terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

O que é comida de verdade - a classificação dos alimentos pela distancia da natureza

SOB UMA VISÃO TÉCNICA - O QUE É COMIDA DE VERDADE?

Recomendações nutricionais que orientam práticas da alimentação do dia a dia envolvem o reconhecimento dos alimentos que precisam ou podem ser consumidos. Muitas vezes falamos na utilização da "comida de verdade". Essa expressão muitas vezes parece imprecisa para a maioria das pessoas, pois num primeiro momento, tudo que é vendido num supermercado deveria ser "comida" se esse é o atributo de um produto (alimentício) numa prateleira.
No entanto a comida de verdade diz respeito ao alimento disponível em ambientes naturais, despojado de embalagens, rótulos com lista de nutrientes, ou aditivos químicos de nome incomprensível para a maioria das pessoas. Contudo, a maioria de nós mora em um ambiente urbano, e poucos têm contato com locais de produção primária como sítios, hortas, pomares ou estábulos. Então uma boa parcela de alimentos "brutos" vão passar por algum tipo de manejo para ficar disponível ao consumidor da cidade, como embalamentos, lavagens, refrigeração etc. Ainda assim poderão ser tão próximos quanto possível do alimento in natura.
Em 2010 um grupo de pesquisadores em nutrição, da USP, liderados pelo professor Carlos Monteiro, criou uma classificação alimentar, que foi chamada de NOVA. Essa classificação agrupa os alimentos de acordo com a distância que eles apresentam em relação ao estado original. É a base do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014.
É também essa classificação que trouxe à tona o termo Alimento Ultraprocessado - ou UPF (ultra processed food, em inglês). E o guia alimentar recomenda: evite os ultraprocessados. Conheça a seguir essa classificação. Essa compilação foi extraida do World Nutrition Journal (uma publicação do World Public Health Nutrition Association)

Numa próxima publicação examinaremos um artigo que examina como os alimentos ultraprocessados assumiram um papel tão expressiva no consumo alimentar cotidiano e quais as graves consequencias dessa mudança de hábitos para a saúde pública.


GRUPO 1


  Grupo 1
  Alimentos in natura ou minimamente processados

   O primeiro grupo da classificação NOVA inclui alimentos in natura e alimentos minimamente processados. Alimentos in natura são partes comestíveis de plantas (sementes, frutos, folhas, caules, raízes) ou de animais (músculos, vísceras, ovos, leite) e também cogumelos e algas e a água logo após sua separação da natureza. 

   Alimentos minimamente processados são alimentos in natura submetidos a processos como remoção de partes não comestíveis ou não desejadas dos alimentos, secagem, desidratação, trituração ou moagem, fracionamento, torra, cocção apenas com água, pasteurização, refrigeração ou congelamento, acondicionamento em embalagens, empacotamento a vácuo, fermentação não alcoólica e outros processos que não envolvem a adição de substâncias como sal, açúcar, óleos ou gorduras ao alimento in natura. 

   O principal propósito do processamento empregado na produção de alimentos do grupo 1 é aumentar a duração dos alimentos in natura permitindo a sua estocagem por mais tempo. Outros propósitos incluem facilitar ou diversificar a preparação culinária dos alimentos (como na remoção de partes não comestíveis, fracionamento e trituração ou moagem dos alimentos) ou modificar o seu sabor (como na torra de grãos de café ou de folhas de chá e na fermentação do leite para produção de iogurtes). 

   São exemplos típicos de alimentos do grupo 1: legumes, verduras, frutas, batata, mandioca e outras raízes e tubérculos in natura ou embalados, fracionados, refrigerados ou congelados; arroz branco, integral ou parboilizado, a granel ou embalado; milho em grão ou na espiga, grãos de trigo e de outros cereais; feijão de todas as cores, lentilhas, grão de bico e outras leguminosas; cogumelos frescos ou secos; frutas secas, sucos de frutas e sucos de frutas pasteurizados e sem adição de açúcar ou outras substâncias ou aditivos; castanhas, nozes, amendoim e outras oleaginosas sem sal ou açúcar; cravo, canela, especiarias em geral e ervas frescas ou secas; farinhas de mandioca, de milho ou de trigo e macarrão ou massas frescas ou secas feitas com essas farinhas e água; carnes de boi, de porco e de aves e pescados frescos, resfriados ou congelados; frutos do mar, resfriados ou congelados; leite pasteurizado ou em pó, iogurte (sem adição de açúcar ou outra substância); ovos; chá, café e água potável.

   São também classificados no grupo 1 itens de consumo alimentar compostos por dois ou mais alimentos deste grupo (como granola de cereais, nozes e frutas secas, desde que não adicionada de açúcar, mel, óleo, gorduras ou qualquer outra substância) e alimentos deste grupo enriquecidos com vitaminas e minerais, em geral com o propósito de repor nutrientes perdidos durante o processamento do alimento in natura (como a farinha de trigo ou de milho enriquecida com ferro e ácido fólico). 

   Embora pouco frequentes, alimentos do grupo 1 quando adicionados de aditivos que preservam as propriedades originais do alimento, como antioxidantes usados em frutas desidratadas ou legumes cozidos e embalados a vácuo, e estabilizantes usados em leite ultrapasteurizado permanecem classificados no grupo 1. 


GRUPO 2


  Grupo 2
  Ingredientes culinários processados
  
   O segundo grupo da classificação NOVA é o de ingredientes culinários processados. Este grupo inclui substâncias extraídas diretamente de alimentos do grupo 1 ou da natureza e consumidas como itens de preparações culinárias. Os processos envolvidos com a extração dessas substâncias incluem prensagem, moagem, pulverização, secagem e refino. 

   O propósito do processamento neste caso é a criação de produtos que são usados nas cozinhas das casas ou de restaurantes para temperar e cozinhar alimentos do grupo 1 e para com eles preparar pratos salgados e doces, sopas, saladas, conservas, pães caseiros, sobremesas, bebidas e preparações culinárias em geral. 

   As substâncias pertencentes ao grupo 2 apenas raramente são consumidas na ausência de alimentos do grupo 1. São exemplos dessas substâncias: sal de cozinha extraído de minas ou da água do mar; açúcar, melado e rapadura extraídos da cana de açúcar ou da beterraba; mel extraído de favos de colmeias; óleos e gorduras extraídos de alimentos de origem vegetal ou animal (como azeite da oliva, manteiga, creme de leite e banha), amido extraído do milho ou de outra planta.

   São também classificados no grupo 2 produtos compostos por duas substâncias pertencentes ao grupo (como manteiga com sal) e produtos compostos por substâncias deste grupo adicionadas de vitaminas ou minerais (como o sal iodado). Vinagres obtidos pela fermentação acética do álcool de vinhos e de outras bebidas alcoólicas também são classificados no grupo 2, neste caso pela semelhança de uso com outras substâncias pertencentes ao grupo. 

   Produtos do grupo 2 quando adicionados de aditivos para preservar suas propriedades originais, como antioxidantes usados em óleos vegetais e antiumectantes usados no sal de cozinha, ou de aditivos que evitam a proliferação de micro-organismos, como conservantes usados no vinagre, permanecem classificados no grupo 2. 



GRUPO 3



 Grupo 3
 Alimentos processados

   O terceiro grupo da classificação NOVA é o de alimentos processados. Este grupo inclui produtos fabricados com a adição de sal ou açúcar, e eventualmente óleo, vinagre ou outra substância do grupo 2, a um alimento do grupo 1, sendo em sua maioria produtos com dois ou três ingredientes. Os processos envolvidos com a fabricação desses produtos podem envolver vários métodos de preservação e cocção e, no caso de queijos e de pães, a fermentação não alcoólica. 

   O propósito do processamento subjacente à fabricação de alimentos processados é aumentar a duração de alimentos in natura ou minimamente processados ou modificar seu sabor, portanto semelhante ao propósito do processamento empregado na fabricação de alimentos do grupo 1. 

   São exemplos típicos de alimentos processados: conservas de hortaliças, de cereais ou de leguminosas, castanhas adicionadas de sal ou açúcar, carnes salgadas, peixe conservado em óleo ou água e sal, frutas em calda, queijos e pães. 

   Produtos do grupo 3 quando adicionados de aditivos para preservar suas propriedades originais, como antioxidantes usados em geleias, ou para evitar a proliferação de micro-organismos, como conservantes usados em carnes desidratadas, permanecem classificados no grupo 3.  

   Caso bebidas alcoólicas sejam consideradas como parte da alimentação, aquelas fabricadas pela fermentação alcoólica de alimentos do grupo 1, como vinho, cerveja e cidra, são classificadas no grupo 3 da classificação NOVA. 


GRUPO 4

 Grupo  4
 Alimentos ultraprocessados
  
   O quarto grupo da classificação NOVA é o de alimentos ultraprocessados. Este grupo é constituído por formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes. Com frequência, esses ingredientes incluem substâncias e aditivos usados na fabricação de alimentos processados como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes.
Ingredientes apenas encontrados em alimentos ultraprocessados incluem substâncias não usuais em preparações culinárias e aditivos cuja função é simular atributos sensoriais de alimentos do grupo 1 ou de preparações culinárias desses alimentos ou, ainda, ocultar atributos sensoriais indesejáveis no produto final. Alimentos do grupo 1 representam proporção reduzida ou sequer estão presentes na lista de ingredientes de produtos ultraprocessados.

   Substâncias apenas encontradas em alimentos ultraprocessados incluem algumas extraídas diretamente de alimentos, como caseína, lactose, soro de leite e glúten, e muitas derivadas do processamento adicional de constituintes de alimentos do grupo 1, como óleos hidrogenados ou interestereficados, hidrolisados proteicos, isolado proteico de soja, maltodextrina, açúcar invertido e xarope de milho com alto conteúdo em frutose. Classes de aditivos apenas encontrados em alimentos ultraprocessados incluem corantes, estabilizantes de cor, aromas, intensificadores de aromas, saborizantes, realçadores de sabor, edulcorantes artificiais, agentes de carbonatação, agentes de firmeza, agentes de massa, antiaglomerantes, espumantes, antiespumantes, glaceantes, emulsificantes, sequestrantes e umectantes.
 
   Vários processos industriais que não possuem equivalentes domésticos são usados na fabricação de alimentos ultraprocessados, como extrusão e moldagem e pré-processamento por fritura. 
   O principal propósito do ultraprocessamento é o de criar produtos industriais prontos para comer, para beber ou para aquecer que sejam capazes de substituir tanto alimentos não processados ou minimamente processados que são naturalmente prontos para consumo, como frutas e castanhas, leite e água, quanto pratos, bebidas, sobremesas e preparações culinárias em geral. Hiper-palatabilidade, embalagens sofisticadas e atrativas, publicidade agressiva dirigida particularmente a crianças e adolescentes, alegações de saúde, alta lucratividade e controle por corporações transnacionais são atributos comuns de alimentos ultraprocessados. 

   Exemplos de típicos alimentos ultraprocessados são: refrigerantes e pós para refrescos;
‘salgadinhos de pacote’; sorvetes, chocolates, balas e guloseimas em geral; pães de forma, de hotdog ou de hambúrguer; pães doces, biscoitos, bolos e misturas para bolo; ‘cereais matinais’ e ‘barras de cereal’; bebidas ‘energéticas’, achocolatados e bebidas com sabor de frutas; caldos liofilizados com sabor de carne, de frango ou de legumes; maioneses e outros molhos prontos; fórmulas infantis e de seguimento e outros produtos para bebês; produtos liofilizados para emagrecer e substitutos de refeições; e vários produtos congelados prontos para aquecer incluindo tortas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas; extratos de carne de frango ou de peixe empanados do tipo nuggets, salsicha, hambúrguer e outros produtos de carne reconstituída, e sopas, macarrão e sobremesas ‘instantâneos’. 

   Embora pouco frequentes, são também classificados no grupo 4 produtos compostos apenas por alimentos do grupo 1 ou do grupo 3 quando esses produtos contiverem aditivos com função de modificar cor, odor, sabor ou textura do produto final como iogurte natural com edulcorante artificial e pães com emulsificantes.  

   Caso bebidas alcoólicas sejam consideradas parte da alimentação, aquelas fabricadas por fermentação de alimentos do grupo 1 seguida da destilação do mosto alcoólico, como cachaça,     uísque, vodca e rum, são classificadas no grupo 4 da classificação NOVA.


Nota - de acordo com o Novo Guia de Alimentação Brasileiro: 
EVITE OS ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS: Devido a seus ingredientes, alimentos ultraprocessados – como biscoitos recheados, ‘salgadinhos   de pacote’, refrigerantes e ‘macarrão instantâneo’ – são nutricionalmente desbalanceados. Por conta de sua formulação e apresentação, tendem a ser consumidos em excesso e a substituir alimentos in natura ou minimamente processados. Suas formas de produção, distribuição, comercialização e consumo afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente.



Link do texto original - texto original em inglês com referências AQUI

NT Obs.: No texto original, no grupo 2 estão incluídos os óleos de sementes como da soja. Como os produtos industrializados a partir de soja e outros óleos vegetais estão associados a questões de saúde, pelo excesso de ômega-6 ou processamento industrial daninho, foi retirado da tabela acima. Nas orientações de uma dieta de baixo carboidrato esses óleos e seus derivados como a margarina são fortemente desaconselhados. A recomendação da redução do consumo de amidos também faz parte das recomendações de uma alimentação low carb. Obviamente essa classificação não tem preocupação com esse tipo de cuidado. Ainda assim é altamente relevante pois o consumo de artigos UPF pode estar na raiz de uma série de problemas de saúde da atualidade.  





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Vertigem, zumbido e perda de audição - a insulina elevada em ação


Reduzir a insulina com uma dieta low carb pode ser tratamento para zumbido, vertigem e perda auditiva

O artigo a seguir mostra como a insulina afeta o nervo auditivo. O oitavo par craniano (vestíbulo-coclear) é o responsável por controlar a audição e o equilíbrio. Seus sintomas mais comuns envolvem a perda de audição, o zumbido, também conhecido como tinnitus, e a vertigem (as vezes num quadro de Síndrome de Menière).  Existe um modelo fisiopatológico que foi bem identificado em uma série de experimentos, sendo que uma das premissas foram os registros do médico pesquisador Joseph Kraft, reconhecido na área de estudos das taxas de insulina. Ele fez milhares de exames laboratoriais de testagem sanguínea da produção da insulina (com estímulo pela ingestão de glicose). Ele propôs a nomenclatura de diabetes oculto, onde taxas elevadas de insulina previam uma futura diabetes clínica (quando as taxas de glicose se mostrarão elevadas nos exames de sangue). O manejo das taxas de insulina nos experimentos acarretou mudanças na expressão fisiológica do ouvido, trazendo sintomas como redução auditiva e vertigem.
Dessa forma estratégias dietéticas que promovam queda nas taxas de insulina podem reduzir ou mesmo reverter esses sintomas que são bastante comuns. Adicionalmente pode se deduzir que uma alimentação com redução de carboidratos deve ser parte de uma orientação terapêutica de indivíduos com esse tipo de problema. Isso também retardar ou eventualmente prevenir que muitas dessas pessoas venham a manifestar diabetes clínica. Assim, quando o zumbido, a redução de audição ou uma vertigem aflija uma pessoa, ela precisa ser orientada a revisar seus hábitos alimentares. Isso certamente poderá conduzir a benefícios que irão muito além dos problemas do oitavo par craniano.



Perda auditiva, tontura e metabolismo de carboidratos
 Hearing Loss, Dizziness, and Carbohydrate Metabolism

O ouvido interno é um órgão altamente complexo com mecanismos metabólicos igualmente complexos. Alterações na concentração sanguínea de glicose e insulina podem causar perda auditiva e distúrbios vestibulares. Uma relação entre perda auditiva e diabetes foi relatada pela primeira vez por Abel Jordão em 1864.1 A perda auditiva em pacientes diabéticos pode ser de origem vascular, devido à aterosclerose. Rust et al., 2 no entanto, demonstraram a perda de células ciliadas externas (constituinte do ouvido interno) em ratos diabéticos, mais intensa naqueles que ingeriram açúcares absorvíveis rapidamente. É bem provável que essas alterações também possam ocorrer em pacientes diabéticos.
A hipoglicemia, no entanto, afeta o ouvido interno por meio de mecanismos estritamente metabólicos. Harril, 3 em 1951, descreveu a hipoglicemia como uma causa de enxaqueca e vertigem. Tintera e Goldman 4 (1956), Goldman 5 (1962) e Powers 6 (1972) analisaram casos da doença de Menière associados à hipoglicemia. Updegraff, 7 em 1977, propôs a titulação rotineira de insulina para examinar pacientes com distúrbios auditivos e / ou vestibulares que apresentassem uma possibilidade clínica de metabolismo alterado de carboidratos. A proposta de Updegraff foi baseada nas observações de Joseph R. Kraft, 8 que, em 1975, publicou seu banco de dados com 3.000 testes de tolerância à glicose, incluindo titulação simultânea de insulina. Ele demonstrou que os níveis de glicose por si só eram insuficientes para diagnosticar com precisão os distúrbios do metabolismo dos carboidratos. Ele introduziu o conceito de diabetes in situ, ou diabetes oculto, para descrever os tipos de alterações que evoluiriam gradualmente para o diabetes clínico. Em seu livro, publicado em 2008, 9, ele concluiu que, com base em mais de 14.000 testes, suas observações originais estavam corretas. Fukuda, 10 em 1982, e Mangabeira-Albernaz e Fukuda, 11 em 1984, usando o método de Kraft, analisaram um grupo de pacientes com problemas metabólicos e distúrbios do ouvido interno e concluíram que taxas mais elevadas de insulina (a hiperinsulinemia) era o achado mais comum. Eles confirmaram que os níveis de insulina eram indicadores mais sensíveis das alterações no metabolismo dos carboidratos do que os níveis de glicose
Mangabeira-Albernaz et al. 12, em 1985, descreveram pela primeira vez distúrbios vestibulares causados ​​por hipoglicemia resultante de mecanismos enzimáticos defeituosos do intestino delgado (doença da membrana da borda da escova). Mangabeira Albernaz & Miszputen 13 revisaram esse assunto em 2014. 
D'Avila e Lavinsky, em 2005, estudaram os perfis de glicose e insulina em pacientes com doença de Menière14 e Zuma, Maia e Lavinsky, em 2006, estudaram as emissões otoacústicas em um modelo animal de hiperinsulinemia induzida. 15

[Modelos fisiopatológicos a seguir, terminologia técnica a seguir]

Ramos, Ramos et al. revisou o tópico da vertigem metabólica em 2014. 16 A estria vascular é o centro metabólico essencial o ouvido interno. É responsável pelo potencial endococlear e pela manutenção da estrutura química da endolinfa, removendo seu sódio e controlando sua alta concentração de potássio. Isso é realizado pela {Naþ-Kþ} ATPase, comumente chamada bomba de sódio-potássio, uma enzima que está bem distribuída no organismo e presente nas estrias em altas concentrações. 17 
Koide et al., 18 em 1960, estudaram a ação da insulina no ouvido interno de cobaias. Eles notaram que a redução dos microfones cocleares ocorreu três horas após a administração de 80 UI de insulina por quilograma de peso corporal. Essa redução durou aproximadamente 80 minutos. A administração de glicose ou outros substratos do ciclo de Krebs resultou em uma recuperação parcial. Mendelsohn e Roderique, 19 em 1972, administraram insulina a cobaias e relataram alterações na composição química da endolinfa: redução progressiva da concentração de potássio e aumento progressivo da concentração de sódio. Três horas após a administração da insulina, a concentração de potássio variou de 147,8 mEq/L a 57,1 mEq/L e a concentração de sódio aumentou de 5,85 mEq/L para 96,4 mEq/L. Houve redução simultânea do potencial endococlear e dos microfones cocleares. É sabido que glicose e oxigênio são nutrientes essenciais para a bomba de sódio-potássio; no entanto, os mecanismos de transporte de glicose na cóclea não são tão conhecidos. 
Existem estudos mostrando que o transporte de glicose é realizado através de junções de comunicação (nexo) com a ajuda de um transportador (GLUT1), cuja presença foi demonstrada nas células basais da estria vascular em camundongos. Testes imunoquímicos mostraram que GLUT1, ocludina (uma proteína que fecha o nexo) e as proteínas conexina 26 e conexina 30 também foram demonstradas nas células basais das estrias, também em camundongos. 20 O potencial endococlear de m80 mV é essencial para a audição normal e está intimamente relacionado aos mecanismos de transporte de potássio. 21, 22 O sódio também é metabolizado pela estria vascular por meio de canais seletivos. 23 
Em pacientes com doença da membrana da borda da escova, (doença congênita onde o intestino tem intolerância a dieta com certos carboidratos) as altas concentrações de lactose e sacarose no intestino delgado criam um desequilíbrio osmótico que resulta na transposição da glicose do sangue para o intestino, produzindo hipoglicemia. Os açúcares não absorvidos procedem para o cólon e são digeridos por bactérias intestinais, resultando em distensão abdominal e, frequentemente, gases e diarréia. 13 
Alterações na glicose e na concentração sanguínea de insulina afetam a homeostase coclear, alterando a estrutura química da endolinfa. O aumento da concentração de sódio e a redução do potássio aumentam a pressão osmótica, exigindo mais água no espaço endolinfático. O aumento de volume causa hidropisia endolinfática. Sabe-se que a hidropisia endolinfática é o substrato da doença de Menière, mas também sabemos que a hidropisia ocorre em outros distúrbios do ouvido interno. Por outro lado, a hidropisia pode derivar de produção excessiva ou falta de absorção da endolinfa e esses mecanismos não estão relacionados a distúrbios metabólicos.

(...) 

Conclusões: O ouvido interno é um órgão muito sensível e, em muitos pacientes, é o primeiro a mostrar sinais de distúrbios do metabolismo de carboidratos. Os sintomas cocleares (=perda de audição e zumbido[tinnitus]) e vestibulares (=vertigem, tontura) resultantes desses distúrbios são muito comuns, podem ser diagnosticados e tratados, e muitas vezes são reversíveis.

As referências estão na publicação original
Artigo Original AQUI
Publicação de Julho de 2015
International Archives of Otorhinolaryngology

TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SÉRIE PROBLEMAS E SOLUÇÕES

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Jejum: Dicas elementares



JEJUM

Uma das coisas que mais chama a atenção é perceber que muitas pessoas não costumam se questionar sobre um tópico muito singelo mas amplamente esquecido: considerando que a gordura é uma reserva de energia, por que pessoas com sobrepeso ainda tem fome? Quinze quilos de adiposidade extra é o equivalente a energia de dois meses sem necessidade de suplementação. É como um carro com mais de um tanque cheio de combustível, oferecendo cerca de 1200 km de autonomia, para percorrer meros 1800 m, mas o motorista está atormentado para adicionar mais gasolina, obviamente desnecessária. Em termos fisiológicos ancestrais, uma configuração primária do sistema é o jejum. Qualquer pessoa que estude sobre a evolução da espécie humana vai saber que o jejum nunca foi uma opção - foi uma contingência que acompanhou nossa evolução e aprimorou nossa espécie.  Um crítico néscio sobre o jejum não tem a sabedoria ou o acesso a informação mais básica de nossa própria história evolutiva. (Não é nem preciso dizer que o jejum nada tem a ver com a situação de miséria). O jejum pode ser uma estratégia simples e eficiente para lhe auxiliar a perder peso, controlar o diabetes, melhorar seu rendimento muscular, potencializar aptidões cognitivas, entre outras possibilidades. Segue abaixo um artigo sobre tópicos elementares sobre o jejum

Pontos básicos sobre o jejum
John Clary
07/02/20


No sentido estrito, jejuar não é comer. Todos nós já ouvimos falar de muitos tipos de jejuns e alguns de nós já experimentaram a maioria deles. "Fiz um suco rápido uma vez, consumindo apenas suco verde caseiro que fiz de couve, espinafre, maçã, pepino etc. Pensei que estava fazendo algo de bom para mim, mas agora sei que estava rapidamente aumentando minha glicose e insulina com uma carga de carboidratos em minha corrente sanguínea".
Toda vez que comemos ou bebemos algo, há uma liberação de insulina. Para muitas pessoas, o objetivo do jejum é nos ajudar a perder peso, melhorar a inflamação e reverter uma doença metabólica. Podemos ajudar nesse esforço, mantendo a insulina baixa, o que o jejum nos ajuda a fazer. Se não estamos consumindo alimentos e bebidas, o corpo não está produzindo insulina e isso pode ser um operador favorável a tratar nossa resistência à insulina.
Frequentemente é sugerido o uso de auxiliares ao jejum, como um pouco de manteiga ou uma colher de óleo de coco no café ou em um chá, ou uma xícara de caldo de osso caseiro (broth). Isso é para auxiliar a superação de um obstáculo ao jejum, onde você pode estar pronto para jogar a toalha e terminar o jejum. Se utilizar uma ajuda ao jejum para a estender seu jejum, é uma vitória! Não há vergonha em usar esse tipo de apoio ao jejum! Não é uma competição.
Obviamente, a ideia de um amparo ao jejum é que você construa seu músculo em jejum e possa efetivamente jejuar utilizar esses "apoios". E se a autofagia (autofagia celular, fundamental para regeneração de tecidos) é seu objetivo, considere usar apenas água e sal no seu jejum. Mas, se estiver em jejum para perder peso, esses auxílios ainda permitirão a maioria dos benefícios de um jejum de apenas água. Acima de tudo, jejue da maneira para você possa ficar confortável.
Por que o jejum é importante?
Ao longo da história, sempre houve momentos de insegurança alimentar. Nossos ancestrais comiam quando tinham comida. Muitos alimentos estavam disponíveis apenas sazonalmente e somente quando os coletávamos ou caçávamos. Não havia supermercados e lojas de conveniência para comprar nossos alimentos favoritos o ano todo. Comíamos quando havia comida disponível e, quando não havia comida, consumíamos a gordura corporal. É assim que o corpo foi projetado para comer. Armazenamos gordura corporal em tempos de abundância e a queimamos em períodos de escassez.
Assim, muitos de nós nesses tempos modernos, enfrentamos problemas por causa de nossa alimentação. Parte disso se deve aos alimentos industrializados altamente processados ​​que comemos e que nossos ancestrais não comiam. Também temos acesso 24 horas por dia, 365 dias por ano, a alimentos de todos os tipos, sejam saudáveis ou​ não saudáveis, e quase tudo está disponível em abundância. Costumávamos comer certos alimentos, como frutas frescas, como uma possibilidade sazonal ou mesmo ocasional. E alguns alimentos foram reservados para ocasiões especiais. Agora, se assim quisermos, podemos comer bolo de aniversário todos os dias!
Pensando novamente em como nossos ancestrais comiam, houve momentos de festa e de jejum. O que temos agora em nosso mundo moderno é só o festejar sem o jejuar. Não fomos projetados para festejar o tempo todo, mas muitos o fazem, e é por isso que alguns de nós acabamos sendo obesos e doentes. Precisamos equilibrar nossos banquetes habituais com o jejum.

What is fasting and why is it important?
Coach John Clary takes it back to basics  


Do site THE FASTING METHOD


Artigo original AQUI

TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SEÇÃO SOLUÇÕES 

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Dietas low carb são adequadas para a osteoartite





COMO UMA DIETA COM REDUÇÃO DE CARBOIDRATOS (Low Carb) PODE SER UMA OPÇÃO DE TRATAMENTO PARA A OSTEOARTRITE

Um estudo publicado recentemente, em janeiro de 2020, explica o papel da insulina na agravação do processo inflamatório das células responsáveis pelos prejuízos articulares na osteoartrite. Este dá subsídios ainda mais robustos para uma abordagem de dieta baixa em carboidratos como terapêutica alimentar a esse tipo comum de patologia.
A primeira parte desse post é o sumário do estudo de 2020, pela Spring Nature. A segunda parte é um artigo de 2019, publicado na Rheumatology Advisor, de um estudo especificamente sobre o potencial positivo da low carb nessa enfermidade.

Parte Um:

(Texto com conteúdo mais técnico editado para facilitar a compreensão)

O que são os sinoviócitos?

Sinoviócitos são células que ficam na superfície, dentro do espaço articular - nas faces de contato - da MEMBRANA SINOVIAL. São dois tipos de célula. O tipo A de sinoviócitos são MACRÓFAGOS responsáveis pela remoção de resíduos da cavidade articular. Os sinoviócitos tipo B são semelhantes a fibroblastos e estão envolvidos na produção de constituintes da matriz da articulação (exemplo: ÁCIDO HIALURÔNICO, COLÁGENOS e FIBRONECTINA).

Insulina agrava inflamação em sinoviócitos do tipo fibroblastos

A osteoartrite (OA) é considerada a doença degenerativa mais frequente e é caracterizada por degradação da cartilagem e inflamação sinovial. Sinoviócitos do tipo fibroblastos (FLSs) são vitais para a inflamação sinovial na OA. O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é caracterizado por resistência à insulina e hiperinsulinemia e demonstrou ser um fator de risco independente para OA. A autofagia está envolvida nos processos de várias doenças inflamatórias e a inibição da autofagia pode estimular o desenvolvimento da OA. Assim, objetivamos investigar o papel da insulina no fenótipo inflamatório e autofagia dessas células na osteoartrite. Os dados mostraram que a viabilidade celular e a produção de citocinas pró-inflamatórias nesses sinoviócitos aumentaram após a estimulação da insulina. Também foi descoberto que insulina alta poderia promover a infiltração de macrófagos e a produção de quimiocinas, mas inibia a autofagia nos sinoviócitos (A autofagia é um importante processo celular que mantém a homeostase e está envolvido na patogênese de muitas doenças inflamatórias. Notavelmente, a inibição da autofagia está intimamente relacionada à patogênese da osteoartrite). Para explorar ainda mais os mecanismos potenciais, foram avaliados os efeitos da insulina na ativação da sinalização do fenótipo de inflamação. Os resultados indicaram que a insulina ativou a sinalização de químicos corporais (nomes complicados como: PI3K / Akt / mTOR / NF-ĸB) e as respostas inflamatórias acima mencionadas, incluindo a inibição da autofagia (A autofagia é um processo de regeneração natural que ocorre em nível celular no corpo, reduzindo a probabilidade do surgimento de algumas doenças, além de aumentar a longevidade. BBC), foram notavelmente atenuadas por inibidores de sinalização específicos na presença de insulina alta. Além disso, os dados mostraram que havia um loop de feedback positivo entre citocinas pró-inflamatórias (e as respostas inflamatórias acima mencionadas, incluindo inibição da autofagia), foram notavelmente atenuadas por inibidores de sinalização específicos na presença de insulina alta. Além disso, os dados mostraram que havia um loop de feedback positivo entre citocinas pró-inflamatórias e outros operadores celulares nos sinoviocitos, e a insulina acentuou esse loop de feedback fazendo acelerar a progressão da osteoartrite. Nosso estudo sugere que (o manejo) da insulina pode ser uma nova estratégia terapêutica para prevenção e tratamento da osteoartrite no futuro.

Link do texto original AQUI

Parte Dois
Uma dieta pobre em carboidratos pode tratar a osteoartrite do joelho?
Uma modificação no estilo de vida pode ajudar a aliviar a dor associada à osteoartrite do joelho (OA), de acordo com um estudo publicado na Pain Medicine.
Opioides, analgésicos e anti-inflamatórios trazem efeitos colaterais desagradáveis ​​para muitos pacientes com OA persistente do joelho. Observando a necessidade de formas alternativas de tratamento da dor, pesquisadores da Universidade do Alabama em Birmingham (UAB) testaram a eficácia de duas intervenções dietéticas: uma com baixo teor de carboidratos e outra com baixo teor de gordura. 1
Adultos de 65 a 75 anos de idade com OA de joelho seguiram uma das intervenções alimentares ou continuaram a comer normalmente por 12 semanas. A cada 3 semanas, os pesquisadores avaliavam a dor funcional dos participantes, a dor autorreferida, a qualidade de vida e os níveis de depressão. Eles também examinaram os níveis séricos de estresse oxidativo antes e após a intervenção.
Os pesquisadores descobriram que a dieta pobre em carboidratos reduziu os níveis de dor funcional e a dor autorreferida em comparação com as dietas com pouca gordura ou regulares. Os participantes que seguiram a dieta baixa em carboidratos também apresentaram reduzido estresse oxidativo.
Os autores concluíram que a redução do estresse oxidativo através de uma dieta pobre em carboidratos pode aliviar a dor e oferecer uma alternativa aos opioides.
"Muitos medicamentos para a dor causam uma série de efeitos colaterais que podem exigir a redução de outros medicamentos", disse Robert Sorge, PhD, professor assistente da UAB e principal autor do estudo. “A dieta nunca 'cura' a dor, mas nosso trabalho sugere que ela pode reduzi-la a um ponto em que não interfira de forma mais limitante nas atividades diárias.” 2

Referências no artigo original
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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Há sombras escurecendo o chocolate?




Em 2010 foi lançado um documentário - THE DARK SIDE OF CHOCOLATE (link no final do artigo)- que traz à tona aspectos poucos conhecidos sobre a cadeia produtiva desse adorado produto. O cacau, matéria prima  de algumas das mais importantes empresas mundiais vem da África, onde o uso de mão de obra infantil é uma das bases de sua produção. Esse grande problema motivou a existência de agentes fiscalizadores que certificam os processos envolvidos no artigo embalado de balcão, para que os consumidores tenham conhecimento que empresas como a Nestlé, Hershey, Ferrero e Mas não estejam se beneficiando de fornecedores que infligem diversas leis internacionais. Mas ao que parece isso ainda está carecendo de aperfeiçoamentos. É importante que o consumidor de produtos vistos como saudáveis para o indivíduo, sejam saudáveis para o ecossistema que queremos proteger, ecossistema que inclui o lado frágil de comunidades expostas a desumanidade de uma máquina de consumo que faz o rótulo saudável, orgânico, sugar-free, vegano etc., esconder sangue e dor de uma parte invisível do processo.


As empresas de chocolate vendem 'cacau certificado'. Mas algumas dessas fazendas usam trabalho infantil, e promovem danos às florestas.
Utz, o maior certificador de cacau, encontrou problemas "alarmantes" em quatro empresas responsáveis ​​por auditar uma grande parte do suprimento mundial.


A principal organização responsável pelos padrões de policiamento na indústria mundial de cacau aprovou regularmente cacau de fazendas da África Ocidental que usam trabalho infantil ou contribuíram para o desmatamento da região, mostram entrevistas e pesquisas.
A Utz, organização holandesa responsável pelas auditorias que abrange centenas de milhares de fazendas de cacau, teve falhas significativas em suas análises de conformidade, lançando dúvidas sobre as alegações das principais empresas de chocolate de que os esforços de monitoramento estão eliminando esses abusos. 


Durante anos, as maiores empresas de chocolate do mundo - incluindo Mars, Nestlé, Hershey e outras - anunciaram que sua cadeia de suprimentos foi eliminada de abusos porque foram "certificadas" por uma das três organizações de auditoria: Utz, Fairtrade ou Rainforest Alliance.
Muitos consumidores pagam mais por chocolate feito com cacau certificado, e a maioria das grandes empresas se comprometeu a certificar a maior parte ou todo o seu suprimento. Mas os problemas da Utz, que aprovou mais cacau do que qualquer outra organização de auditoria, prejudicam essas alegações, de acordo com entrevistas e registros revisados ​​pelo The Washington Post.
Enquanto as diretrizes de Utz devem impedir a degradação ambiental, um ex-funcionário disse ao The Post que muitas fazendas de Utz estavam localizadas dentro de florestas protegidas nacionalmente na Costa do Marfim. Então, em resposta a perguntas, um porta-voz da Utz confirmou que descobriu recentemente mais de 4.900 fazendas da Utz localizadas lá (no interior de florestas protegidas).
Embora Utz tenha regras contra o trabalho infantil, relatórios de pesquisa co-patrocinados pela organização em 2013 e 2017 descobriram que as fazendas certificadas pela Utz na Costa do Marfim eram mais propensas do que outras fazendas a terem crianças trabalhadoras, com crianças fazendo mais trabalho considerado perigoso, como trabalhando com facões e inseticidas
E no início deste ano, a Utz descobriu problemas significativos em quatro empresas de auditoria responsáveis ​​por aprovar uma grande parte do chocolate certificado no mundo. As empresas de auditoria citadas como problemáticas realizaram auditorias para a maioria das fazendas na Costa do Marfim, a maior fonte de cacau certificado do mundo isoladamente.
Em 2017, a Utz certificou 1,5 milhão de toneladas de cacau, ou cerca de dois terços da oferta mundial de cacau certificado, de acordo com estatísticas do setor. Todos os anos, ela certifica as colheitas de centenas de milhares de agricultores da África Ocidental.
"Os consumidores acreditam que, ao comprar cacau certificado, estão fazendo algo de bom para o meio ambiente, crianças ou agricultores", disse François Ruf, pesquisador da Costa do Marfim e co-autor de um estudo de 2013 co-patrocinado pela Utz. "Mas isso é uma ficção."
Um artigo do The Post em junho documentou o trabalho infantil generalizado nas fazendas de cacau da África Ocidental, apesar dos anos de promessas da indústria de chocolate para erradicá-lo. A indústria também foi responsabilizada por ter papel no desmatamento da região. Os programas de certificação, que as principais empresas de chocolate adotaram há vários anos, deveriam resolver esses problemas.
“Agora você precisa perguntar: 'qual é o sentido da 'certificação' do cacau?' ”Disse Etelle Higonnet, diretora sênior de campanha da Mighty Earth, um grupo ambientalista que tenta parar o desmatamento. "Eles estão destruindo as florestas e não recompensam com uma renda suficiente os agricultores."
Ela disse que o grupo já havia perguntado às autoridades de Utz sobre as fazendas certificadas sendo cortadas das florestas protegidas, mas não obteve resposta. Admitir que mais de 4.900 fazendas certificadas da Utz estavam localizadas dentro de florestas protegidas é escandaloso, disse ela.
Utz se recusou a fornecer detalhes sobre os problemas de cada uma das quatro empresas de auditoria na Costa do Marfim, citando acordos de confidencialidade. Porém, em uma carta de março, parte da qual foi divulgada ao The Post, Utz constatou que uma empresa de inspeção tinha “atividades de auditoria insuficientes, práticas repetitivas de mau gerenciamento de auditoria e más decisões de certificação, fatos  que são alarmantes”.
Os problemas, dizia a carta de Utz, "colocam em risco a credibilidade da decisão de certificação e, portanto, a credibilidade do programa UTZ".
As deficiências encontradas em duas outras empresas de auditoria foram consideradas de igual gravidade - descritas como um "cartão amarelo" - e as infrações em uma quarta (empresa) foram categorizadas como ainda mais graves pelos funcionários da Utz, um "cartão vermelho".
Em resposta a perguntas sobre esses problemas, funcionários da Utz, que no ano passado se fundiram com a Rainforest Alliance, enfatizaram que os problemas foram descobertos durante o "monitoramento normal". O monitoramento não levou a sanções de nenhum fazendeiro ou cooperativa e nenhuma aprovação para qualquer lote de cacau foram rescindidos. Em abril, para reformular suas práticas de auditoria, a Utz parou de emitir novas certificações de cacau na Costa do Marfim.
Quanto à descoberta de mais trabalho infantil em suas fazendas, Utz disse: "O cenário é um pouco mais complicado". Ele disse que havia mais relatos de trabalho infantil nas fazendas de Utz porque esses agricultores têm "mais consciência" do problema. Os pesquisadores que conduziram a pesquisa, no entanto, disseram que tomaram medidas em seu questionário para eliminar esses efeitos. 
Os funcionários da Utz também observaram que, embora a organização tenha aprovado 4.900 fazendas localizadas dentro de florestas protegidas nacionalmente, essas fazendas não são mais certificadas e representam apenas uma pequena parte de suas aproximadamente 423.000 fazendas na Costa do Marfim. A revisão do mapa que identificou fazendas Utz dentro das florestas protegidas, no entanto, está apenas parcialmente concluída.
Por fim, questionados sobre relatórios de ex-funcionários da Utz que disseram que os auditores às vezes são seduzidos com suborno e, outras vezes, ameaçados de violência, os funcionários da Utz indicaram que a corrupção no sistema era limitada.
"Nos seus quinze anos de história, a UTZ Certified investigou apenas casos isolados de corrupção", afirmou a organização em comunicado.
"Reconhecemos que as coisas devem mudar", disse a organização em comunicado ao The Post e, portanto, está adotando uma nova abordagem para o trabalho infantil. “Um sistema de certificação deve se adaptar e inovar para criar mais impacto e agregar mais valor aos produtores e empresas. Trabalhamos consistentemente para melhorar nossos padrões, mecanismos de garantia e intervenções associadas - e continuaremos a fazê-lo. ”

"Inquestionavelmente um desafio"

As empresas de chocolate que se vangloriaram de seu compromisso com a compra de cacau certificado enfatizaram, em resposta a essa história, que os esforços de certificação ajudaram de formas menos mensuráveis ​​- eles treinaram agricultores, por exemplo - e que seus esforços para cessar o dano ambiental e os abusos trabalhistas vão além da certificação. Três das empresas emitiram declarações em resposta a este artigo.
Hershey: “Auditar fazendas de cacau na África Ocidental, que representa milhões de agricultores espalhados por mais de 160.000 quilômetros quadrados, é sem dúvida um desafio. Antes dos certificadores entrarem na África Ocidental, isso nunca havia sido tentado anteriormente. O fato de ser um desafio e os processos não serem perfeitos não significa que o trabalho não vale a pena. ”
Ferrero: Além dos esforços de certificação, "o Grupo Ferrero possui sistemas de monitoramento e controle ... e investe em iniciativas comunitárias que abordam questões sistêmicas que impulsionam o desmatamento e o trabalho infantil: pobreza, falta de necessidades básicas e outros problemas sociais".
Mars: “Nosso objetivo é garantir que 100% do nosso cacau seja de origem responsável e rastreável até 2025 e continuaremos a trabalhar com comunidades agrícolas, fornecedores, governos e outros para que isso se concretize. Em 2018, a Mars lançou sua estratégia de cacau para gerações, exigindo padrões mais exigentes do que os conjuntos de certificação atualmente. ”
Funcionários da Nestlé se recusaram a comentar.
A indústria do chocolate começou a adotar programas de certificação há cerca de 10 anos como resposta a dois pesadelos em questões de relações públicas: primeiro, mais de 2 milhões de crianças trabalhadoras estavam trabalhando em fazendas de cacau na África Ocidental; e segundo, imagens de satélite sugeriam que essas fazendas eram responsáveis ​​por algumas das devastações cataclísmicas das florestas tropicais da região.  
"Acreditamos que é isso que devemos fazer como um cidadão mundial responsável", disse uma autoridade da Mars em abril de 2009 ao anunciar que estava se movendo em direção a 100% de cacau certificado. A Mars e a maioria das outras empresas continuam defendendo metas de certificação semelhantes.
O cacau é considerado certificado se uma das três organizações sem fins lucrativos - Utz, Rainforest Alliance e Fairtrade - estiver disposta a conceder seu rótulo, seu selo de aprovação. As organizações estabelecem regras para que os fazendeiros seguirem e depois autorizam as firmas de auditoria independentes a verificar a conformidade. No final, a certificação oferece um pouco a todos: os agricultores que cumprem as regras podem anunciar que seu cacau é certificado e obter um prêmio de preço de 10% ou até mais; as empresas pagam um pouco mais pelo cacau, mas isso adiciona supervisão à sua cadeia de suprimentos; e os consumidores se sentem melhor com esse chocolate.
Dos três grupos de certificação, Utz, o selo holandês, rapidamente se tornou líder em cacau, pelo menos em parte porque a organização pretendia torná-lo atraente o suficiente para ir além dos nichos de mercado.
A organização começou como uma etiqueta de certificação para café - o nome original era Utz Kapeh, uma frase que significa "bom café" em um idioma maia. Mudou-se para o cacau em 2008.
O objetivo era trazer sustentabilidade para a principal produção de cacau, com o executivo-chefe Han de Groot dizendo: "causar um impacto significativo só seria possível se pudéssemos alcançar volumes enormes". Consequentemente, a organização tomou várias medidas para atrair grandes empresas.
Por um lado, o preço do cacau Utz era justo: o “prêmio” que os compradores de cacau pagavam pelo cacau certificado Utz era significativamente menor do que o que os compradores pagavam pelo cacau Fairtrade - às vezes apenas a metade, de acordo com números publicados pelos rótulos. Vários executivos da indústria de alimentos atuaram no conselho da Utz, entre eles dois ex-executivos da Cargill, uma grande compradora de cacau.
No ano passado, cerca de 65% do cacau certificado no mundo ostentava o rótulo Utz.

Quatro empresas de auditoria citadas

Embora a palavra “certificação” possa sugerir uma aplicação rigorosa, no entanto, as inspeções são irregulares e os incentivos à fraude consideráveis, de acordo com entrevistas com ex-funcionários da Utz.
O recente problema na Costa do Marfim destacou o quão crítico esses problemas podem ser.
A Costa do Marfim é a principal fonte de cacau certificado pela Utz, e as quatro empresas de auditoria citadas pela Utz por problemas de auditoria foram responsáveis ​​por cerca de 90% das fazendas da Utz no país, segundo dados fornecidos ao The Post.
Duas dessas empresas de auditoria estão localizadas na África - AfriCert e Bureau Norme Auditoutros dois, Control Union e Bureau Veritas, estão sediados na Europa. As empresas de auditoria envolvidas revelaram pouco sobre o motivo pelo qual receberam avisos da Utz.
A Utz "descobriu que nossos auditores locais falharam em investigar minuciosamente as não conformidades encontradas", disse Udi Gabay, gerente regional da África para a Control Union, empresa de auditoria que recebeu o aviso mais severo da Utz, em comunicado. "Esse foi o resultado [da] falta de supervisão da gerência local".
A Control Union está tentando ser autorizada novamente como inspetor da Utz.
Um representante do AfriCert enviou perguntas para Utz.
Um representante do Bureau Veritas disse que houve "fraquezas no nível dos auditores".
Um representante do Bureau Norme Audit disse que a empresa continua sendo um auditor totalmente certificado para a Utz.
As sanções "não significam que todas as atividades (auditorias, decisões de certificação) foram conduzidas incorretamente", disse Utz em comunicado.
Mesmo quando as empresas de auditoria estão operando corretamente, no entanto, o sistema de inspeção permite que muitas fazendas passem sem ser checadas.
Na Utz - como em outros certificadores - quando um grupo de agricultores busca a certificação, apenas uma pequena amostra das fazendas é inspecionada. Para uma cooperativa típica de 1.000 agricultores que buscam a certificação Utz, por exemplo, os auditores podem inspecionar apenas cerca de 32. As auditorias geralmente são anunciadas com antecedência, uma prática que permite que os agricultores ocultem evidências de quaisquer desvios das regras.
Uma vez na fazenda, os inspetores geralmente enfrentam uma série de desafios, de acordo com ex-funcionários, começando com o fato de que os agricultores têm um incentivo financeiro substancial para enganar os auditores: se eles se reúnem com Utz, podem receber cerca de US$ 80 a mais por tonelada métrica de cacau que eles vendem.
Lenneke Braam, que até junho era chefe de padrões e garantia da Utz e da Rainforest Alliance, observou que as pressões sobre os auditores podem ser extremas, incluindo não apenas tentações como propinas, mas também ameaças de morte.
"Quantos não posso dizer", disse ela sobre as ameaças de morte. "Mas acontece."
A raiz do problema está no desespero dos agricultores, disse Lucas Simons, diretor global de programas da Utz em 2008. A questão, segundo ele, é se as diretrizes de certificação elaboradas na Europa ou nos Estados Unidos podem ser aplicada em um cenário em que o analfabetismo e a pobreza são generalizados e onde a infraestrutura básica - estradas e eletricidade - geralmente está ausente.
"Essas pessoas são pobres - para elas é uma questão de sobrevivência", explicou Simons. "Se as pessoas não sabem ler ou escrever, se ganham apenas 70 centavos de dólar por dia, e temos 35 páginas de requisitos que devem atender, não estamos criando uma economia sustentável".

Diferença marginal entre fazendas

Mesmo algumas das pesquisas de Utz fornecem evidências adicionais de que o sistema de inspeção é fraco: de várias maneiras, as fazendas que ela aprova na África Ocidental são um pouco diferentes daquelas que não são certificadas.
Por duas vezes, em 2013 e novamente em 2017, pesquisadores da Wageningen University & Research pesquisaram centenas de agricultores na Costa do Marfim e compararam agricultores certificados por Utz com aqueles que não eram certificados.
Os resultados não foram lisonjeiros.
Sobre a questão do trabalho infantil, os agricultores certificados pela Utz tinham mais crianças trabalhadoras do que agricultores que não possuíam certificação. Cerca de 14% dos agricultores não certificados disseram aos pesquisadores que tinham trabalho infantil; cerca de 16% dos agricultores certificados pela Utz o fizeram.
Em questões ambientais, os pesquisadores estudaram práticas gerais, plantio de árvores de sombra e manejo de resíduos. Havia algumas maneiras pelas quais as fazendas de Utz pareciam melhores: os agricultores de Utz eram mais propensos a plantar árvores de sombra, o que é um meio recomendado para combater o desmatamento. Os pesquisadores também creditaram ao programa de certificação a disseminação do conhecimento agrícola para fazendas além da Utz.
Porém, no geral, segundo os estudos, os "níveis de impacto geralmente têm sido marginais para os agricultores certificados".
"Ainda existe uma lacuna entre o que se espera que a certificação entregue e o que realmente foi entregue", de acordo com um artigo acadêmico publicado pelos pesquisadores.
Outros pesquisadores foram mais diretos.
Charity Ryerson, cofundadora do Corporate Accountability Lab, organização sem fins lucrativos, visitou cinco aldeias de cacau na Costa do Marfim no ano passado e encontrou poucas evidências de alguém verificando se as fazendas “certificadas” estavam operando de acordo com os padrões. Por exemplo, ela disse, uma lista de verificação que requer banheiros limpos foi totalmente averiguada em um relatório, mesmo que nenhuma das fazendas tenha banheiros.
"Pela nossa experiência conversando com os agricultores, ficou claro que a certificação não significava quase nada", disse Ryerson. “É um segredo aberto na Costa do Marfim que quase ninguém verifica a conformidade das fazendas certificadas.
“A certificação leva os consumidores a acreditar que os agricultores ganham um salário digno, seus filhos vão à escola e as condições de trabalho são decentes. Do ponto de vista de um agricultor que vive em extrema pobreza, isso é moralmente ultrajante. ”
Publicado originalmente em: 23 de outubro de 2019
Pelo THE WASHIGTON POST AQUI
TRADUÇÃO LIPIDOFOBIA
SÉRIE "AS SOMBRAS DOS ALIMENTOS PERFEITOS"
Steven Mufson contribuiu para este relatório.


Tiro na cabeça de Peter Whoriskey
Peter Whoriskey é escritor da equipe do The Washington Post, cujo trabalho de investigação se concentra nos negócios e na economia americanos. Anteriormente, ele trabalhou no Miami Herald, onde contribuiu para a cobertura do furacão Andrew, que recebeu um prêmio Pulitzer por serviço público.


O documentário THE DARK SIDE OF CHOCOLATE - pode ser visto no YouTube: