sábado, 24 de abril de 2021

Coronavírus - a Ivermectina sob a lupa da ciência (de verdade)

 


A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus trouxe à tona uma série de posturas e controvérsias que acabaram demonstrando como o conceito de evolução da sociedade é inacabado. Quando se compara (o conjunto de fatos de hoje) com o que já aconteceu em situações parecidas na história podemos chegar a triste conclusão de que estamos sempre perto do retrocesso e da negação da ciência. Claro, o rigor da ciência “é para os fortes”, a mágica da fé é bem mais democrática, e pode ser usada até mesmo por personagens sociais com boas intenções. As vezes o preço das escolhas assumidas é a imensa dificuldade de dar o braço a torcer (admissão de erros). Ao olhar para o tempo que já enfrentamos cenários similares, e alguns nomes ficaram lembrados pela sensatez. Outros pela sua falta. O site Science Based Medicine, publicou um artigo que faz a revisão sobre a ivermectina. É um artigo técnico e neutro. Não visa agradar ou não agradar. 

Voltando à história, vejamos um exemplo. Os cientistas que orgulharam a história da medicina desconfiaram que o bacilo da influenza (heamophylus, na época bacilo de Pfeiffer) não era o real causador da gripe de 1918. Pessoas da área de pesquisa médica com vozes bradantes afirmavam que só não descobriam ou comprovavam sua existência (da bactéria no material orgânico dos enfermos) em laboratórios os “imperitos” em pesquisa microbiológica. Mas a despeito de suas vociferações, eles estavam errados, como a história acabou mostrando. Na época muita gente deve ter ficado confusa. É uma pena. Mas pior é que situações como essa se repetem... Agora o problema é com a eleição de medicamentos (quase) mágicos. A fé é realmente gratuita. As agruras da “ciência de verdade” são para os fortes, e hoje eles podem ser desagradáveis aos ouvidos carentes de ouvirem apenas confirmações de suas “fantásticas” convicções. Vamos ao artigo:



IVERMECTINA É A NOVA HIDROXICLOROQUINA?


Artigo de Scott Gavura

Publicado em 15/04/2021


Com a chegada de vacinas seguras e eficazes para prevenir COVID-19, trazendo o que parece ser um caminho para um mundo pós-pandêmico, eu não tinha certeza se ainda valia a pena olhar para tratamentos COVID-19 não comprovados. Afinal, já se passou mais de um ano e temos muito mais conhecimento sobre o que realmente funciona para prevenir e tratar infecções por SARS-CoV-2. Mas, surpreendentemente, ainda existem defensores apaixonados de tratamentos que carecem de qualquer evidência forte de benefício. A ivermectina se enquadra nessa categoria.


A ivermectina tem sido apontada como um tratamento milagroso desde que a pandemia global existe, e esse entusiasmo continua forte (para alguns promotores), apesar do acúmulo de pesquisas que dizem o contrário. É importante ressaltar que houve um progresso significativo desde um ano atrás no tratamento de COVID-19, incluindo o reaproveitamento de outros medicamentos que realmente funcionaram (por exemplo, dexametasona, tocilizumabe). Nesse mesmo período, também vimos medicamentos que se mostraram ineficazes, como a hidroxicloroquina. Pode ser que a turma da hidroxicloroquina finalmente tenha mudado para outra substância.


Evidência fraca para o uso de ivermectina

A ivermectina (Stromectol, original no exterior, Revectina no Brasil) é um medicamento antiparasitário. É utilizado no tratamento da estrongiloidíase intestinal (verme, causada pela infecção por Strongyloides stercoralis ) e também na oncocercose (cegueira dos rios, causada pelo verme parasita Onchocerca volvulus e disseminada pela mosca negra Simulium ). Tem havido interesse pela ivermectina desde os primeiros dias da pandemia COVID-19, pois foi observado que em altas concentrações ela tinha propriedades antivirais contra o vírus SARS-CoV-2.

No entanto, havia uma importante limitação (red flag) nessa descoberta. Algumas semanas após a publicação da descoberta inicial, um pequeno artigo apareceu no British Journal of Clinical Pharmacology, descrevendo as considerações para o uso da ivermectina como antiviral. Embora reconhecesse as propriedades antivirais de altas concentrações da droga em experimentos de laboratório ( in vitro ), observou que provavelmente não seria possível atingir as mesmas concentrações da droga no plasma do sangue, porque a droga em si é fortemente ligado às proteínas do sangue. Mesmo dando 8,5 x a dose aprovada pela FDA (1700mcg / kg) resultou em concentrações sanguíneas muito abaixo da dose identificada que ofereceu efeitos antivirais:


Figura 01 - Concentrações livres no plasma de ivermectina baseado em 93% de ligação à proteínas plasmáticas. Peso corporal estimado de 70 kg. Se observa que em nenhuma dosagem foi alcançada a concentração antiviral requerida de 5µM (que é linha pontilhada no alto do gráfico)




Se um medicamento não atingir níveis suficientes no sangue ou plasma, não terá nenhum efeito significativo.

Os primeiros testes foram minúsculos e insuficientes para detectar qualquer coisa. Um dos artigos mais citados é este, publicado em outubro de 2020, que foi uma revisão de prontuários (não um estudo randomizado e controlado) que analisou pacientes hospitalizados tratados com ou sem ivermectina. Os autores observaram que a ivermectina estava associada a menor mortalidade, especialmente em pacientes com comprometimento pulmonar grave. No entanto, os pacientes que receberam ivermectina também eram mais propensos a receber drogas esteróides (que comprovadamente reduzem a mortalidade de COVID-19), o que significa que o uso de esteróides pode ter distorcido os resultados observados. Os autores corretamente convocaram um ensaio clínico randomizado para validar esses achados.

Um ensaio randomizado, prospectivo que apareceu foi subsequentemente este que foi publicado em Dezembro de 2020. Este pequeno ensaio olhou para pacientes hospitalizados em Bangladesh e randomizados 72 pacientes para ivermectina (12 mg por dia durante cinco dias), a ivermectina (dose única de 12 mg) com doxiciclina (um antibiótico) por cinco dias ou placebo. Os autores descobriram que a depuração viral ocorreu mais cedo no grupo da ivermectina de cinco dias, em comparação com o placebo. O estudo não analisou nenhum outro desfecho além da segurança (foi bem tolerado), e os autores observaram que estudos maiores seriam necessários.

Em março de 2021, outro ensaio clínico randomizado foi publicado que analisou o uso de ivermectina em pacientes com COVID-19 leve (ou seja, não hospitalizado). Este foi um estudo muito maior com 476 pacientes que receberam cinco dias de ivermectina 300 μg / kg por dia durante 5 dias, ou placebo. (Antes de continuar a ler, procure a faixa de 300 μg / kg na imagem acima.) Os pesquisadores descobriram que a ivermectina não afetou o tempo de resolução dos sintomas.

Para que você não pense que estou escolhendo "muito a dedo", me dirigirei para uma revisão de tecnologia de saúde datada de 8 de fevereiro de 2021 que tentou compilar e avaliar de forma abrangente e sistemática todas as evidências publicadas relevantes para ivermectina, até 5 de janeiro de 2021. Encontrou um total de seis publicações e fez a seguinte conclusão:


Os estudos primários identificados neste relatório, incluindo aqueles dentro da [revisão sistemática] foram verificados como tendo um alto risco de viés, produzindo assim uma qualidade de evidência muito baixa que impede a capacidade de resultar em quaisquer conclusões fortes sobre se a ivermectina poderia reduzir a mortalidade por todas as causas, melhorasse os sintomas clínicos e a hospitalização e aumentasse a depuração viral em pacientes com COVID-19. A decisão para o uso de ivermectina para tratar COVID-19 é atualmente desencorajada pelas diretrizes incluídas devido à falta de evidências fortes. É possível que a inconsistência na eficácia observada da ivermectina em estudos humanos recentes tenha sido em parte devido à concentração insuficiente da droga alcançada no plasma de pacientes quando a dose aprovada para infecções parasitárias foi usada para tratar COVID-19. Bem conduzido, ensaios de dose-resposta são necessários para fornecer conclusões confiáveis ​​sobre os benefícios e danos da ivermectina para o tratamento e prevenção de COVID-19. Até então, as interpretações das evidências existentes neste relatório devem ser tomadas com cautela.


Até a indústria farmacêutica recomenda não utilizar para essa finalidade

A ivermectina é bem tolerada, sem fatalidades (até o momento) relatadas por overdose. Em casos de exposição significativa a formulações veterinárias de ivermectina, com doses muito maiores, os efeitos colaterais variam de erupção cutânea e dor de cabeça a efeitos mais graves, como convulsões. O FDA alertou recentemente contra o uso de ivermectina, observando que algumas pessoas foram hospitalizadas após o uso. O NIH (Institutos Nacionais de Saúde do EUA) comentou sobre a falta de evidências em fevereiro de 2021, em suas Diretrizes de Tratamento COVID-19 :

Não há dados suficientes para que o Painel de Diretrizes de Tratamento do COVID-19 (o Painel) recomende a favor ou contra o uso de ivermectina para o tratamento de COVID-19. Os resultados de ensaios clínicos com potência adequada, bem planejados e bem conduzidos são necessários para fornecer orientações mais específicas e baseadas em evidências sobre o papel da ivermectina no tratamento de COVID-19.

Dado o perfil razoável de efeitos colaterais em doses regulares e o interesse mundial no medicamento, você esperaria que o fabricante se entusiasmasse, ou pelo menos não se comprometesse com o potencial de uso. Em fevereiro, a Merck, fabricante da ivermectina, fez a seguinte declaração sobre seu medicamento:

Os cientistas da empresa continuam a examinar cuidadosamente as descobertas de todos os estudos disponíveis e emergentes de ivermectina para o tratamento de COVID-19 para evidências de eficácia e segurança. É importante observar que, até o momento, nossa análise identificou:

  • Nenhuma base científica para um efeito terapêutico potencial contra COVID-19 de estudos pré-clínicos;
  • Nenhuma evidência significativa para atividade clínica ou eficácia clínica em pacientes com doença COVID-19, e;
  • A preocupante falta de dados de segurança na maioria dos estudos.

Não acreditamos que os dados disponíveis suportem a segurança e eficácia da ivermectina além das doses e populações indicadas nas informações de prescrição aprovadas pela agência reguladora.

Considere isso com cuidado. A empresa farmacêutica - que mais tem a ganhar com a venda de ivermectina - está ativamente desencorajando seu uso para tratar COVID-19.


Conclusão: Não há evidências de que a ivermectina pode tratar COVID-19

O surgimento da pandemia COVID-19 levou a um amplo interesse em reaproveitar os medicamentos existentes para reduzir o risco ou a gravidade das infecções. Embora alguns medicamentos tenham sido reaproveitados com sucesso e estejam agora em uso rotineiro para tratar COVID-19, muitos outros foram testados e considerados ineficazes. Evidências e hipóteses anedóticas são ótimos pontos de partida para a pesquisa. Mas, à medida que as evidências surgem, precisamos nos concentrar nas avaliações mais rigorosas para informar nossa tomada de decisão. Semelhante à hidroxicloroquina, não há nenhuma evidência convincente que demonstre que a ivermectina tem quaisquer efeitos clínicos significativos no tratamento de COVID-19.





Link do texto original AQUI

A foto do macaquinho no cabeçalho foi adquirida de fonte livre AQUI, e foi editada posteriormente

Sobre os vários sites que se auto rotulam como boa fonte de referência para suportar o uso de ivermectina vale a pena ver revisões sobre sua metodologia. Um exemplo pode ser esse aqui: