chamada indol-3-acetato (IAA). Os investigadores descobriram que um nível elevado de IAA, desencadeado pelo stress, impedia que as células tronco intestinais do rato se tornassem células protetoras.

 

Apesar de ter sido realizado em ratos, este estudo apresenta evidências que sugerem que as conclusões podem ser aplicáveis a seres humanos. A equipe de pesquisa descobriu níveis elevados de bactérias Lactobacillus e IAA nas fezes de indivíduos com depressão, em comparação com indivíduos sem depressão. "Quando estamos sob estresse, nosso microbioma intestinal também sofre estresse", apontou Zheng.

Os pesquisadores também encontraram um possível remédio, pelo menos para os roedores. Ao administrar um suplemento chamado α-cetoglutarato em ratos estressados, o metabolismo das células-tronco em seus intestinos foi ativado. Porém, Thaiss ressalta a necessidade de mais pesquisas para entender os efeitos a longo prazo desse suplemento e se ele é capaz de reduzir os sintomas de disfunção intestinal.

 No final desse artigo, fica claro que estamos em frente àquilo que os autores definiram como: uma peça do quebra-cabeça. Isso precisa ficar bem claro, uma vez que sabidamente o estresse desencadeia múltiplas alterações bioquímicas no organismo inteiro. Então o processo de afetação no intestino deve ter mais eventos. Um estudo anterior já mostrou uma via separada de estimulo à células imunitárias intestinais (link aqui). E não se pode precisar se há relação entre o que foi descoberto aqui com esse achado anterior.

O autor também sublinha que o estudo do IAA aborda efeitos posteriores (da resposta de estresse no intestino), sendo planejado investigar efeitos prévios desse processo e, naturalmente investigar a segurança/eficácia do α-cetoglutarato.

Não podemos esquecer que há muito caminho de pesquisa a trazer mais esclarecimentos, mas resta pouco dúvida sobre a atenção que precisamos dar aos cuidados sobre o microbioma intestinal para termos saúde física e mental


O artigo original da NATURE está aqui

Imagem original AQUI

domingo, 21 de janeiro de 2024

Transgênicos, realmente, fazem mal à saúde humana?

 

O arroz dourado é um alimento transgênico que pode
 resolver o problema da carência de vitaminas em países que têm no arroz sua base alimentar 

O artigo a seguir toca num tópico muito delicado. A proposta é responder a uma pergunta simples e direta: o consumo de alimentos com insumos transgênicos faz mal a saúde humana? Fui buscar um hub de informações confiáveis, baseado em análises focadas em evidências científicas. Se trata de um conteúdo do Science Based Medicine, e é um resumo atualizado que responde a essa questão. Já se passaram trinta anos, e temos um período de avaliação suficiente para poder examinar esse tema de frente. Naturalmente há uma construção social que autoriza uma desconfiança sobre esse tópico. Em princípio, possivelmente não gostaríamos de produzir ou consumir produtos que parecem improváveis de serem consumidos num mundo natural. Porém nos esquecemos de definir do que se trata esse mundo natural, mesmo que intuitivamente seja fácil imaginá-lo. Pois andamos de avião, substituímos partes do corpo humano em função de doenças, usamos hormônios depois que nossos órgãos não conseguem mais produzi-los, e muitos indivíduos - que se acham extremamente cautelosos com sua alimentação -  não parecem ter qualquer prurido quanto ao emprego de injeções de vitaminas (que não existem nessa alimentação tão zelosa)...   Então essa compreensão [do significado]  da naturalidade do existência humana pode sofrer grave interferência do viés [relativamente compreensível] que cerceia alguns ideais. O debate sobre tecnologias aplicadas à alimentação obviamente será sempre necessário. Porém encarcerar conceitos inapropriados ou falsos sobre segurança (de um tipo de alimento, por exemplo) para disfarçar apenas uma perspectiva preconceituosa, retrógada ou conservadora não vai permitir que vivamos numa sociedade justa, culta e harmoniosa. 

Atualização sobre OGMs e Saúde

Artigo de Steven Novella, publicado originalmente em 21/06/2023

Trinta anos depois, há ainda mais evidências de que os alimentos transgênicos são seguros.

Os transgênicos (organismos geneticamente modificados – OGM – ou GMO, em inglês) é um dos temas que tento acompanhar com cuidado, mesmo quando não está nas manchetes. O primeiro alimento transgênico foi aprovado em 1994 (um tomate transgênico que não está mais no mercado), então estamos chegando perto de 30 anos de transgênicos. Os opositores dos OGM alegam falsamente que não foram suficientemente estudados (há mais provas da sua segurança do que outros produtos alimentares) e que pode haver riscos desconhecidos a longo prazo. Estavam errados há 30 anos, mas era pelo menos verdade que a introdução de OGM no mercado alimentar e na alimentação animal era nova. Mas o argumento "novo", necessariamente, não envelheceu o suficiente. A essa altura, se houvesse algum risco real para os alimentos transgênicos, provavelmente estaríamos vendo o resultado – e não estamos.

A rotulagem dos OGM foi atualizada nos EUA e, embora não existam provas de que se trate de uma informação útil para os consumidores, registrou-se uma melhoria razoável. O USDA (departamento de agricultura dos EUA) agora usa o termo "bioengenharia" para se referir a qualquer produto alimentício que tenha níveis detectáveis de material genético alterado – genes que não poderiam ser resultados de técnicas usuais de reprodução. O termo "OGM" agora é restrito àqueles organismos com DNA estranho introduzido, geralmente transgênico, de organismos distantes, não sendo possível com a reprodução. A bioengenharia também pode se referir a uma série de processos, como o uso de CRISPR (uma técnica introduzida em 2009) para alterar genes existentes sem introduzir novos genes.

Além disso, pode parecer irônico que um grande número de culturas disponíveis tenha sido produzido ao longo do século passado por meio de melhoramento de mutações. Esta técnica usa química ou radiação para aumentar drasticamente a taxa de mutações (mil a um milhão de vezes) para aumentar o número de variedades para selecionar. Mas o melhoramento de mutações não é considerado OGM ou bioengenharia. Muitas outras culturas são híbridas, mesmo que sejam híbridos forçados (que não ocorreriam na natureza). Mas rotular tais culturas seria inútil, e proibi-las impossível, e elas constituem praticamente toda a nossa indústria agrícola.

Segurança das culturas de bioengenharia

Cada cultura de bioengenharia é estudada quanto à segurança, para garantir que não introduzam novos alérgenos ou toxinas. Eles são mais estudados do que culturas não biomodificadas, mesmo aquelas produzidas por meio de melhoramento mutacional. A alegação de que as culturas bioengenheiradas não são adequadamente estudadas é simplesmente errada e hipócrita.

Mas também temos muitas evidências ecológicas sobre os transgênicos em geral. Devido às vantagens agrícolas de muitas culturas transgênicas, a alimentação animal passou de totalmente não-OGM para principalmente OGM muito rapidamente. Uma revisão de estudos de 2017, essencialmente duas décadas após essa mudança, descobriu:

Com base nesta revisão da literatura, concluímos que não há evidências claras de que alimentos compostos por culturas OGM de primeira geração tenham efeitos adversos sobre a saúde animal.

Literalmente trilhões de animais foram alimentados com ração transgênica sem qualquer efeito negativo detectável para a saúde. No entanto, a mudança para alimentos não OGM pode ter efeitos negativos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Iowa State University, essa mudança aumentaria as emissões de gases de efeito estufa em 7%, aumentaria o uso da terra e aumentaria o preço dos alimentos.

Até o momento, houve mais de 3.000 estudos que analisaram a saúde e a segurança ambiental das culturas transgênicas, sem qualquer evidência de dano ou uma questão legítima de segurança. Com base nessas evidências, 280 organizações científicas em todo o mundo declararam que os transgênicos são tão seguros quanto os alimentos não transgênicos e não apresentam risco especial. Existe, de fato, um consenso científico esmagador de que os OGM atualmente no mercado são seguros e não representam qualquer ameaça para o ambiente.

Pelo contrário, a tecnologia dos OGMs tem sido fundamental para a indústria agrícola, aumentando a eficiência, a segurança alimentar e reduzindo a deterioração. A proibição dos OGM teria um efeito negativo líquido no ambiente e pioraria a segurança alimentar. Esse efeito só será maior no futuro, à medida que a tecnologia de transgênicos progride e a população humana cresce.

Essa desconexão entre os temores públicos, causados por uma campanha de desinformação, e um forte consenso científico baseado em décadas de pesquisa é gritante e muito perigosa. Um exemplo particularmente pungente é o destino do arroz dourado – uma variedade biomodificada de arroz com betacaroteno aprimorado destinada a reduzir a carga de deficiência de vitamina A, especialmente em certos lugares do mundo em desenvolvimento. Não há preocupações legítimas sobre o arroz dourado – os direitos de patente são licenciados livremente, não há nenhum problema com o uso de pesticidas e não há questões de segurança. O melhor que os adversários podem fazer é pedir ainda mais pesquisa – e a estratégia interminável de mudar as regras regulamentadoras, ou alegar que o arroz dourado não é tão eficaz. Parece que o que eles realmente temem é que o arroz dourado seja bem-sucedido, o que a afastaria a opinião pública dessa propaganda (anti-GMO).

As Filipinas aprovaram o arroz dourado e, até agora, os agricultores produziram mais de 100 toneladas de grãos de arroz dourado. No entanto, ativistas conseguiram convencer a Suprema Corte das Filipinas a manter esse grão longe de crianças desnutridas, alegando que é um risco para a natureza. Há uma suspensão temporária na liberação do grão, pendente de discussões sobre a segurança e o impacto ambiental do arroz dourado. Eles estão tentando um apelo desesperado de última hora para aliviar as evidências científicas que já foram revisadas. Trata-se de uma tragédia em formação, baseada inteiramente na pseudociência.

A saga dos transgênicos ainda está se desenrolando. Por um lado, o tempo está do lado da ciência nesse tópico. Quanto mais tempo passarmos sem que os temores dos ativistas anti-transgênicos sejam confirmados, mais forte será um argumento que construímos para a segurança de tecnologias de bioengenharia e culturas específicas. Além disso, a tecnologia continua a melhorar e novas aplicações estão sendo desenvolvidas. A necessidade de culturas bioprojetadas também está crescendo, e questões como mudanças climáticas, segurança alimentar e uso da terra estão cada vez mais eclipsando as falsas preocupações dos ativistas. Mas, ao mesmo tempo, é fácil exercer uma espécie de veto à tecnologia, tornando-a muito controversa e cara demais para ser comercialmente viável. É exatamente isso que estamos vendo acontecer nas Filipinas com o arroz dourado.

Isso leva de volta aos problemas centrais – os ativistas são incansáveis, enquanto os defensores da ciência e do bom senso têm inúmeras batalhas em suas mãos e muita competição por sua atenção. Não devemos tirar os olhos coletivos da questão do arroz dourado e da questão mais ampla dos benefícios da bioengenharia. Há cada vez mais dificuldade a ser enfrentada para que os melhores resultados sejam difundidos.

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Resumindo: não há nenhuma evidência científica de que os alimentos transgênicos façam mal ao ser humano, e seu consumo pode ser considerado seguro.

As referências têm os links no próprio texto

Sobre o autor:

Steven Paul Novella (nascido em 29 de julho de 1964) é um neurologista clínico americano e professor associado da Escola de Medicina da Universidade de Yale. [1] Novella é mais conhecido por seu envolvimento no movimento cético como apresentador do podcast The Skeptics' Guide to the Universe e como presidente da New England Skeptical Society. Ele é membro da Comissão de Inquérito Cético (CSI).

Link do original AQUI

Imagem desse post obtida AQUI