Mitocôndrias e glicose
Como o câncer se mantém exitoso
Bem, chegamos ao quarto post sobre o câncer. E agora vamos
tentar conhecer melhor um dos fundamentos da teoria metabólica do câncer: o
papel das mitocôndrias. A importância de uma compreensão estruturada sobre a
forma que as células cancerosas podem persistir, e construir uma doença cujo
sucesso terapêutico permanece tão esguio, pode oferecer a possibilidade de uma
nova proposta de tratamento, quem sabe mais razoável, mais promissora, e até
menos onerosa financeira e fisiologicamente.
Em 1948 um pesquisador britânico em genética, C. D. Darlington, publicou no British Journal
of Cancer um artigo onde ele já percebia inconsistências na ideia de uma origem
genética a partir do núcleo celular. Baseado em suas amplas dúvidas sobre a
associação entre mutações e câncer, ele pareceu estar convencido de que havia
algo errado no citoplasma, em alguma de suas estruturas, que ele chamou à época
de “plasmogenes“, e que poderia se tratar das mitocôndrias.
Uma série de constatações a respeito de problemas com as
mitocôndrias tem sido relatadas em vários estudos em células cancerosas. Entre
essas constatações podemos citar o seguinte:
- 1) Há substancial evidência de que as mitocôndrias de células tumorais apresentam defecções na estrutura, função e capacidade respiratória;
- 2) Há massiva evidência de que as mitocôndrias de células tumorais têm inúmeras anormalidades em comparação com mitocôndrias de células de tecidos iguais e saudáveis;
- 3) A composição em proteínas e lipídios é diferente, assim como sua ultraestrutura;
- 4) Uma característica, assinatura da membrana interna das mitocôndrias , é a cardiolipina, que controla a eficiência da respiração aeróbica. Qualquer alteração na composição da cardiolipina vai reduzir a respiração celular. Não existe um único tumor conhecido que tenha conteúdo e composição normal de cardiolipina. (Thomas Seyfried). (Cardiolipina é um fosfolipídio que compõe 20% da porção de lipídios da membrana interna da mitocôndria)
- 5) As mitocôndrias estão severamente reduzidas ou mesmo são indetectáveis em tecido tumorais em mais de 80% dos pacientes. Isso obviamente representa que não há como manter uma respiração aeróbica eficiente. Nesse caso é obrigatório que a glicólise / fermentação fique maximizada para compensar a perda respiratória e formação de ATP para fornecer energia.
- 6) Adicionalmente: o grau de malignidade em células de tumor de mama foi correlacionada diretamente com o grau de anormalidade estrutural das mitocôndrias.
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Diferença entre mitocôndria de célula normal e de um câncer |
UMA PROVA QUE TORNOU DIFÍCIL DEFENDER A TEORIA DAS MUTAÇÕES NUCLEARES
Vários estudos que testaram a importância de núcleo e
citoplasma, na prevenção/promoção de células cancerosas pode ser sumarizado na
figura abaixo:
Basicamente o gráfico mostra experimentos de transferência
de núcleo e citoplasma com células tumorais e normais. O que o diagrama mostra?
Quando é retirado o núcleo de um célula tumoral e ele é transferido para uma
célula normal, cujo núcleo foi retirado, as células resultantes de sua divisão
permanecem normais. Se fosse verdade que o genoma alterado por mutações fosse a
causa do câncer, as células resultantes deveriam demonstrar doença.
Porém quando um núcleo de célula normal é transferido para
uma célula tumoral, cujo núcleo foi retirado, as células filhas permanecem
cancerosas, mostrando que está no citoplasma a estrutura que mantém o câncer
progredindo. (Link)
Como já vimos anteriormente o Dr. Warburg tinha descrito o
comportamento da célula cancerosa como uma célula que respirava por anaerobiose
(sem usar oxigênio) - mesmo em presença de O2 - e produzia um ambiente ácido.
Na época, anos 30, não havia como demonstrar como isso se processava dentro da
células. Hoje está bem documentado que
de fato a respiração por oxidação fosforilativa é universalmente insuficiente
em algum grau em todas as células tumorais, quando comparadas com células de tecidos
semelhantes. E os tumores mais malignos têm as mais altas taxas de atividade
glicolítica e produção de ácido lático.
Quando em certas situações algumas células ficam incapazes
de utilizar as mitocôndrias para gerar o ATP necessário para obtenção
energética, elas recaem na maneira mais antiga de fazê-lo: a glicólise. Mas
precisam que isso seja feito de maneira mais eficiente, assim os genes que maximizam
a glicólise são acionados. A glicólise só ocorre com a presença do substrato
glicose. Um aspecto interessante de certos tipos de câncer é que elas
apresentam uma forma alternativa de uma enzima – a hexoquinase (HK) - que participa da primeira fase da
glicólise, a HK2 ou Hexoquinase II.
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Papel da hexoquinase |
A glicólise tem em sua primeira fase a transformação de
glicose em glicose 6 fosfato, isso é feito por essa enzima, e normalmente a enzima HK recebe uma mensagem de PARAR após certo
nível de produção como resultado de sua operação, porém a expressão mutante não
é inibida. Ou seja: a hexoquinase normalmente pararia de funcionar se a
formação de glicose 6 fosfato atingisse um certo nível, por inibição negativa
de feedback. (Em termos simples: essa enzima forma um produto secundário, que é
também seu fator de inibição para a formação excessiva. Só que isso não é
respeitado pela hexoquinase mutante, a HK2). Assim a glicólise não pára, a
formação ácido lático não pára e finalmente a célula fica cada mais vez ávida
pelo substrato do processo: a glicose!
Pode-se inferir o custo energético disso, pois essas células
compõe um tecido que precisa apenas de um substrato (C6H12O6), e precisam de
muito mais do que as demais. São capazes de estimular a formação de vasos que
assegurem a chegada de mais glicose, e como estão com o metabolismo otimizado
elas vão ser mais eficientes que as células de outros tecidos na obtenção
energética. A HK2 tem o dobro de capacidade de utilização de glicose. De acordo com o pesquisador em oncologia,
Mathupala, a isoforma HK2 é a forma predominante de expressão em tecidos
tumorais. Uma outra característica importante dessa enzima é sua localização
estratégica. Ou invés de ficar solta no citoplasma – como as outras formas de
HK – ela fica se estabelece nas paredes externas das mitocôndrias - em locais chamados de canais de ânions
dependentes de voltagem. O que importa é que as mitocôndrias com HK2 atachadas
à elas podem representar até 70% da HK
encontrada em células de câncer de fígado, em contraste com a virtual ausência
dessa expressão em células normais. Ou seja, não há dúvida que essa enzima está
definitivamente associada à expressão do câncer! Tampouco sua função: otimizar
a utilização de glicose!
Thomas Seyfried, um dos mais importantes pesquisadores no
campo do câncer, afirma que “quanto mais elevados os níveis de glicose, mais
rápido cresce os tumores. Quando os níveis de glicose caem, o tamanho do tumor
e a taxa de crescimento cai”(2012).
Outro pesquisador importante nessa área afirma que “um dos
mais comuns e profundos fenótipos das células cancerosas é sua propensão ao uso
e catabolismo de glicose em altas taxas”, (Mathupala et al., 1997).
Seyfried (foto) expõe que a “hiperglicemia está diretamente
relacionada com o um prognóstico pior em humanos com câncer maligno cerebral”,
(2012).
SUGAR JUNKIES
SUGAR JUNKIES
Amy Berger, excelente blogueira em temas científicos na área
low-carb diz que: “Cancer Cells are Sugar Junkies!”(células cancerosas são
viciadas em açúcar).
Mesmo que as células cancerosas possam utilizar outras fontes
de geração de energia, pois eventualmente podem ter alguma quantidade de
mitocôndrias viáveis, que sejam minimamente capazes de cumprir suas tarefas, sua
principal fonte de energia é via glicólise/fermentação e isso exige glicose,
pois para produzir uma quantidade tão grande de ATP, quanto as células
saudáveis, somente com um grande acesso à glicose para chegar lá.
Ouro autor, afirma o seguinte: “Como sua principal fonte de
energia de células cancerosas, taxas elevadas de glicose sérica pode ser o
combustível da progressão tumoral”(Champ et al., 2012).
Não temos permissão, porém, de afirmar que a glicose per se seja a causa
do câncer, mas podemos inferir que a formação de radicais livres (espécies
reativas de oxigênio) geradas pelo consumo excessivo de carboidratos possam
levar ao dano mitocondrial, um fato que parece ter inequívoca relação com a tumorogênese.
(A. Berger). Mesmo que isso (relação de causa/efeito) não possa ser afirmado,
podemos facilmente inferir que um
ambiente rico em glicose (que é, no final de contas, fruto do consumo de
carboidratos) seja favorável à manutenção de células cancerosas. Nesse sentido,
praticamente, não restam dúvidas.
Nos próximos posts vamos ver como a glicose tem facilidades
na entrada para células cancerosas, e quais as eventuais implicações terapêuticas
desse conhecimento, que provavelmente tem relação com a alimentação low carb...
PS.: As referências serão listadas na última parte dessa série.
PS.: As referências serão listadas na última parte dessa série.
Parabéns! Textos de alta qualidade, posso divulgá-los no meu blog (www.carlinhostreinamento.blogpsot.com.br)? Grande abraço!
ResponderExcluirMuito grato Carlinhos, com certeza fique a vontade. Abraço
ExcluirParabéns pelos posts. Estou adorando a sequência.
ResponderExcluirObrigado Rosana!
ExcluirEu também estou seguindo as leituras e divulgando os conteúdos sempre que posso. Muito grata.
ResponderExcluirSonia, muito grato pelo sua atenção e divulgação. Estou preparando a quinta parte, espero publicar ainda nessa semana.! Abraço!
ExcluirMuito bom!
ResponderExcluirQuantas pessoas podem se beneficiar destas informações
Muito bom!
ResponderExcluirQuantas pessoas podem se beneficiar destas informações
Obrigado Dirlene!
ResponderExcluirOlá Dr. Peixoto. Recentemente decidi aprofundar sobre o tema câncer e dieta. Voltei a ler a sua série de postagens e estou fazendo um resumo. Na postagem V o Sr. escreve que outra postagem sobre o tema virá e as referências serão dadas na última postagem da série. Olhei com atenção o arquivos de postagens e não encontrei a postagem seguinte sobre câncer. Mando meu endereço de e-mail para receer o link (se existir) e quem sabe também ter acesso as referências. Muito obrigado e grande abraço.
ResponderExcluirDesculpas! Esqueci que estava logado por outra conta (Método Evolutivo) e não a do Carlinhos Treinamento quando escfevi o comentário anterior. Também esqueci o e-mail. treinamentocarlinhos@gmail.com
ResponderExcluirAbraços
Carlinhos! Vou enviar um material por email. Espero que seja o suficiente.
ExcluirExcelente texto!!!
ResponderExcluirNinha! Muito grato por participar do site lipidofobia!
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