quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Quem vem primeiro? Obesidade ou resistência à insulina




O ano de 2018 já se inicia com temas palpitantes. O jornal científico, Clinical Chemestry, um dos mais importantes do mundo de pesquisas publica nessa edição de janeiro um estudo que pode ser o marco que faltava para ajustar a política de procedimentos de saúde no campo da nutrição. O tema alvo foi a definição de uma técnica mais aprimorada para resolver a questão: a obesidade leva a resitência à insulina, ou a resistência insulínica vem antes... de tudo? Usando uma sofisticada estratégia de mensuração estatística utilizando a genética chegamos ao resultado: é a insulina estimulada pelo consumo de carboidratos e não quaisquer outros fatores o propulsor do problema! Assim o estudo chega a conclusão que o universo low carb tem defendido há anos: reduzir o consumo de carboidratos é o ponto de partida para proteção das doenças associadas ao estilo de vida da atualidade. Culpar o descuido das pessoas em comer demais e se exercitar de menos não leva a nenhum resultado profícuo para melhorar os níveis de saúde em geral. Estamos finalmente reconhecendo o melhor protocolo para prevenção primária já concebido em tempos modernos, para quase todas as enfermidades mais ligadas ao estilo de vida.
Comendo menos carboidratos poderemos ter o melhor modelo geral de boa saúde, devolvendo ao homem suas inatas possibilidades de permanecer saudável (ou voltar a ficar saudável), sem precisar usar medicamentos, suplementos ou fazer exercícios físicos enérgicos. Mudar a alimentação, simples assim!
Aqui o LINK do artigo original (da publicação a qual se refere esse editorial a seguir):

Um estudo genético com precisão jamais alcançada responde:

Então, o que vem primeiro: a obesidade ou a resistência à insulina? E o que é mais importante?


Artigo de Timothy David Noakes
Publicado em 02 de janeiro de 2018

CLINICAL CHEMISTRY
EDITORIAL



A exceção da religião, não existe um campo do pensamento humano no qual o sentimento e o preconceito tomam o lugar do bom julgamento e do pensamento lógico de forma tão proeminente como na dietética ( 1 ) (p. 191).


Era uma vez a época que os humanos eram em sua maioria magros e, afora a suscetibilidade a infecções e traumatismos, talvez fossem mais saudáveis ​​do que hoje ( 2 ). Os mais longevos nessas populações também podem ter vivido tanto quanto os idosos modernos. Todos também eram menos propensos a morrer das "doenças crônicas do estilo de vida" ( 2 ) que se tornaram cada vez mais comuns no século passado.

Há duas explicações contrastantes para o porquê de tantos humanos modernos sofrerem com essa constelação de doenças crônicas - obesidade, hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, doença cardíaca coronária, demência e câncer - que eram muito menos comuns mesmo tão recentemente quanto na década de 1970 ( 3 ).

A primeira implica que nossa atual situação é em grande parte do nosso jeito de ser. De acordo com este raciocínio, nos últimos 50 anos, os seres humanos simplesmente se tornaram, digamos, apenas progressivamente mais preguiçosos e mais vorazes. A preguiça e glutonice resultantes significam que agora, com prazer, comemos muitas calorias, levando a uma pandemia de obesidade que começou no início da década de 1980 ( 4 ).

À medida que nossa obesidade aumenta, o armazenamento de triglicerídeos nos órgãos abdominais, especialmente no fígado, causa as principais complicações associadas à obesidade - especificamente resistência à insulina ( 5 ), hipertensão ( 6 ), doença hepática gordurosa não alcoólica - esteatose ( 7 ) e dislipidemia aterogênica ( 8 ), Todos os quais explicam nossas taxas epidêmicas atuais de doença cardíaca coronariana ( 9 ), demência ( 10 ) e até mesmo câncer ( 11 ).

A inferência pouco sutil é que são nossas próprias escolhas "de estilo de vida" ruins que desencadeiam a corpulência do sobrepeso que causa todas essas condições médicas crônicas ("de estilo de vida").

Este modelo se encaixa perfeitamente com um modelo de medicina paternalista. Quando o nosso aconselhamento e gerenciamento médico fracassa, em última análise é culpa do paciente que claramente não possui o poder de uma vontade apropriada para restringir a ingestão de alimentos e para se exercitar mais ( 12 ). Se ao menos ela se responsabilizasse por sua fatalidade e seguisse o conselho de nossos mais eminentes médicos e cientistas, o problema se resolveria e todos poderíamos viver felizes para sempre.

A questão inconveniente que é ignorada é esta: por que a nossa espécie com algo entre 2 a 4 milhões de anos de existência de repente se tornou tão indolente e glutona somente após 1977, quando as epidemias de obesidade e de diabetes começaram a decolar ( 4 , 13 )? Por que demorou milhões de anos para que esta catástrofe nos atingisse, aparecendo aparentemente do nada?

O modelo contrastante afirma que essas "doenças do estilo de vida" não são, de fato, nada desse tipo. Em vez disso, são doenças da nossa moderna nutrição - "a transição dos alimentos (tradicionais -> processados) pelo comércio moderno" ( 14 ) - que agora constituem a maioria (aproximadamente 75%) dos alimentos comidos globalmente.

O gastrônomo francês Brillat-Savarin ( 15 ) foi talvez o primeiro a sugerir que é o excesso de material farináceo (carboidratos) na dieta, que é o fator chave que leva à obesidade: "A segunda principal causa de obesidade reside nos amidos e farinhas que o homem usa como base de sua alimentação diária ... todos os animais que vivem de alimentos farináceos crescem com excedentes de gorduras, querendo ou não querendo; o homem segue essa regra comum "(p. 245). Baseado em parte nesta sabedoria ancestral, a dieta Banting ( 16 ) / Harvey ( 17 ) / Ebstein ( 18 ) (baixa em carboidratos), promovida por Sir William Osler, entre outros ( 19), tornou-se o tratamento padrão para a obesidade na Europa e na América do Norte em meados do final dos anos 1800 e permaneceu assim até meados do século 20.

Como forensicamente foi desnudado por Taubes ( 20 ), a idéia de que alguns indivíduos, talvez como resultado de respostas hormonais específicas à ingestão de alimentos farináceos, poderiam estar especificamente predispostos a desenvolver obesidade, aparece pela primeira vez nos escritos científicos de líderes clínicos europeus no início dos anos 1900. O diabetologista alemão Carl von Noorden propôs uma ligação entre diabetes mellitus tipo 1 e obesidade.

Comparando os obesos com aqueles com diabetes mellitus tipo 1, von Noorden escreveu: "Os indivíduos obesos ... já têm um metabolismo alterado para o açúcar, mas em vez de excretar o açúcar na urina, eles o transferem para as partes produtoras de gordura do corpo, cujo os tecidos ainda estão bem preparados para recebê-lo "(20, pág. 378). Seu discípulo Wilhelm Falta ( 21 ) fez a observação, óbvio para ele, mas, aparentemente, tanto agora  como então, somente para alguns poucos, que: "Um pâncreas funcionalmente intacto é necessário para engordar" e que o único método para engordar alguém de forma eficiente seria incluir "abundantes carboidratos na dieta "(20, pág. 378).

Falta continuou: "Podemos conceber que a origem da obesidade pode receber um impulso através de uma função primariamente fortalecida do processo insular" (20, pág. 379), que ele especulou que poderia envolver estimulação do apetite. Desta forma, a ingestão de carboidratos poderia estabelecer um ciclo vicioso - uma ingestão aumentada de carboidratos "fortaleceria" o aparelho insular (causando aumento da secreção de insulina - não mensurável até a década de 1960), o que, por sua vez, aumentaria o apetite pela ingestão de mais carboidratos. Taubes relata que, na década de 1930, a terapia com insulina era amplamente e efetivamente usada para engordar pacientes com baixo peso.

Como descreve Taubes, há várias razões pelas quais a teoria alternativa de von Noorden (obesidade diabetogênica) para a obesidade desapareceu após a Segunda Guerra Mundial. Em seu lugar, surgiu uma teoria anglo-americana que projetou a obesidade mais como uma condição de responsabilidade pessoal, provocada pela ingestão de muitas calorias e realização de muito pouco exercício físico (22), o que foi rotulado de caloria de entrada/caloria de saída (em inglês: Calories In/Calories Out ou simplesmente: CICO) ou o modelo de balanço energético da obesidade.

Mas e quanto à presença de um "metabolismo alterado para o açúcar" na obesidade como especulado por von Noorden? Esse poderia ser o estado de resistência à insulina? E se van Noorden estivesse correto de que este estado metabólico alterado da resistência à insulina não fosse causado pela obesidade, mas em realidade fosse ele mesmo o motorista biológico da obesidade (e as outras "doenças do estilo de vida") naqueles que se alimentam de dietas ricas em carboidratos?

Gerald Reaven, endocrinologista da Universidade de Stanford, é considerado o pai do (estudo de) resistência à insulina ( 23 ). Na pesquisa realizada nos últimos 40 anos, ele propôs que a resistência à insulina ( 24 ) é o estado metabólico comum que desencadeia a dislipidemia aterogênica ( 25 ) (alteração de valores de colesterol e triglicerídeos), obesidade ( 26 , 27 ), diabetes mellitus tipo 2 (28), hipertensão ( 29 , 30 ) e doença arterial coronariana ( 29 , 31 ). Outros também podem argumentar que a demência ( 32 , 33 ) e talvez até o câncer ( 34 , 35) podem caber nesta cesta de doenças comuns. Se essa for a verdade, então é a resistência à insulina e não a obesidade que impulsiona essas condições. Além disso, pelo menos alguns dos marcadores metabólicos dessas anormalidades podem ser “invertidos” com uma dieta em que a ingestão de carboidratos, incluindo, especialmente o açúcar, é restrita ( 36 - 38 ).

A razão pela qual devemos, como questão de prioridade, resolver essa questão é porque o gerenciamento dessas doenças crônicas de "estilo de vida" será diferente dependendo da teoria que está sendo impulsionada. De acordo com o modelo CICO, a natureza dos alimentos consumidos é de pouca importância. A única variável para os alimentos que podem influenciar o peso corporal é o teor calórico ou talvez a densidade calórica. Em função disso, o foco do tratamento deve ser ensinar os pacientes a usarem seus controles conscientes para praticarem um déficit calórico comendo menos e exercitando mais.

Por outro lado, se a obesidade e suas condições "relacionadas" realmente resultam de comer em demasia alimentos farináceos - açúcar, amidos e cereais - particularmente entre  aqueles com predisposição hereditária para desenvolver resistência à insulina, então o tratamento é bastante diferente. A pedra angular do tratamento seria variantes das dietas (propostas por) Banting / Harvey / Ebstein com baixo teor de carboidratos, tal como promovida por Sir William Osler com uma ênfase muito menor na atividade física ( 39 ).

O que nos leva finalmente ao estudo de Christina Astley, Jennifer Todd, e colegas publicado nesta edição do Clinical Chemistry ( 40 ). Eles desejavam usar marcadores genéticos para distinguir entre essas teorias concorrentes para o desenvolvimento da obesidade - o modelo "diabetógeno" de von Noorden, no qual a insulina gera aumento de peso em pessoas suscetíveis para a resistência à insulina quando expostas a dietas ricas em carboidratos (o que os autores atuais dão o termo de modelo  carboidratos-insulina da obesidade, em inglês Carbohydrate-Insulin Model of obesity (CIMO)) versus o modelo CICO em que a resistência à insulina é o resultado e não a causa da obesidade.

Para o estudo, os autores utilizaram a análise Mendeliana bidirecional randomizada de estudos de associação de todo o genoma para buscar relações entre o índice de massa corporal (IMC) medido - seu marcador de obesidade - e preditores genéticos de IMC ou de secreção de insulina medida em resposta à ingestão de carboidratos. A relação associativa mais significativa descoberta pelos autores foi entre o IMC e a secreção de insulina medida geneticamente determinada em resposta à ingestão de carboidratos/glicose. Em contraste, o IMC determinado geneticamente não foi associado com a secreção de insulina medida. Eles concluíram, portanto, que seus dados "fornecem evidências de uma relação causal de secreção de insulina estimulada pela glicose no peso corporal, consistente com o Modelo Carboidratos/ Insulina da obesidade (CIMO)".

Em uma disciplina dividida de forma desigual entre a grande maioria que acredita no modelo CICO, contra apenas uma pequena minoria que cada vez mais tenho ganho voz que promove a CIMO, este artigo de Christina Astley e seus colegas, sem dúvida, colocará mais gasolina no fogo do que Steffanson ( 1 ), quase um século atrás, quando este conflito ainda era jovem, reconhecido como a disciplina científica em que "sentimento e preconceito" dominam tão completamente o "julgamento sadio e o pensamento lógico". A força desse estudo é que esta técnica é menos suscetível à confusão e a  causalidade reversa, o calcanhar de Aquiles de outros estudos de associação.

Mas a realidade é que um único estudo raramente pode fornecer a solução definitiva para um tópico tão contestado. O estudo de Astley e seus colegas nos lembra que sempre devemos considerar a totalidade das evidências e a ciência sólida exige que consideremos sempre múltiplas hipóteses. Esses autores usaram um método inovador para fornecer uma outra peça ao quebra-cabeça - informações que devem ser incorporadas ao nosso pensamento e não rejeitadas com o fundamento de que elas estão em conflito com uma posição intelectual rígida baseada mais no sentimento e na devoção religiosa do que na pura ciência.

Só considerando todas as provas, de Brillat-Savarin via Banting, Ebstein e Osler, até von Noorden e Reaven chegando a Astley e seus colegas, é provável que cheguemos à conclusão correta. E às vezes precisamos entender como nossas experiências pessoais determinam nossos preconceitos, mesmo que acreditemos que somos cientistas rigorosamente desafiliados.

Minha experiência médica determinando meu próprio viés é que alguém com resistência severa à insulina e diabetes mellitus tipo 2, não reversível pela significativa perda de peso, é controlado pela enérgica restrição de carboidratos (41).


Link do original: AQUI

REFERÊNCIAS:

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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Cancer e metabolismo - peripécias sob o rótulo de ciência






Esse artigo foi recentemente publicado pelo médico pesquisador dr. Jason Fung. Ele traz a tona resultados absolutamente inesperados de pesquisas sobre o câncer. Desde como foi desprezados pesquisas que informavam o contrário do que se esperava até a chocante informação de que fibras alimentares e suplementos vitamínicos além de não auxiliarem, podem efetivamente piorar o curso dessa doença. Texto brilhante como habitualmente é o trabalho do dr. Fung. Lipidofobia tem o prazer de compartilhar essa informação como um regalo de fim de ano para nossos leitores! 

CÂNCER COMO QUADRO METABÓLICO 
AS QUESTÕES DIETÉTICAS: 
ENTRE A CIÊNCIA, O ERRO E A TEIMOSIA

Artigo de Jason Fung



Como ficou claro que as influências ambientais afetam as taxas de câncer, o principal suspeito recaiu na dieta. A questão natural, portanto, era qual a parte específica da dieta seria a responsável? O suspeito imediato foi a gordura alimentar. Desde o final da década de 1970 até a década de 1990, fomos pressionados por uma histérica fobia à gordura. Pensamos que comer gordura causasse tudo de ruim. Ela causou obesidade. Ela causou colesterol alto. Ela causou doenças cardíacas. Provavelmente causou mau hálito, perda de cabelo e os acidentes desagradáveis, também. Não havia nenhuma prova real contra a gordura dietética, que os humanos sempre têm comido, bem, desde que nós nos tornamos humanos, de que isso era realmente verdade. Mas realmente não importava, porque todo o mundo científico era visto através dos limites da lente dietética: gordura-é-ruim. Quem precisa de prova se você tem dogma? 
Como todas as coisas ruins foram causadas pela gordura alimentar, então provavelmente causaria câncer também. Ninguém realmente teve alguma ideia de porque a gordura dietética deveria causar câncer. Ninguém realmente observou que as pessoas que estivessem comendo muita gordura ficariam com mais câncer. Mas não importava. Culpe a gordura por tudo - eis o nome do jogo. Então jogue!
Com base nesse boato, o Instituto Nacional de Saúde afundou milhões de dólares em uma enorme pesquisa para provar que a gordura dietética causaria ganho de peso, ataques cardíacos e câncer de mama também. Esta foi a Iniciativa de Saúde da Mulher (WHI) que matriculou cerca de 50.000 mulheres em um ensaio controlado randomizado massivo - o padrão-ouro da medicina baseada em evidências. Algumas mulheres foram instruídas a seguir sua dieta habitual, e o outro grupo reduziria sua gordura dietética para 20% das calorias e aumentaria os cereais e vegetais / frutas.
Durante os próximos 8,1 anos, essas mulheres reduziram fielmente sua gordura dietética e sua ingestão calórica global com a fervorosa crença de que reduziria o peso, as doenças cardíacas e o câncer. Sua fé em seus médicos e pesquisadores foi justificada? Ah, bem, a resposta é não, não e não. como publicado em 2007, não houve reduções na doença cardíaca. Seu peso permaneceu inalterado. E suas taxas de câncer de mama - bem, isso também não ficou melhor. Foi uma derrota acachapante. Se a redução da gordura na dieta não reduziu as taxas de câncer de mama, então havia uma boa chance, também, de que a gordura na dieta não causasse câncer de mama.
Reduzir a ingestão de gordura e calorias na dieta não resultou em benefícios mensuráveis. Isso aí, o único ensaio controlado randomizado de grande escala com uma dieta com baixo teor de gordura já feito, foi um desastre completo. Os benefícios de uma dieta de baixo teor de gordura, se existir algum, são tão minúsculos que são indetectáveis. Isso contradizia diretamente as crenças prevalentes de toda a comunidade científica. Poderíamos então seguir dois caminhos:
1.      Acreditar na ciência, esse conhecimento adquirido caro e árduo de que a restrição da gordura na dieta não teve benefícios;
2.     Ignorar os resultados, porque não ficou em concordância com nossas noções preconcebidas. 



O vencedor foi a # 2. Era muito mais fácil continuar fazendo o que fazíamos, mesmo que fosse totalmente ineficaz. As pessoas ficariam mais doentes, mas tudo bem, pelo menos não precisamos reaprender a ciência nutricional. Basta enterrar nossas cabeças na areia e chamar este enorme e importante estudo de Fake News.

Então, o próximo pensamento foi que talvez o câncer tenha sido causado pela falta de nutrientes em vez de excesso de nutrientes. Aqui, o olhar pousou sobre a fibra alimentar. O lendário cirurgião irlandês Denis Burkitt passou a maior parte de sua carreira na África, onde percebeu que todas as "doenças da civilização" estavam visivelmente ausentes nas populações nativas africanas. Isso incluiu câncer, que era raro em africanos comendo uma dieta tradicional. Os africanos comiam muitas e muitas fibras alimentares, então ele concluiu que uma taxa elevada de fibra dietética poderia prevenir o câncer. Seguindo essa linha de raciocínio, ele escreveu um best-seller internacional "Não esqueça a fibra na sua dieta". (‘Don’t forget fiber in your diet’.)
Era uma hipótese bastante coerente, mas não existiam evidências na época para dizer se isso era realmente verdade. Então, mais uma vez, milhões de dólares de pesquisa em saúde foram mobilizados para encontrar uma resposta. Poderíamos ao comer mais fibras prevenir os adenomas do câncer de cólon (uma forma pré-maligna)? Em 1999, uma análise com mais de 16.000 mulheres no Estudo de Saúde da Enfermeira (Nurse’s Health Study) em 16 anos não mostrou correlação entre a quantidade de fibra que comiam e o risco de adenomas.
No ano que vem, a prova definitiva de sua futilidade foi publicada no prestigiado New England Journal of Medicine. Uma pesquisa com 1303 pacientes atribuiu aleatoriamente pacientes ao uso ou não de suplementos de fibras de cereais, e depois mediu quantas pessoas desenvolveram adenomas.
Infelizmente, esse número acabou por ser exatamente o mesmo, estando eles consumindo fibra extra ou não. Sim, a fibra pode deixar seus movimentos intestinais melhores, mas não, eles não impediram o câncer. Dãnn!
Então, e as vitaminas? As pessoas adoram tomar suplementos vitamínicos com a crença de que com nossa moderna dieta processada está faltando algum nutriente essencial, o que nos deixa doentes. O ácido fólico é uma vitamina B que é necessária para o crescimento de muitas células. A suplementação com ácido fólico reduziu significativamente a incidência de defeitos do tubo neural. Talvez também reduza as taxas de câncer.
No início dos anos 2000, houve uma enorme onda de entusiasmo pelos suplementos de vitaminas B. Os níveis de homocisteína no sangue foram correlacionados com muitas doenças, e verifica-se que as doses elevadas de vitaminas B podem reduzir os níveis de homocisteína. Infelizmente, como aprendemos mais tarde, isso não teria efeitos benéficos, pois a homocisteína era apenas um marcador de doença e não causal. 

Os suplementos de ácido fólico reduzem o câncer de cólon?
Um  estudo controlado randomizado  de suplemento de ácido fólico a pacientes de alto risco apresentou uma resposta chocante. Desastrosamente ruim, na realidade. Não houve qualquer efeito protetor ao se tomar suplementos de ácido fólico. Além disso, pareceu aumentar o risco de câncer avançado, e também aumentou a taxa de adenomas. QM! Aqui os pesquisadores estavam tentando prevenir o câncer e, em vez disso, eles deram aos pacientes mais câncer. E o pior ainda estava por vir.
Em 2009, o teste NORVIT  com altas doses de ácido fólico e suplementação de Vitamina B também mostrou MAIS , não menos, câncer. Houve um aumento de 21% no câncer e um aumento de 38% na morte por câncer. Duplo QM! É claro que, em retrospectiva, isso é totalmente razoável. As células cancerosas se reproduzem a taxas prodigiosas. Isso exige todos os tipos de fatores de crescimento e de nutrientes para se alimentarem. Com muitos nutrientes, as células de um câncer, em rápido crescimento podem se aproveitar. É como polvilhar fertilizantes em um campo vazio. Você quer grama, mas as ervas daninhas (sendo as plantas com um crescimento mais rápido) são aquelas que absorvem os nutrientes e crescem bastante bem obrigado, como... ervas daninhas. As células cancerosas são altamente ativas e crescem bem, como... ervas daninhas.
E quanto ao betacaroteno e vitamina E? Este nutriente dá às cenouras a cor laranja e talvez este suplemento funcione para reduzir o câncer por causa de seus efeitos antioxidantes. A vitamina E estava todo o vapor na década de 1990 por esta mesma razão, e a suplementação com altas doses deveria curar o câncer. Estudos epidemiológicos (estudos de observação - um dos estudos mais perigosos e propensos a erros em medicina) mostraram que dietas ricas nesses alimentos estavam associadas a uma melhor saúde. Talvez a suplementação ajude.
Infelizmente, não ocorreu exatamente como se esperava. Um estudo randomizado em 1994 mostrou que nenhum agente conseguiu diminuir as taxas de câncer ou a de morte. O betacaroteno não só não impediu o câncer, aumentou as taxas de câncer e a morte. Dar para as células cancerosas as vitaminas necessárias para níveis elevados de crescimento acabou por ser uma ideia não muito esperta. Nós não estávamos salvando pacientes, nós os estávamos matando! Triplo QM!
Isso decorre do simples fato de que o câncer não é uma doença de deficiência de nutrientes como o escorbuto. O escorbuto é uma doença de deficiência de vitamina C, de modo que a vitamina C o cura. O câncer não é uma doença causada por deficiência de vitamina, portanto, o complemento de vitaminas não é especialmente útil.
Então, aqui está o que nos resta.
1.      A dieta desempenha um papel importante no câncer
2.     O câncer não é causado por muita gordura dietética
3.     O câncer não é causado pela falta de fibra dietética
4.     O câncer não é causado por deficiência de vitamina
5.     O câncer está intimamente relacionado com a obesidade

Embora possa parecer trivial, esses 5 tópicos de conhecimento levaram, literalmente, centenas de milhões de dólares em dinheiro de pesquisa, espalhados por mais de 25 anos para serem descobertos. Porém o 5º ponto só ganhou reconhecimento nos últimos anos.
Recentemente, o CDC divulgou um relatório " Tendências da Incidência de Câncer Associado ao Sobrepeso e à Obesidade - Estados Unidos, 2005-2014 ", destacando o fato de que pelo menos 13 cânceres estão associados, e isso representou surpreendentes 40% de todos os cânceres diagnosticados em 2014. Compreendeu 55% dos cânceres em mulheres e 24% em homens. Pior ainda, a incidência desses cânceres associados à obesidade estava aumentando rapidamente. O ganho de peso para adultos de apenas 5 kg (11 libras) aumentou o risco de câncer de mama em 11%.
O que isso significa é que o câncer não é necessariamente uma carência de uma vitamina específica ou doença de macronutrientes (carboidratos versus proteína versus gordura). De um modo mais amplo, o câncer está relacionado com o metabolismo geral. O câncer é uma doença metabólica em seu âmago. Os dois genes mais comumente mutados em câncer humano, p53 e PTEN (*) são agora reconhecidos como intimamente relacionados aos sinalizadores do metabolismo celular.
Obs.:

Os gráficos  do artigo original foram omitidos nessa tradução.

Sabemos que o ganho de peso tem óbvia relação com taxas elevadas de insulina. Naturalmente podemos inferir que o processo metabólico primordial para o aumento de peso pode ser o mesmo para desenvolvimento do câncer: taxas crescentemente elevadas de insulina. Como a maior parte dos leitores do site lipidofobia já sabem, é o consumo de carboidratos o maior estimulante das taxas de insulina.

(*) Gene PTEN: PTEN é um gene supressor de tumor, que resulta na proteína citoplasmática de mesmo nome, e possui a capacidade de modular a apoptose e o ciclo celular, assim como de inibir a migração celular (sua falta ou falha está amplamente relacionada a tumores malignos)



domingo, 24 de dezembro de 2017

Uma festa africana: o Natal




Desejo a todos os leitores do site lipidofobia um lindo Natal, muita felicidade e confraternização junto aos amigos e familiares !

FELIZ NATAL - SEGUINDO SUAS ORIGENS AFRICANAS

Para aqueles que escolhem celebrar o nascimento de Cristo, Jesus, como você, dizemos Feliz Natal e nós humildemente o convidamos a desfrutar algumas realidades sobre a fé cristã que sobreviveu a dois milênios.

Em muitas partes da África, onde o cristianismo tradicional ainda é preservado em todo seu esplendor, pompa e circunstância, por exemplo na Etiópia , o Natal não é celebrado em 25 de dezembro. Em vez disso, a Igreja Ortodoxa Etíope e quase todos os cristãos ortodoxos africanos que derivam dessa tradição, comemoram o nascimento de Cristo, Jesus, em 7 de janeiro - um dia geralmente quente em muitos países africanos.
Se Jesus nasceu em 25 de dezembro ou 7 de janeiro esse não é uma questão em debate. É apenas uma questão de escolha, pois não há quaisquer documentos que confirmassem uma dessas, ou qualquer outra data para esse evento. Povos em diferentes caminhos de vida que optaram por seguir o espírito da fé cristã também são livres para escolher a data que eles julgam melhor.
Os europeus escolheram 25 de dezembro. E desde então, essa data tornou-se fundamental para a celebração do natal ao redor do resto do mundo, especialmente desde o início do século 20, quando as nações européias começaram a dominar o comércio mundial e, portanto, impondo suas mitologias.
No entanto, os costumes e os rituais que cercam o nascimento de Cristo não foram extraídos com precisão para as imagens do Cristo e da aparência dos hebreus originais. Em um mundo que se associou à imoralidade do racismo e da xenofobia - justamente algumas das coisas mais significativas que o próprio Jesus lutou contra em cada passo de sua vida - tornou-se dolorosamente difícil apresentar o verdadeiro caráter de Cristo e Sua mensagem para a vasta maioria dos cristãos que ainda se recusam na grande maioria a contestar o imaginário figurativo sobre as quais as doutrinas cristãs modernas se baseiam.
No entanto, para os cristãos de todo o mundo que ainda mantêm seus sistemas de crenças, costumes e tradições - tudo segue bem preservado nas Igrejas Ortodoxas Africanas, incluindo a Igreja etíope, a celebração do nascimento de Cristo é chamada Genna.
O nome africano que originalmente foi entregue ao Natal foi Ledet. Isso expressava uma atmosfera festiva em torno do nascimento de Jesus. Ao longo dos anos, Genna que, segundo os anciãos etíopes, vem da palavra Gennana, que significa "iminente" - vem a expressar a vinda do Senhor e a libertação da humanidade do pecado - passou a dominar a lexicologia de sinônimos para o nascimento dO Cristo e as festividades que a rodeiam.
A lenda diz que, quando os pastores ouviram falar do nascimento de Cristo, eles se alegraram e começaram a jogar um jogo, na formato que continua sendo tema de debate, com seus bastões. Este jogo também foi referido nos tempos modernos como o Genna. É o precursor do jogo de hóquei em campo, jogado com uma vara curva e uma bola de madeira redonda em campos de grama. Homens e meninos em aldeias cristãs em toda a África ainda jogam o tradicional jogo de genna com grande entusiasmo no final da tarde do dia de Natal, um espetáculo muito apreciado pelas comunidades da aldeia e pelos anciãos que a arbitram.
Mas Genna é mais significativo como um dia em que as famílias freqüentam a Igreja. Seguindo a antiga tradição africana, cada pessoa entra na igreja carregando uma vela que acendem a medida que entram nos círculos internos do Templo. Depois de circundar o interior do Templo três vezes, em uma procissão especial, eles tomam seu lugar e permanecem (não há assentos nas Igrejas Ortodoxas Africanas) normalmente por um período de duas horas para comemorar o nascimento do Cristo, Jesus .
Seja grato quando o seu padre deixar você sair mais cedo.
No dia anterior a Genna, todos os cristãos devem jejuar o dia todo. Para aqueles que podem ser capazes de interpretar jejum de várias maneiras, que deixemos claro que o jejum na Ortodoxia da Igreja Africana é estritamente definido - sem exceção - como nenhum alimento!
Embora, eu tenho que admitir, o que você define como "comida" é uma questão de quão longe sua consciência pode permitir. Alguns historiadores chegaram a incluir a água da lista de "alimentos". Mas essas definições, ainda são uma questão de escolha, e foram bastante provocadas. Alguns sacerdotes ortodoxos africanos no Chade e Níger chegaram a zombar dos sacerdotes etíopes que prescrevem essa definição como monges sem adicionar o "ar" ou "respirar" na lista.
A lista de "comida" continua a ser discutível na gama das igrejas ortodoxas africanas.
Neste ponto, acreditamos que o próprio Cristo teria impedido que você tomasse decisões blasfemadas que o levasse a deglutir uma refeição cheia de arroz e guisado, com costeletas como adorno, no meio do dia antes da Genna, como se isso não fosse "comida".
Pais: Seus filhos podem se perguntar por que as pessoas não se alimentariam como uma forma de observar o nascimento de Jesus. Você pode explicar-lhes que o jejum tem sido uma maneira religiosa tradicional africana de dizer a Deus que Ele significa mais para nós do que a comida.
Na manhã seguinte, no Genna, a maioria dos cristãos vai se vestir com roupas brilhantes. A maioria dos etíopes colocou uma peça de roupa chamada Shamma, uma fina e branca capa de algodão com listras de cores vivas nas extremidades. O Shamma é usado um pouco como uma toga. O povo etíope da cidade, especialmente aqueles que receberam alguma forma de educação ocidental nas escolas missionárias européias, poderiam colocar um vestuário branco europeu. Outras Igrejas Ortodoxas Africanas escolhem suas roupas para honrar os brilhantes temas do nascimento de Cristo.
A igreja marca quatro horas da manhã.
Mas vamos falar sobre a comida. As refeições apreciadas durante o Genna incluem wat, um ensopado grosso e picante de carne, vegetais e às vezes com ovos também. Wat é servido a partir de uma tigela para ensopados lindamente decorada em um "prato" de njera, que é um pão achatado. Peças de njera são usadas como uma colher comestível para facilitar o wat a um caminho direto para a cavidade bucal.
Os cristãos ortodoxos em todo o continente substituem a njera por várias formas de carboidratos. Em Gana, banku, kenkey, akple etc. são usados em seu lugar. Na Costa do Marfim, o cuscuz é o carboidrato de escolha, enquanto na Nigéria, os ñames e os fufu vêm em termos requintados com o wat. Embora nem todas as culturas africanas se refiram ao cozido como wat.
Pais no exterior: pergunte a seus filhos se eles gostariam de njera e comer seus alimentos com as mãos?

Timket - A epifania

Natal 3

Os sacerdotes ortodoxos etíopes com suas vestes de cetim estão sob guarda-chuvas de veludo em lantejoulas durante as celebrações anuais da Epifania, chamada de "Timket" na Igreja Ortodoxa Etíope em Addis Abeba, (foto de 20 de janeiro de 2004). "Timket", o maior festival etíope do ano é a comemoração do batismo de Jesus Cristo no rio Jordão por João Batista.

Doze dias depois de Genna, no dia 19 de janeiro, os africanos ortodoxos iniciam a celebração de três dias chamada Timket, que é um lembrete do batismo de Jesus Cristo. As crianças caminham para os cultos em uma procissão.
Eles usam as coroas e vestes dos grupos de jovens de acordo com a igreja aos quais eles pertencem. Toda criança encontra um grupo neste dia. Os pais seguem usando o shamma. Os sacerdotes agora usarão suas vestes vermelhas e brancas e terão guarda-chuvas bordados - um costume africano particularmente antigo, mesmo antes de Cristo ter sido concebido.
A música dos tambores de percussão africanos e a variada quantidade de instrumentos tornam a procissão Timket em qualquer lugar um evento muito festivo. É um carnaval. Na Etiópia, o sistrum é um instrumento de percussão com tingimento de discos metálicos. Uma longa bengala em forma de T chamada makamiya toca o ritmo da caminhada e também serve como suporte para o sacerdote durante o longo percurso da igreja que se segue.
Homens etíopes poderiam praticar esportes chamados yeferas guks. Eles viajam a cavalo e jogam lanças cerimoniais um para o outro.
Genna e Timkat não são ocasiões para dar presentes na África. Presentear durante o Natal ao redor do mundo não é um costume tradicional cristão. No entanto, ganhou ampla evidência. Tampouco a árvore de natal nem o papai Noel. Os cristãos ortodoxos africanos não trocam presentes durante esta temporada. Se uma criança recebe algum presente, geralmente é um pequeno pacote de roupas.
Em vez disso, os costumes religiosos, as orações, os banquetes e os jogos são o foco da temporada em comemoração ao nascimento de Cristo.

Artigo de Narmer Amenuti (Dances With Lions)

Em 24/12/2014

Link do original AQUI: http://grandmotherafrica.com/merry-christmas-origins-africa/

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Agricultura - a mais perigosa das escolhas da humanidade




O texto a seguir é do renomado biólogo e escritor, Jared Diamond. Ele escreveu livros de leitura obrigatória como Colapso. Sua perspectiva original e provocativa é fruto de uma abordagem incomum das linhas históricas da caminhada humana nos variados desafios ecológicos do ambiente natural, muitas vezes antagônicos à necessidade de sobrevivência do homem na Terra. Fiz essa tradução há mais de dez anos. Mas, 30 anos após, ainda pode parecer insólito e inquietante para a maioria dos leitores.  

O Pior Engano na História da Raça humana
Artigo de Jared Diamond
Com ilustrações de Elliot Danfield
Publicado em maio/1987

À ciência nós devemos mudanças dramáticas em nossa presunçosa auto-imagem. A astronomia nos ensinou que nossa Terra não é o centro do universo, mas somente um de seus bilhões de corpos celestes. Da biologia nós aprendemos que nós não fomos especialmente criados por Deus, mas frutos da evolução dos seres vivos junto com milhões de outras espécies. Agora a arqueologia está demolindo outra convicção sagrada:  que a história humana sobre os milhões de anos do passado teria sido uma longa jornada de progresso. Em particular, achados recentes sugerem que a adoção de agricultura, supostamente nosso passo mais decisivo em direção a uma vida melhor, foi de muitas formas uma catástrofe da qual nós nunca mais nos recuperamos. Com a agricultura veio uma brutal desigualdade social e sexual, a doença e o despotismo, que aflige nossa existência.


Inicialmente, as evidências contra esta interpretação revisionista serão percebidas pelos americanos do século vinte como irrefutáveis. Nós estamos em melhor situação  do que as pessoas da Idade Média em quase todos os aspectos, que por sua vez tiveram mais facilidades que os homens das cavernas, que por sua vez ficavam em melhor situação que os macacos. Somente contamos nossas vantagens. Nós apreciamos a grande abundância e  variedade de alimentos, as melhores ferramentas e bens materiais, um das fases de maior longevidade e saúde da história. A maioria de nós está protegida da fome e de predadores. Nós obtemos nossa energia de petróleo e máquinas, não de nosso suor. Qual neo-Luddite (movimento social inglês contrário à mecanização, do início do século XIX) entre nós trocaria essa vida pela de um camponês medieval, de um homem da caverna, ou de um macaco? 
Na maior parte de nossa história nós sustentamos a nós mesmos pela caça e pela coleta: nós caçamos animais selvagens e apanhávamos plantas silvestres. É uma vida que os filósofos tem tradicionalmente considerado como sórdida, bruta, e limitada. Uma  vez que nenhuma comida é cultivada e pouca pode ser armazenada, existe (nesta visão) nenhum momento de repouso  para a constante luta que começa novamente todos os dias em busca de alimentos silvestres, para evitar o sofrimento da fome. Nossa fuga desta miséria foi facilitada somente há 10.000 anos atrás, quando em partes diferentes do planeta as pessoas iniciaram a domesticar plantas e animais. A revolução agrícola expandiu-se até hoje e é quase universal e poucas tribos sobrevivem no modelo caçador-coletor.
Da perspectiva progressivista em que eu fui educado, perguntar "Por que quase todos os nossos antepassados caçador-coletores adotaram agricultura?" é tolo. Claro que eles adotaram isto porque agricultura é um modo eficiente de adquirir mais alimento com menos trabalho. As colheitas de plantações rendem muito mais toneladas por acre que raízes e bagas. Somente imagine um bando de selvagens, exausto de procurar por nozes ou de perseguir animais selvagens, de repente arrecadando alimentos com tranqüilidade, pela primeira vez, em um pomar carregado de frutas, ou de um campo repleto de ovelhas. Quantos milissegundos você pensa que eles levariam para apreciar as vantagens da agricultura?
Os partidários progressivistas algumas vezes chegam a ponto de creditar à agricultura o notável florescer das artes que teria acontecido ao redor dos últimos milhares de anos. Já que as colheitas podem ser armazenadas, e considerando que leva menos tempo pegar comida de um jardim do que encontrá-la na natureza, a agricultura deu a nós tempo livre que os caçador-coletores jamais tiveram. Deste modo seria a agricultura que nos habilitou a construir o Parthenon ou a compor uma sinfonia.
Apesar disso parecer indiscutível na visão progressivista, é difícil de ser provado. Como você demonstra que as vidas das pessoas de 10.000 anos atrás melhoraram quando eles abandonaram a caça e a coleta pela agricultura? Até recentemente, os arqueólogos tinham que recorrer à provas indiretas, cujos resultados (surpreendentemente) fracassaram em sustentar a visão progressivista. Esse é um exemplo de um teste indireto: Seriam os caçador-coletores do século XX realmente piores do que os fazendeiros? Espalhados pelo mundo, vários grupos de pessoas consideradas primitivas, como os bosquímanos (bushmen: homens da floresta, primitivos dos bosques) Kalahari, continuam a se sustentarem da mesma maneira. Isso significa que eles têm bastante tempo de lazer, um bom período de sono, ou trabalhem menos do que os seus vizinhos agricultores. Por exemplo, o tempo médio dedicado toda semana para obter comida é somente 12 a 19 horas para um grupo de bosquímanos, 14 horas ou menos para os nômades de Hadza da Tanzânia. Um bosquímano, quando perguntado por que ele não imitava as tribos vizinhas, adotando a agricultura, replicou: "Por que nós deveríamos, quando existem tantas nozes "mongongo" no mundo?"
Enquanto os fazendeiros se concentram em colheitas de alto teor de carboidratos  como o arroz e batatas, a mistura de plantas e animais selvagens das dietas dos sobreviventes caçador-coletores oferecem mais proteína e um melhor equilíbrio de outros nutrientes. Em um estudo, a ingesta  média diária  de alimento do bosquímano (durante um mês, quando a comida era abundante) era de 2.140 calorias e 93 gramas de proteína, consideravelmente maior que a ração diária recomendada para as pessoas de seu porte. É quase inconcebível que os bosquímanos, que comem 75 ou mais plantas silvestres, possam morrer de fome da mesma maneira que centenas de milhares de fazendeiros irlandeses e suas famílias morreram durante a escassez de batata da década de 1840.
Assim as vidas dos coletor-caçadores sobreviventes não eram tão sórdidas ou brutas, embora os fazendeiros os tivessem empurrados para alguns dos piores locais do mundo. Mas as sociedades coletoras modernas que compartilharam com as sociedades agrícolas por milhares de anos não nos informam sobre as condições prévias à revolução agrícola. A visão progressivista está realmente fazendo uma alegação sobre um distante passado: que as vidas dos povos primitivos melhoraram quando eles trocaram de coletores para a agricultura. Os arqueólogos podem datar essa troca distinguindo sobras e vestígios de plantas e animais selvagens e domesticados em monturos (coleções de lixo alimentar e excrementos) pré-históricos.
Como se pode deduzir sobre a saúde dos fabricantes desse lixo pré-histórico, e assim diretamente testar a visão progressivista? Essa questão ficou possível de ser solucionada apenas em anos recentes, em parte pelas novas técnicas emergentes de paleopatologia, o estudo de sinais de doença nos restos mortais em indivíduos do passado.
Em algumas situações favoráveis, o paleopatologista tem quase tanto material para estudar como um patologista atual. Por exemplo, os arqueólogos nos desertos chilenos encontraram múmias bem preservadas cujas condições médicas na época da morte poderiam ser determinadas por autópsia (Discover, outubro). E as fezes de índios de um passado remoto, que viviam em cavernas, em Nevada, permanecem suficientemente bem preservadas para serem examinadas para pesquisa de vermes intestinais e outros parasitas.
Normalmente o único resíduo humano disponível para estudo são os esqueletos, mas eles permitem um número assombroso de deduções. Para começar, um esqueleto revela o sexo do seu dono, o peso, e idade aproximada. Nos poucos casos onde existem muitos esqueletos, pode se fazer tabelas  de mortalidade à semelhança daquelas utilizadas pelas companhias de seguro de vida, para calcular a expectativa de vida e o risco de morte para qualquer idade fornecida. Os paleopatologistas também podem calcular as taxas de crescimento medindo os ossos das pessoas de idades diferentes, examinando os dentes através de defeitos de esmalte (sinais de desnutrição na infância), e reconhecendo as cicatrizes que ficam nos ossos pela  anemia, tuberculose, lepra, e outras doenças.
Um exemplo objetivo do que os paleopatologistas descobriu a partir de esqueletos diz respeito à mudanças históricas na altura. Nos esqueletos da Grécia e Peru ficou demonstrado que a altura média de coletor-caçador ao redor do final da idade do gelo  era de generosos 1,79 m (5 ' 9" pés) para homens, e 1,67 m (5 ' 5" pés) para mulheres. Com a adoção de agricultura, a altura despencou, e por  volta de 3000 a. C. alcançou uma redução para 1,61 m  (5 ' 3" pés) para os homens, 1,52 m (5 ' pés) para mulheres. Nos tempos clássicos ocorreu uma lenta recuperação da altura, mas os gregos e turcos modernos ainda não recuperaram a altura média de seus antepassados distantes.
Outro exemplo de paleopatologia diz respeito ao trabalho de estudo de esqueletos de indígenas de colinas funerárias nos vales de rio de Illinois e Ohio. Nas colinas de Dickson, localizada próxima à confluência dos rios de Colher e Illinois, os arqueólogos escavaram alguns 800 esqueletos que ilustram um quadro das mudanças da saúde que aconteceram quando a cultura de caçador-coletor deu lugar para  o cultivo de milho intensivo ao redor de  1150 dC. Os estudos de George Armelagos e seus colegas de então na Universidade de Massachusetts mostra que esses primeiros fazendeiros pagaram um preço para sua forma de  sustento. Comparado ao caçador-coletor que precedeu a eles, os fazendeiros tiveram quase 50% de aumento em defeitos no esmalte indicativos de desnutrição, um aumento em quatro vezes na anemia por deficiência de ferro (comprovado por uma condição óssea denominada de hiperostosis porótica), uma triplicação em lesões nos ossos que refletiam alguma doença infecciosa em geral, e um aumento nas condições degenerativas da espinha vertebral, provavelmente refletindo muito trabalho físico desgastante. "A expectativa de vida ao  nascimento na comunidade pré-agrícola era em torno de vinte e seis anos," diz Armelagos, "mas na comunidade pós-agrícola seria de dezenove anos. Portanto esses episódios de stress nutricional e por doenças infecciosas, afetou gravemente sua habilidade de sobreviver."
Essas evidências sugerem que os índios das Colinas de Dickson, como muitos outros povos primitivos, iniciaram na agricultura não por escolha mas por necessidade de  alimentar um constante aumento no número de indivíduos de suas populações. "Eu não acredito que a maior parte dos povos coletor-caçadores iniciassem a agricultura até um determinado momento que eles se viram obrigados, necessariamente a iniciá-la, e quando eles trocaram para a agricultura eles negociaram qualidade pela quantidade," diz Mark Cohen da Universidade do Estado de Nova Iorque em Plattsburgh, co-editor com Armelagos, de um dos  livros primordiais desse campo de pesquisa: Paleopatologia nas Origens de Agricultura. "Quando eu comecei pioneiramente a tornar público esse argumento dez anos atrás, poucas pessoas concordavam comigo. Agora acabou se transformando num respeitável, embora controverso, lado desse debate."
Existem pelo menos três conjuntos de razões para explicar porque a agricultura era ruim para a saúde. Primeiro, os caçador-coletores apreciavam uma dieta variada, enquanto os primeiros fazendeiros obtinham a maior parte de sua comida a partir de um ou alguns poucos alimentos da colheita . Os fazendeiros obtinham caloria barata às custas de uma nutrição pobre. (Atualmente apenas três vegetais fornecem altas taxas de carboidratos: trigo, arroz, e milho – fornecem a maior parcela das calorias consumidas pela espécie humana, e cada qual é deficiente em certas vitaminas ou aminoácidos essenciais para a vida.) Segundos, por causa da dependência de um número limitado de alimentos fornecidos pelas colheitas, os fazendeiros corriam o risco da fome se uma colheita falhasse. Finalmente, o simples fato da agricultura encorajar as pessoas para associação em sociedades lotadas, muitas das quais começaram a estabelecer ligações comerciais com outras populosas sociedades,  proporcionou a  propagação de parasitoses e doenças infecciosas. (Alguns arqueólogos entendem que foi a aglomeração, e não a  agricultura, que promoveu essas doenças, mas isso é uma discussão do tipo ovo-e-galinha, porque a aglomeração populacional estimulou a agricultura e vice-versa.) As epidemias não poderiam ganhar relevância enquanto as populações fossem difundidas em pequenos espaços geográficos, que constantemente faziam trocas de seus acampamentos. A tuberculose e as doenças diarréicas tiveram que aguardar a sedimentação da agricultura, o sarampo e a  peste bubônica aguardaram o aparecimento das grandes cidades.

 


Além de desnutrição, da fome, e das doenças  epidêmicas, a agricultura foi fundamental para originar outra maldição da humanidade: as divisões de classes. Os caçador-coletores tinham pouco ou nenhum armazenamento de  comida, como também não tinham fontes concentradas de alimentos, como um pomar ou um rebanho de bovinos: eles  viviam do consumo de plantas e animais selvagens que eles procuravam a cada novo dia. Desse modo, não poderia haver nenhum rei, nenhuma classe de parasitas sociais que acumulassem gordura dos alime ntos fornecidos pelos demais. Apenas uma população agrícola pode manter uma elite de membros saudáveis, não-produtores vivendo em cima de massas populacionais pobres e enfermas. Os esqueletos  das tumbas gregas em  Micena,  1500 AC.,  sugere que essa realeza apreciava uma dieta muito melhor que a dos demais cidadãos, uma vez que os esqueletos reais eram dois ou três polegadas mais altas e tinham dentes melhores (em média, uma em vez de seis cavidades ou dentes perdidos). No meio das múmias chilenas, 1000 DC., a elite não seria distinguida apenas pelos ornamentos e pelos clipes de ouro de seus cabelos, mas também por uma taxa mais baixa (quatro vezes menor) de lesões ósseas causadas por doenças.
Os contrastes semelhantes em nutrição e saúde persistem em uma escala global hoje. Para os  povos de países ricos, como dos EEUU,  soa ridículo exaltar as virtudes da caça e  da coleta. Mas americanos são um  elite, dependente  de óleo e minerais que freqüentemente devem ser importados de países com baixas taxas de saúde e nutrição. Se alguém pudesse escolher entre estar um lavrador da Etiópia ou um  bosquímano  coletor de Kalahari, qual você imagina ser a escolha melhor?
 A agricultura pode ter promovido, também a desigualdade entre os sexos.   Liberadas da necessidade de  transportar seus bebês durante uma existência nômade, e  sob a  pressão de produzir mais mãos para o cultivo nos campos, as mulheres camponesas tenderiam a ter gravidezes mais freqüentes que  as mulheres caçador-coletoras – com conseqüente prejuízo em sua saúde. Entre as múmias chilenas, por exemplo, mais mulheres que homens  apresentavam lesões ósseas por doença infecciosa.As mulheres nas sociedades agrícolas eram transformadas em bestas de carga. Na Nova Guiné, em suas  comunidades  agrícolas, eu, atualmente, com freqüência vejo mulheres que cambaleiam debaixo de cargas de legumes e lenha enquanto os homens caminham de mãos vazias. Uma vez, durante um estudo de campo de pássaros, eu ofereci pagamento para alguns aldeãos levar suprimentos de uma pista de vôo até meu acampamento na montanha. A carga mais pesada era uma bolsa de 110 libras (aprox.: 50 kg) de arroz, que eu atribuí a um  grupo de  quatro homens fazerem tal carregamento. Quando eu alcancei os aldeãos, descobri que os homens estavam levando cargas leves, enquanto uma pequena mulher, pesando menos que a  carga de arroz, estava curvada debaixo da mesma, sustentando seu peso  com uma corda ao redor de suas têmporas!
Em relação ao argumento de  que a agricultura ensejou o florescer da arte, ao  nos prover mais tempo para o  lazer, os modernos caçador-coletores tem pelo menos tanto tempo livre  quanto os fazendeiros. A ênfase dedicada ao tempo de lazer, como um aspecto crítico, me parece equivocadamente compreendida. Os gorilas  tem tido amplo tempo livre para construírem seu próprio Parthenon,  quando quisessem. Enquanto os avanços tecnológicos pós-agrícolas permitiram o surgimento de novas formas de arte com mais facilidades para sua  preservação, grandes pinturas e esculturas já estavam sendo produzidas pelos caçador-coletores há  15.000 anos atrás, e continuam ainda sendo produzidos tão recentemente quanto nesse último século por tais povos, como os esquimós e os índios do Noroeste do Pacífico.
Deste modo, com o advento de agricultura a elite ficou em melhor situação, mas a maioria das pessoas ficou nas piores situações de existência. Em vez de se associar à linha partidária progressivista, de que nós escolhemos a agricultura porque ela é melhor para  nós, deveríamos nos perguntar como fomos aprisionados por ela, apesar de suas armadilhas.
Uma resposta se resume  ao provérbio "Poderia ser melhor." A agricultura poderia sustentar muitas mais pessoas do que a caça, embora com uma qualidade mais pobre de vida. (As densidades de população de caçador-coletores são raramente mais de uma pessoa por dez milhas quadradas, enquanto que entre os agricultores as densidades chegam a  100 vezes essa taxa.) Em parte, isto é devido ao fato de um campo estar completamente plantado com produtos comestíveis,  permitindo alimentar muito mais bocas do que uma floresta com plantas comestíveis dispersas. Em parte, também, porque os nômades têm que manter suas proles espaçadas em intervalos de quatro anos, uma vez uma mãe deve manter seus filhos até que seja velho o suficiente para acompanhar os adultos. Como  mulheres  agricultoras não têm tal fardo, elas podem, e freqüentemente cuidam de  uma nova criança a cada dois anos.Como as densidades das populações dos povos caçador-coletores lentamente subiram no final das idades de gelo, os grupos tinham que escolher entre alimentar mais bocas assumindo os primeiros passos em direção a agricultura, ou então  encontrando caminhos para limitar crescimento. Alguns desses grupos escolheram essa nova solução, pois foram incapazes de prever os perigos da agricultura, sendo seduzidos pela abundância passageira que eles aproveitaram até que o crescimento da população ultrapassou a produção de alimentos. Tais grupos se miscigenaram, se espalharam por outros territórios, ou até mesmo mataram os grupos que escolheram permanecer como caçador-coletores, porque cem agricultores mal nutridos podem ainda vencer um caçador saudável. Não foram os caçador-coletores que abandonaram seu estilo de vida, mas aqueles que seriam sensatos o suficiente para não abandonar esse estilo de vida, seriam obrigados a abandonarem qualquer extensão de terra, exceto aquelas que os fazendeiros não  desejassem..
Neste momento é instrutivo ressaltar uma acusação que é comumente dirigida à arqueologia, adjetivando-a de luxuriosa, por estar preocupada com o passado distante, sem oferecer lições para o presente. Os arqueólogos, estudando a consolidação da agricultura, reconstruíram uma fase crucial da história humana, etapa que nós cometemos o pior engano dessa história. Forçados a escolher entre limitar a população ou aumentar a produção de alimentos, nós escolhemos a segunda opção e fomos levados à mais fome, à guerra, e à tirania.
O caçador-coletor praticou o mais bem sucedido e mais prolongado estilo de vida da história da raça humana. Em contraste, nós estamos ainda lutando com a bagunça que a agricultura nos ofereceu, e é ainda obscuro se nós poderemos resolver tais conseqüências. Suponha que um arqueólogo que visitou o espaço sideral estivesse tentando explicar a história humana para outros colegas do espaço. Ele poderia ilustrar os resultados de suas escavações  através de  um relógio de 24 horas, onde cada hora representa 100.000 anos de intervalo de tempo. Se a história da raça humana começou à meia-noite, então nós  seríamos agora quase o final do nosso primeiro dia. Nós vivemos como caçador-coletor por quase todo esse dia, da meia-noite ao amanhecer, do meio-dia ao pôr-do-sol. Finalmente, às 23h:54m nós adotamos a agricultura. Nossa segunda meia-noite se aproxima: o mal estado de milhões de camponeses famintos e doentes alcançará a todos os demais? Ou nós, de alguma maneira alcançaremos as benções sedutoras que nós imaginamos advir da luminosa fachada da agricultura, e que até agora tem nos iludido?


Título original em inglês: “The worst mistake in the history of human race”
(by Jared Diamond, University of California at Los Angeles (UCLA) Medical School)
Publicado na revista: Discovery Magazine, em Maio de 1987, páginas 64-66.

Texto original em inglês pode ser obtido no site:

Publicado pela primeira vez no site umaoutravisao em janeiro de 2006.
(A data da edição original é essa mesmo: maio de 87!)

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A nossa amiga - a febre


O momento para deixar a febre seguir o seu curso
Numerosos estudos nos últimos anos mostraram que a redução da febre prejudica a capacidade do seu corpo de se recuperar de uma doença.

A febre não é uma doença. É a tentativa do corpo de combater a doença. Portanto, quando tratamos febre com antipiréticos, como acetaminofeno (Tylenol) ou ibuprofeno (Alivium), apenas estamos algemando uma parte importante da nossa resposta imune. Embora possa parecer contraditório, vários estudos atuais demonstraram que os antipiréticos aumentam a gravidade das infecções. Chegou a hora de superar nosso medo da febre.
Muito foi aprendido sobre a importância da febre de estudos em animais, que podem ser divididos em dois grupos: ectotérmicos e endotérmicos.
Ectotérmicos regulam a temperatura corporal usando o meio ambiente. Por exemplo, quando os lagartos querem aumentar a temperatura, eles escalam até o topo de uma rocha e se expõem ao sol. Quando querem abaixá-la, eles rastejam sob a rocha.
Os mamíferos, por outro lado, são endotérmicos. Para aumentar a temperatura corporal, nosso sistema imunológico libera substâncias químicas chamadas citoquinas (como interleucina-1, interleucina-2, interleucina-6, interleucina-8, fator de necrose tumoral e outras) que viajam para uma parte do cérebro chamada hipotálamo e realinha a temperatura corporal para um nível mais alto. Para alcançar uma temperatura mais alta, trememos, enrolamo-nos em cobertas, usamos roupas quentes e fazemos o fluxo do sangue derive das extremidades de nossos braços e pernas em direção ao nosso centro corporal.
Em meados da década de 1970, Matthew Kluger, cientista do Departamento de Fisiologia da Universidade de Michigan, realizou uma experiência pioneira. Ele infectou lagartos com uma bactéria chamada Aeromonas hydrophila. Então ele colocou os lagartos nas câmaras a 38 C (temperatura normal do lagarto), 40 C (febre baixa) e 42 C (febre alta). À temperatura normal, 75 por cento dos lagartos morreram, com baixa febre, 33 por cento e com alta febre, zero por cento. Essas descobertas foram posteriormente estendidas a peixes dourados infectados com Aeromonas, camundongos infectados com vírus Coxsackie B ou a bactéria Klebsiella, coelhos infectados com Pasteurella e cães infectados com vírus do herpes. Em todos os casos, os animais proibidos de terem febre eram mais propensos a sofrer ou a morrer. Todos esses estudos provaram, como Kluger postulou, que a febre era uma parte adaptativa, fisiológica e necessária da resposta imune.
A primeira evidência de que a febre era importante nas pessoas veio antes que Kluger realizasse seus estudos em animais. No início dos anos 1900, antes que os antibióticos para tratar as infecções bacterianas fossem descobertos, Wagner von Jauregg injetou parasitas de malária na corrente sanguínea de pessoas com sífilis. Os parasitas causaram altas febres e calafrios durante vários dias, após o que tratou os pacientes com quinina: um medicamento antiparasitário que estava disponível desde meados dos anos 1800. Ele descobriu que as febres altas causadas pela malária curavam a sífilis. Por esses resultados, von Jauregg ganhou o Prêmio Nobel em 1927. Suas observações foram posteriormente estendidas para incluir o uso de febre para tratar a gonorreia.


Von Jauregg mostrou que a febre poderia ser usada para tratar infecções, o que inicia o questionamento sobre se a redução da febre piorava as infecções. Muitos estudos já foram realizados em crianças e adultos para abordar esta questão. Os resultados foram consistentes:

• Antipiréticos prolongaram a excreção de bactérias – salmonelas - em pessoas que sofrem desta infecção intestinal.
• Crianças com infecções sanguíneas (sepsis) ou pneumonia eram mais propensas a morrer se suas temperaturas fossem menores.
• Antipiréticos prolongam os sintomas em pacientes infectados com influenza.
• Antipiréticos prolongam a excreção viral e agravam sintomas em voluntários infectados experimentalmente com um vírus comum de resfriados chamado rinovírus ( PDF ).
• Antipiréticos atrasaram a resolução de sintomas em crianças com varicela.
Consistente com estas observações clínicas, estudos recentes mostraram por que a febre é tão valiosa. Em temperaturas mais elevadas, os glóbulos brancos (neutrófilos), células B e células T funcionam melhor. Cada um desses componentes do sistema imunológico é importante na resolução de infecções. Os neutrófilos matam bactérias. As células B produzem anticorpos que neutralizam vírus e bactérias. E as células T matam células infectadas por vírus.
Com toda essa informação, por que estamos tão atentos ao tratamento da febre? Por que somos tão “febrofóbicos”? Uma razão é que nós equiparamos febre com doença. Assumimos que se obtemos a redução da febre diminuímos o grau de doença, quando o contrário parece ser a verdade. Outra razão é o medo de que febres altas possam causar danos cerebrais - uma preocupação que não foi obtida sob uma análise científica. Mais uma razão é a noção de que o tratamento da febre irá prevenir convulsões febris, um fenômeno que, apesar de assustador, não causa danos permanentes. Na verdade, os antipiréticos também não impedem a convulsão febril.
Provavelmente, o motivo mais comum para tratar a febre é que nos sentimos mais confortáveis ​​quando nossas temperaturas são normais. A febre aumenta a taxa metabólica básica, fazendo com que respiremos mais rápido e nossos corações passem a bater mais rápido. Quando temos febre, tudo o que queremos fazer é ficar na cama e beber líquidos, o que é exatamente o que devemos fazer em vez de trabalhar ou ir à escola e infectar os outros. A febre é um sinal de que devemos nos isolar do grupo.
As empresas farmacêuticas não ajudaram. Com anúncios como "Abaixe essa temperatura!" "Apenas o que o médico orientou" e "Quando a febre e as dores deixam o Pedrinho amolado: Tylenol!", somos constantemente bombardeados com a noção de que a febre é ruim e deve ser reduzida ou eliminada .
Curisamente, Hipócrates, que viveu em torno de 400 aC, tinha razão. Ele acreditava que a doença era causada quando um dos quatro humores (bílis negra, bílis amarela, sangue e fleuma) fosse produzida em excesso. A febre, de acordo com Hipócrates, cozia o humor bruto, levando à cura. Então, em 1899, a empresa alemã Bayer inventou a aspirina. A partir daí, de repente, tornou-se importante tratar a febre, popularizada pelo conselho: "Pegue duas aspirinas e ligue-me pela manhã".
Na análise final, deveríamos ter escutado Hipócrates.
Paul A. Offit, MD, é professor de pediatria e diretor do Centro de Educação de Vacinas no Children's Hospital of Philadelphia. Seu livro mais recente é o Laboratório de Pandora: Seven Stories of Science Gone Wrong (National Geographic Press, abril de 2017).

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Publicado em 15/10/2017
The Daily Beast

Foto do site: http://wikisickness.com/fever.html