O artigo a seguir foi publicado na excelente revista The Atlantic nesse mês de janeiro de 23. O autor elabora seu artigo em cima de uma publicação que mostra um recente declínio na mortalidade pelo câncer nos Estados Unidos. Mas tudo indica que não são os tratamentos que levaram a esse resultado promissor. Mudanças de estilo de vida e exames médicos regulares parecem ser tão ou mais importantes que dispendiosos tratamentos (que nem sempre funciona como gostaríamos).
A razão surpreendente para o declínio na mortalidade por câncer
Mudanças comportamentais e exames podem ser tão importantes quanto os tratamentos, se não mais.
Por Derek Thompson
No ano passado, chamei a América de uma “armadilha mortal para ricos ”. Os americanos têm mais probabilidade de morrer do que os europeus ou outros cidadãos de nações igualmente ricas em quase todas as idades e níveis de renda. Armas, drogas e carros respondem por grande parte da diferença, mas os gastos recordes com saúde não trouxeram muita segurança contra a devastação de patógenos comuns. Enquanto a maior parte do mundo desenvolvido viu suas taxas de mortalidade melhorarem no segundo ano da pandemia de coronavírus, mais americanos morreram de COVID após a introdução das vacinas do que antes. (Estudos mostram que mais de 318.000 mortes de covid que ocorreram nos EEUU seriam evitadas, pois uma parcela da população não se vacinou, isso em abril de 22, quando o número de mortes estava em 641.000 *Link)(Hoje o numero de mortos por covid naquele país passa de 1.1 mi).
Mas esta semana, a América finalmente recebeu boas notícias na importante categoria de manter seus cidadãos vivos. Desde o início dos anos 1990, a taxa de mortalidade por câncer nos EUA caiu em um terço, de acordo com um novo relatório da American Cancer Society.
Quando li inicialmente as notícias no The Wall Street Journal , minha suposição era de que essa conquista nos resultados de saúde se devia principalmente a avanços médicos. Desde que a Guerra ao Câncer foi declarada pelo presidente Richard Nixon em 1971, os EUA gastaram centenas de bilhões de dólares em pesquisas sobre o câncer e no desenvolvimento de medicamentos. Conduzimos dezenas de milhares de ensaios clínicos de medicamentos para tratar cânceres em estágio avançado naquele período. Certamente, pensei, esses esforços hercúleos de pesquisa são os principais impulsionadores da redução da mortalidade por câncer.
Acontece que , no entanto, mudanças comportamentais e triagens (exames médicos) parecem tão importantes quanto os tratamentos, se não mais.
Vamos começar com um ponto óbvio, mas crucial: não existe uma doença individual chamada “câncer”. (Relativamente, nada como uma “cura para o câncer” singular provavelmente se materializará em breve, ou nunca.) Em vez disso, o que chamamos de câncer é um grande grupo de doenças em que o ponto de intersecção seja o crescimento descontrolado de células anormais que deixa as pessoas doentes e possivelmente provoca sua morte. Diferentes tipos de câncer têm diferentes causas e protocolos de triagem e, como resultado, o progresso pode ser rápido para um câncer e depressivamente lento para outro.
O declínio na mortalidade por câncer para homens nos últimos 30 anos é quase inteiramente resumido a um punhado de cânceres – pulmão, próstata, e cólon-retal. Pouco progresso foi feito em outros cânceres letais.
Considere as histórias divergentes de dois tipos de câncer. Em 1930, as taxas de mortalidade por câncer de pulmão e câncer pancreático foram medidas como igualmente baixas entre a população masculina americana. Na década de 1990, no entanto, a mortalidade por câncer de pulmão explodiu, e essa doença se tornou uma das principais causas de morte de homens americanos. Desde 1990, a taxa de câncer de pulmão caiu mais da metade. Enquanto isso, as taxas de mortalidade por câncer de pâncreas aumentaram constantemente na década de 1970 e basicamente se estabilizaram desde então.
O que explica essas diferentes trajetórias? No caso do câncer de pulmão, os americanos no século 20 participaram massivamente de comportamentos (especialmente fumar cigarros) que aumentaram drasticamente o risco de contrair a doença. Os cientistas descobriram e anunciaram esse risco, então as campanhas de saúde pública e as mudanças nas políticas incentivaram uma grande redução no tabagismo, o que gradualmente reduziu a mortalidade por câncer de pulmão. No caso do câncer de pâncreas, no entanto, as causas são misteriosas e a doença é trágica e notoriamente difícil de rastrear.
Os tratamentos para câncer de pulmão em estágio avançado melhoraram nas últimas décadas, de acordo com o relatório da American Cancer Society. Mas, apesar de todo o dinheiro que gastamos em tratamentos, a maior parte da queda nas mortes nas últimas três décadas parece ser resultado de mudanças comportamentais. Fumar nos Estados Unidos caiu de um recorde histórico de cerca de 4.500 cigarros por pessoa por ano em 1963 – o suficiente para cada adulto consumir mais de meio maço por dia – para menos de 2.000 no final do século. Caiu ainda mais desde então.
Outro possível fator no declínio da mortalidade por câncer é uma melhor triagem, embora a questão de quanto rastrear ainda seja controversa. No início da década de 1990, os médicos começaram a usar exames de sangue que mostravam indicadores da saúde da próstata. Este período coincidiu com um declínio no câncer de próstata. Mas muitos resultados positivos desses testes eram alarmes falsos, revelando casos assintomáticos que nunca teriam se transformado em cânceres graves. Como resultado, o governo federal desencorajou esses testes de câncer de próstata para homens na década de 2010. Desde então, os diagnósticos de câncer de próstata avançado aumentaram e as taxas de mortalidade pararam de cair – sugerindo que o regime de investigação anterior pode ter sido melhor, afinal.
Esse debate sobre a triagem do câncer pode definir a próxima geração da medicina. Como escrevi na edição do ano passado no artigo “Descobertas do Ano”, empresas como a Grail já oferecem exames de sangue que procuram DNA de (um possível) tumor circulante para detectar 50 tipos de câncer. À medida que esses tipos de testes se tornam mais baratos e mais disponíveis, eles podem reduzir a mortalidade de mais cânceres, assim como os testes de antígenos ajudaram a reduzir a taxa de mortalidade do câncer de próstata. À primeira vista, esses avanços parecem simplesmente milagrosos. Mas implantá-los efetivamente exigirá um ato de equilíbrio delicado por parte dos reguladores. Afinal, quanta informação é uma informação exagerada para os pacientes se muitos testes de câncer são alarmes falsos? “Eles parecem maravilhosos, mas não temos informações suficientes”, Lori Minasian, do National Cancer Institute disse sobre esses testes. “Não temos dados definitivos que mostrem que eles reduzirão o risco de morrer de câncer.”
A Cancer Moonshot Initiative do governo Biden deve seguir as lições deste último relatório. Grande parte do declínio na mortalidade por câncer desde a década de 1990 vem de fatores ascendentes, como mudanças comportamentais e melhor triagem, embora a esmagadora maioria das pesquisas sobre o câncer e os gastos com ensaios clínicos sejam em terapias contra o câncer em estágio avançado. Uma cura para o câncer pode ser ilusória. Mas um grande investimento (um moonshot, como se diz em inglês) para os exames e testes de câncer pode ser a frente mais importante no futuro da guerra contra o câncer.
Publicado originalmente em 15/01/2023
THE ATLANTIC
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