domingo, 1 de março de 2015

A teoria metabólica do câncer - Parte III



Otto Warburg, a acidez e a teoria metabólica do câncer

Certamente a maioria das pessoas que tem um certo trânsito de informações pela web, recebe muitos emails, links no facebook, e de outros meios de compartilhamento com informações sob a natural preocupação com nosso mais poderoso inimigo, o câncer. E muitas vezes essa informação traz a questão da importância da dieta, do controle da alcalinidade e do mix desses dois temas. Mas qual a qualidade dessas informações? 
Nesse post vamos conhecer melhor um personagem muito citado quando o assunto é controle do pH do organismo, ou seja o balanço entre alcalinidade/acidez do organismo.
Imagino que a expressão acidez esteja associado a algo ruim em termos de bem estar. Afinal, na linguagem popular "estar ácido" é vulgarmente associado a coisas desagradáveis, perigosas etc. A expressão ácida tem mais de cem sinônimos ligados a qualidades humanas ruins (LINK), mas em fisiologia é apenas o sinônimo de um pH abaixo de 7.0. Já a palavra alcalina não apresenta tanta importância conotativa. Parece sempre que alcalinizar é menos pior do que tornar ácido. 

A alcalose respiratória pode estar associada a um conjunto de eventos bastante desagradáveis, como uma série de sintomas neuro musculares que podem parecer até mesmo assustadores. Mas isso nunca é lembrado. Aliás, o método mais rápido de controle de pH é a RESPIRAÇÃO! Por isso a
importância da meditação e técnicas similares: basicamente há um aumento do pH (por alcalose respiratória) pela entrada de oxigênio. Quando estamos correndo sempre entramos em acidose, que pode ser por efeitos metabólicos e respiratórios. Metabólicos pela formação de ácido lático, uma vez que o excesso de atividade muscular força a uma atividade celular anaeróbia (glicólise e fermentação) e respiratórios pelo aumento da formação de gás carbônico (pelo aumento da respiração celular que gera mais CO2). Numa situação de fuga de predadores ficar ácido é fundamental para a sobrevivência, isso acontece transitoriamente. Respirar profundamente ocorre após ficarmos a salvo (visto glamurosamente como estado meditativo - ou nos apropriarmos da respiração), mas ficar a salvo dependeu do processo geral que gerou a … salvadora acidez!

Um personagem muito citado na grande maioria de publicações sobre acidez e câncer é o dr Otto
Otto Warburg
Warburg. E ele não é um fake. Ganhou o prêmio Nobel de medicina e fisiologia em 1931. Filho de um físico muito respeitado, ele conviveu na infância com personalidades como Einsten e Max Planck. Grande parte de sua produção científica foi sobre o câncer em termos de biologia celular. Ele argumentava - nos anos trinta - que havia relação entre aditivos alimentares  e o cigarro com o câncer, e demonstrou que a radiação poderia matar células cancerosas. De acordo com o Dictionary of Scientific Biography, 59 grandes descobertas no campo da ciência são creditados ao dr Warburg, e pelo menos três ganhadores de prêmios Nobel foram seus alunos (Otto Meyerhof, Hans Krebs, e Axel Theorell). Não se casou e teve sua vida inteira dedicada à pesquisa científica.  
Ele viveu na Alemanha nazista, com laboratório em Berlim e teria sido protegido pelo próprio Hitler, pelo fato de ser um pesquisador na área de câncer, e o führer ter pavor dessa doença. Mas em 1944 não pode ser indicado para outro Nobel, por ordens do comando nazista.

Mas o que importa sobre Warburg é a razão desse Nobel de 1931: a célula de câncer se multiplica em anaerobiose, ou seja sem oxigênio, com ambientes ácidos. Mas isso precisa ser bem decodificado para entendermos qual é o processo exato envolvido com a multiplicação de células cancerosas.
Mas vamos ver o que mostra um panfleto popular sobre o que teria sido a explicação do dr. Warburg a respeito o câncer:






São frases potencialmente verborrágicas, e que podem mexer com os sentimentos dos leitores que não tem acesso a informação mais qualificada a não ser essa baboseira escrita em letras coloridas e música motivadora.
Como já citei anteriormente, sempre que estamos praticando atividade física, como estar correndo, entramos em acidose, seja respiratória como metabolicamente. Isso é fundamental em certas circunstâncias de sobrevivência para o ser humano. E células bem sadias podem promover um ambiente ácido, como todas as células musculares estriadas dos grandes músculos esqueléticos que nos movem para a sobrevivência. Já que a glicólise produz ácido lático, e a glicólise é uma opção respiratória essencial para essa grande população celular, se a demanda energética for levada a extremos.



Nunca é demais lembrar que há ambientes corporais extremamente ácidos, e que só no extremo do pH fazem bem seu trabalho: por exemplo o processo digestivo no estômago. O ácido clorídrico reduz o pH o que puder para que o organismo aproveite com eficiência a absorção de nutrientes que estão entrando através dos alimentos. Isso pode baixar o pH para algo como 1.5 e esse é um valor realmente hiper-ácido! E se não for ácido o suficiente todo o resto do processo digestivo fica comprometido.

Vamos examinar um pouco mais o que disse realmente o dr Otto Warburg sobre essa história de acidez, oxigênio, etc.
Sua hipótese sobre a natureza do câncer não morreu com ele em 1970 graças a um pesquisador do John Hopkins University of School Medicine, Peter Pederson. A observação original de Warburg era a seguinte: As células cancerosas tem um método pervertido de gerar energia (…) a causa primária do câncer seria a substituição da respiração por oxigênio, como seria nas células normais saudáveis do corpo  pela fermentação da glicose. A habilidade de gerar energia através da rota oxidativa está danificada, e a célula reverte para a antiga e menos ineficiente forma: a glicólise e fermentação. Outro pesquisador, Seyfried, no continuum  de Warburg/Pedersen, observou que as células cancerosas teriam um dano nas mitocôndrias. Uma célula normal tem de mil a dois mil mitocôndrias. Compõe o equipamento fundamental para que a respiração com aproveitamento do oxigênio se estabeleça e gerem muitos ATPs. Sem mitocôndrias eficientes a célula respira por glicólise, gera ácido lático e consequentemente isso estabelece uma redução do pH.
Dessa forma fica claro que ao contrário do que muita gente diz e repete, talvez por influências de panfletos como o citado nesse artigo, a acidez NÃO é a causa do câncer e sim sua consequência!
Os tecidos ácidos tão sublinhados nada mais são que a expressão da doença!
Se essa for a motivação de uma dieta alcalina ou alcalinizante, esqueça! O caminho terapêutico certamente não passa por aí!
É claro que há a questão da mudança das mutações do genoma visto nessas células. A melhor compreensão em termos evolutivos é a seguinte: quando ocorre uma incapacidade das mitocôndrias efetivar a produção energética, ocorre uma mensagem de emergência para o núcleo,  iniciando um conjunto de processos de sobrevivência, provavelmente ancestrais - multiplicação descontrolada, instabilidade genômica com aumento de surgimento de mutações, e evitação da apoptose (morte celular programada). Dessa forma forma fica claro, o câncer tem duas etapas - a lesão mitocondrial (com mudança para a respiração citoplásmatica - a glicólise) e secundariamente as mudanças no DNA. Assim toda a perspectivava de focar a atenção e terapêutica do câncer nas mutações do DNA, acabam apenas se voltando para as consequências do processo, nunca para sua causa original.
O já citado pesquisador James Watson escreveu o seguinte a respeito das ideias de Otto Warburg, em 2009:
A idéia de que as células cancerosas podem ser 
unificadas por ter um conjunto comum de
moléculas não encontradas na maioria das outras
células do nosso corpo foi primeiramente
proposta pelo grande bioquímico alemão
Otto Warburg em1924; ele observou que toda a
célula cancerosa, independentemente de estarem
crescendo na presença ou
ausência de oxigênio, produzem grande
quantidade de ácido láctico. No entanto,
não foi até um ano atrás que o
significado da descoberta de Warburg
fosse revelado: O metabolismo das
células cancerosas, e certamente de todas as
células em franca proliferação, é largamente
dirigida para a síntese de
blocos de construção celular a partir de
produtos da degradação da glicose.
Esta descoberta indica que nós
precisamos de novos esforços corajosos para pesquisar
se novas drogas que inibam especificamente
enzimas-chave envolvidas neste processo de quebra de glicose 
tem de fato efeito anti câncer!

O pai do DNA, e um dos principais proponentes de suporte à terapêutica quimioterapia, lastreada na Teoria das Mutações Somáticas, que mantém a idéia de que o DNA, e suas mutações seriam a causa do câncer admite publicamente que as pesquisas provavelmente seguiram um curso equivocado.


Bem, comparando com o que é comumente dito sobre a questão do oxigênio e acidez na relação com o câncer: 
1) Não faz diferença se existe ou não oxigênio disponível, a célula cancerosa não tem mitocôndrias eficientes, assim a respiração anaeróbia, por glicólise é impositiva;
2) A acidez é consequência da proliferação celular cancerosa e não sua causa;
3) O combustível para esse processo é a glicose - a molécula mais simples de um conjunto de alimentos que chamamos de carboidratos.
Qual o significado disso?
E afinal, existem outras provas científicas que reforçam a teoria metabólica do câncer? 

Veremos em próximo post.

Obras de Warburg:
Stoffwechsel der Tumoren (1926)
Katalytische Wirkungen der lebendigen Substanz (1928)
The Metabolism of Tumours (1931)
Schwermetalle als Wirkungsgruppen von Fermenten (1946)
Wasserstoffübertragende Fermente (1948)
Mechanism of Photosynthesis (1951)
Entstehung der Krebszellen (1955)
Weiterentwicklung der zellphysiologischen Methoden (1962)
The Prime Cause and Prevention of Cancer (1966)

Referência principal desse artigo LINK

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A teoria metabólica do câncer - Parte II

CÂNCER: Uma doença metabólica - Parte II


A proposta dessa sequência de artigos.  é estudar o câncer sob a perspectiva da teoria de origem metabólica. Mas antes de prosseguir na questão metabólica propriamente dita vamos dar uma rápida examinada na história de pesquisa do câncer e suas terapêuticas. Como já vimos há duas teorias vigentes, e a que mais prosperou a partir da segunda metade do século XX é aquela que imputa à mutações no DNA a causa e alvo para programas terapêuticos oficiais. Vamos então conhecer um pouco desse caminho. 


James Watson
James Watson, é o autor de um famoso livro de biologia, que realmente trouxe a público uma das descobertas mais importantes para a compreensão da vida. Ele é o descobridor do DNA. Ganhou um prêmio Nobel (1962). Seus achados científicos sobre como se copia as informações hereditárias estão em seu exponencial livro: “A Dupla Hélice” (The Double Helix) de 1968. Participou do mega Projeto Genoma Humano. E um dos projetos filho do PGH, foi a busca de um mapeamento do genoma do câncer - TCGA - ou Atlas do Genoma do Câncer. Esse projeto ambicioso só teve uma razão de existir - a fé científica de que o câncer tinha causa em alterações genéticas - a chamada SMT - ou Teoria das Mutações Somáticas. Watson - que também cometeu terríveis gafes públicas, como quando deu a entender de que os descendentes de africanos teriam menores capacidades intelectuais, fato que ele veio a se desculpar, posteriormente - escreveu em 2009 um artigo no The New York Times: “Para combater o câncer, conheça o inimigo”, algo surpreendente para aqueles que vinham acompanhando a história de compreensão e tratamentos desse conjunto de enfermidades: 

Apesar da combinação de quimioterapia direcionada
poder ser um grande passo adiante, temo que nós ainda não
temos em mãos a droga milagrosa que aja isoladamente ou em
combinação que possa estancar o progresso das células cancerígenas metastáticas.
Para desenvolvê-las, poderemos ter que retirar o foco principal de nossa pesquisa 
na decodificação das instruções genéticas por trás do câncer
 e [direcionar] para a compreensão das reações químicas (metabolismo) 
no interior das células cancerosas. 

Para os abnegados do corrente dominante isso pode ser comparado ao ato de jogar a toalha no ringue de lutas. Isso seria de fato o combustível que estava faltando para os pensadores alinhados com a Teoria Metabólica do Câncer poderem divulgar para conhecimento público suas (consistentes) ideias sobre o câncer - que datam de há quase 90 anos. Para entender todo esse processo é necessário ter uma visão histórica das pesquisas em oncologia. 

O livro que se baseia essa série de artigos é do pesquisador Travis Christofferson - “Tripping over the truth - The metabólica theory of cancer” - lançado no final de 2014, ainda não disponível em português. Um livro com fatos históricos, base bibliográfica farta e um texto excelente. Diferente de outros tantos livros sobre o tema câncer - alguns flagrantemente filosóficos, sofismáticos ou meramente apólogicos, Travis segue o caminho da investigação, dúvida e reflexão. 
A contraposição entre as duas teorias científicas - não é uma guerra declarada da posição médica francamente sustentada pelas instituições oficiais americanas, laboratórios de pesquisa associados, empresas de pesquisa diagnóstica e terapêutica, contra outra que não pareceu ser muito produtiva em termos econômicos - uma vez que todos sabem que a pesquisa envolve grandes somas de dinheiro, por exemplo: cerca de três bilhões de dólares - o PGH, de dinheiro de impostos dos americanos, além dos valores vultosos envolvidos com o desenvolvimento de quimioterápicos, e o seu custo para o paciente enfermo. No livro Travis alega que (a quimioterapia) pode se construir de um dos maiores exemplos de desequilíbrios econômicos: valor x custo (valor discutível ou inexistente x custo monetário astronômico). 
Os pífios resultados de eficiência (quimioterapia) - mais ou menos estáveis em mais de 50 anos de muito esforço para se chegar ao tratamento mágico - pode ser parte da motivação que fez Watson redigir suas afirmações em 2009. 

Um pouco de história - entendendo o caminho

Na primeira metade do século XX já tínhamos algumas compreensões sobre o câncer a partir da observação de cientistas importantes. Quatro nomes podem ser sublinhados a partir de fatos já identificados: o dr Pott,  e a ação de químicos carcinogênicos, dr. Rouss e o sarcoma causado por vírus, dr Hansemann e os cromossomos caóticos e, finalmente o dr Otto Walburg com sua teoria metabólica.
Naturalmente o câncer já era conhecimento milênios antes. Já em tempos egípcios se conhecia tumores ósseos e de mama. A visão hipocrática da bílis negra como causa do câncer só foi
Andreas Versalius
abandonada no século XVI pelos estudos do anatomista de Bruxelas, Andreas Versalius. Só no século XVIII, vão surgir pistas de causalidade. Um médico italiano Bernardino Ramazzini apontou para o fato de freiras não terem câncer de colo de útero, mas terem maior incidência de câncer de mama.  Em 1761 um médico e botânico fez a primeira conexão entre um agente externo e a doença quando publicou o caso de um paciente que teve câncer de narinas por cheirar rapé (tabaco de inalação).
Mas foi o dr Percivall Pott (o mesmo do Mal de Pott, problema de coluna provocado pela tuberculose) que melhor desenhou a relação agente externo x câncer, já em 1775.
Limpadores de chaminés - Londres
Seus estudos entre os limpadores de chaminé em Londres, o câncer na região escrotal e o resíduo de fuligem estabeleceram de fato uma prova irrefutável da existência de agentes que viriam a ser chamados de carcinogênicos (no caso agentes químicos). O desafio seria descobrir: como?
Em 1911 seria descoberto que fatores infecciosos poderiam levar ao câncer. Os estudos de Peyton Rous injetando extratos tumorais (de galinhas doentes) sem células em galinhas saudáveis as deixavam igualmente doentes. Essa foi a demonstração da existência de agentes oncogênicos virais - o Rous Sarcoma Virus. O câncer poderia então ter causa contagiosa.
Antes disso em 1890 um pesquisador alemão teria feito um descoberta marcante no campo das células cancerosas, um aspecto específico do comportamento dos cromossomos (os corpos coloridos descobertos anteriormente pelo pesquisador de Praga, Walther Fleming). Eles perdiam seu comportamento organizado, adotando outro caótico à observação microscópica. Isso o fez descrever: “a conversão de uma célula normal para cancerosa envolve a aquisição de anormalidades intracelulares de seu material hereditário”. Isso seria uma proposta de que os cromossomos seriam os responsáveis pelo crescimento tumoral, e adicionalmente a essa compreensão ele cunhou os termos anaplasia e desdiferenciação - perda de estruturas e funções celulares para formas menos específicas e simplificadas. 
Efetivamente, a indiferenciação celular é ainda hoje um dos aspectos mais estudados e avaliados em tecidos tumorais, e de modo geral quanto mais indiferenciado, mais grave é o câncer. 

Ray Peat
Um pesquisador, Ray Peat, faz uma interessante nota sobre essa particularidade. Em um artigo bastante desafiador, ele pergunta qual a importância da pesquisa de receptores de estrogênio no câncer de mama? Quando uma célula de câncer é positiva para receptor de estrogênio, pode-se inferir que ela é bastante próxima de células normais. Quando mais indiferenciada a célula, mais distinta ela se parece das células originais de um tecido saudável, assim tecidos estrogênio-receptor negativos são muito anormais (provavelmente mais graves). O receptor de estrogênio, é uma proteína comum de vários tecidos normais do corpo humano. Por exemplo células da retina são estrógeno-receptor positivas. Por outro lado, células de tecido mamário, incluindo tumorais, podem normalmente ter outros receptores: para vitamina A, hormônio da tireoide, ocitocina, fatores de crescimento, progesterona, e outros hormônios. Na prática, a indicação positiva para esses receptores (para estrogênio), oferece uma opção terapêutica: o grupos do inibidores específicos de receptores para estrogênio, que tem medicamento protótipo o tamoxifeno. Que vai atuar em todas as células do corpo que tem, a bem da verdade um receptor hormonal normal, ou seja não deve ser por causa da presença desse receptor que deve existir esse tumor (ou concluir assim está tecnicamente errado?). (LINK)

Origens da quimioterapia

Em dezembro de 1943 o tenente coronel James Stewart Alexander foi chamado para uma viagem ao recém bombardeado porto de Bari, sul da Itália, ocupado por tropas aliadas. Houve um incidente que poderia precisar de seus conhecimentos em química. Vários marinheiros que tinham se jogado ao mar para escapar dos navios atingidos emergiam cobertos com um óleo de almágama e odor estranho de alho. A seguir eles apresentavam queimação na pele e cegueira. Oitenta e três morreram. Um dos navios atingidos,  SS John Harvey, tinha uma carga proibida: gás mostarda. Foi esse produto que se espalhou na hora da explosão. Mais de 54 toneladas do gás se espalhou pelas cidades vizinhas. Podem ter ocorrido incontáveis mortes. Mas a situação foi tratada com termos de segredo pelo  QG dos aliados. O gás mostarda não poderia estar lá!
Mas o que Alexander levou para casa foram amostras de tecidos dos atingidos pelo terrível incidente. Pesquisas adicionais mostram as características resultantes do ataque do veneno no corpo humano: redução drástica nas células brancas do sangue nos gânglios linfáticos e medula óssea. Ele teorizou que o gás mostarda inibia a multiplicação de células que precisam se multiplicar rapidamente. Dois famosos médicos de Yale - Goodman e Gilman - (os mesmos do popular livro texto de fisiologia) propuseram experimentos (ratos) e posteriormente usos terapêuticos desse agente tóxico para pacientes com linfoma. Os resultados desse experimento foram publicados em1946. Uma arma de guerra mortal, por acidente se transforma num dos primeiros tratamentos para um câncer sem opção terapêutica na época. 
Só dois anos mais tarde uma substância baseada em pesquisa racional de medicamentos: o metotrexato - inibidor do ácido fólico (vitamina que age como jogar gasolina no fogo de uma leucemia) vai ser empregado em crianças com leucemia (leucemia linfoblástica aguda). Surge o grupo dos antimetabólitos - substâncias que tornariam metabólitos necessários para a divisão celular indisponíveis por introdução de pequenas mudanças (o agente mostarda age direto no DNA). Nesse caminho vem a 6-mercaptopurina e logo em seguida a vincristina. Estamos em 1955. Isso já é fruto do recém criado Centro Nacional de Serviços de Quimioterapia para o Câncer (NCCSC). Outro importante representante dos quimioterápicos anticâncer é um antigo produto químico sintetizado em 1844, mas só introduzido nos protocolos terapêuticos em 1960: a cisplatina.
Emil Frei
Mas houve problemas. Os efeitos espetaculares iniciais do gás mostarda eram efêmeros e a doença poderia retornar pior a seguir. E o mesmo parecia acontecer com os medicamentos sucessores. Usar combinações (analogamente à abordagem com vários antibióticos em certas infecções difíceis) poderia ser um caminho mais promissor, os pais dessa abordagem são os pesquisadores Emil Frei e Emil Freireich, e o primeiro acrônimo desse modelo terá a seguinte sigla VAMP! 
Infelizmente já em 1963, o promissores resultados iniciais receberam um terrível desapontamento: crianças que pareciam ter magnificas melhoras aparecem com quadros neurológicos. A leucemia tinha se escondido no sistema nervoso central… 




Desapontamentos nas diretrizes dominantes

A noção dos cromossomos defeituosos vai ficar conhecida como a Teoria das Mutações Somáticas (SMT).
Porém o tempo vai mostrar que os aspectos que poderiam substanciar essa teoria sofreriam várias decepções.
A questão viral levou a descoberta de um gene, chamado de oncogene: o gene scr. Pesquisadores que testaram o scr (Harold Varmus e Michael Bishop) mais tarde descobriram que esse gene, longe de ser um provocador maligno causador de câncer, era na verdade um gene essencial a vida, pertencente ao genoma original (de várias espécies de animais, além dos humanos)! 
Tanto vírus como químicos carcinogênicos em realidade fariam o papel de ligadores ou acionadores  (turn on) de genes que controlam a multiplicação celular - proto-oncogenes, mas que a rigor já estavam no genoma original. Um aspecto de vulnerabilidade no controle da multiplicação e crescimento celular.
Finalmente, os “cromossomos caóticos” de Hansemann, seriam apenas um manifestação visual (ao microscópio) da alteração do comportamento dos cromossomos subsequente a alguma alteração primária, tendo pouca (ou nenhuma) informação causal a oferecer. 

E, em 2010 uma descoberta importante coloca ainda mais em dúvida a consistência da Teoria Somática. E falava diretamente das mutações. O pesquisador Larry Loeb (Universidade de Washigton) publica um estudo sobre variabilidade de mutações em genes e a expressão do câncer. Há um grau muito grande de mutações dentro de um mesmo tumor, e não há como descobrir qual delas poderia ser causadora do processo. Além disso há a mesma heterogenicidade de mutações em tumores iguais de pessoas diferentes! Essa preciosa informação foi talvez o mais importante resultado do inventário TCGA, citado inicialmente - a gigantesca pesquisa que tentou construir um mapa do genoma do câncer e mostrá-lo num modelo de atlas. Um mapa anárquico. Esse pesquisador ilustra a dificuldade da procura de uma mutação inicial como geradora de câncer com a falta de semelhanças das mutações encontradas com as poucas mutações espontâneas conhecidas no DNA humano, que além do mais sofrem a eterna ação de mecanismos robustos e elaborados para previnir e reparar tais situações. Mais de cem genes de reparação foram identificados no nosso genoma.

Como chegar a algum tratamento por alvo especifico (espécie de ideal terapêutico na pesquisa de tratamentos quimioterápicos), se não há nada especifico no final de contas?

Sim, James Watson, o pai do DNA, tinha motivos de sobra para mudar o foco das pesquisas em câncer.
Mas se Hipócrates errou ao falar da bilis negra como causa do câncer, poderia ele estar certo com relação a fazer da comida teu medicamento?

No próximo post vamos conhecer Otto Walburg.




Algumas fontes:

Sobre o Rous Sarcoma Virus: LINK

http://www.singlecausesinglecure.org/author/travisc/


  

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A teoria metabólica do câncer - Parte I



CÂNCER: UMA DOENÇA METABÓLICA - PARTE I

Volta e meia recebo um dos mais dos posts mais toscos e pueris  (para não usar adjetivos piores)  em powerpoint que circulam na internet: "As causas do câncer" (ou as causas do cancro, original em português de Portugal). Um exemplo está nesse LINK.
O uso de sofismas nas admonições desse texto e vários outros similares é, digamos, muito interessante. Alguém ouviu falar no dr. Otto Warburg e sequestrou, direcionou suas enormes colaborações na pesquisa do câncer num panfleto “anti-carne” e lipidofóbico (relação do câncer com consumo de gorduras), citando um tema da moda: o pH do organismo - utilizando a ciência de forma precária e sob o viés do preconceito característico do irracionalismo aplicado ao pseudo-científico, desgraçadamente associado à um contorcionismo de interpretação que costuma se associar à idealizações no campo da saúde amplificados nos tempos de uma informações virais, (um mix de mídia médica alternativa ou outros termos simpáticos à ignorância experta).
Por inspiração desses posts, textos e outras exortações iniciei uma pesquisa nesse campo.
Câncer é uma palavra terrível, e seus atributos parecem, mesmo para a maioria dos médicos algo além da lógica da biologia e da natureza. Assim falar sobre essa possibilidade de expressão celular não parece ser uma concessão na área da comunicação. 
Existe um canal oficial - o INCA cujo link é esse - que já parece ter traçado as diretrizes master sobre as discussões teóricas e apresenta algumas sugestões (um tanto óbvias) para atitudes que poderiam proteger contra essa “maldição" que nosso organismo parece estar subjugado, com poucas rotas de fuga… 
A ideia dos próximos posts é tentar dar uma luz sobre esse conjunto de doenças, e quem sabe nos auxiliar a lidar com essa enfermidade baseado em ciência, integrando conhecimentos históricos, práticos e quem sabe abrindo um horizonte mais gentil para tantas pessoas que tem esse diagnóstico.
Obviamente, não se quer fabricar falsas expectativas, ou aproximar as pessoas do pensamento mágico, que possa estimular pacientes a uma postura incauta e estóica. Esperamos que a amplitude do conhecimento científico seja um estimulo a soma de esforços efetivamente promissores.
O estigma da palavra câncer tem como efeito co-lateral a formação de uma névoa sombria, como se o câncer fosse algo além da ciência, algo que não siga nenhuma lei biológica, o que é obviamente afrontoso à quem tem noções, mesmo sumárias, das ciências naturais. Talvez implicar ao tema certo ar secreto seja uma forma impávida de nos colocarmos como status civilizatório - algo que dá uma “dignidade justa" à patente ignorância (pública) desse assunto. Afinal estamos com tanto progresso em amplos campos científicos nesse século XXI, e deixamos o câncer ainda nos vencer.
Todos esses aspectos precisam ser considerados que um fato - indubitavelmente comum - com uma exótica dualidade: ser ao mesmo tempo ostensivo e secreto.
Quais seriam esses segredos?

Um filme recente inicia com uma exposição de biologia. Lucy é um filme muito interessante, mas essa frase dá uma informação preciosa, são as palavras do personagem de Morgan Freeman que poderiam ser resumidas em algo como: “Células em ambientes acolhedores buscam a reprodução. Células em ambientes hostis buscam a imortalidade.” Uma ideia semelhante foi exposta pela autora T S Wiley no livro “LIghts out”(Apague a Luz, versão em português), quando ela falava do início do aparecimento do câncer em certos tecidos corporais. Ou seja, se uma célula percebe que o equilíbrio do organismo mãe está em situação de falta de homeostase, as células poderiam regredir num comportamento atávico de buscar a sobrevivência por conta própria, sem manter uma postura de colaboração com as demais células do corpo inteiro, como se houvesse uma informação de alarme, tipo: "O circo está pegando fogo e é cada um por si!”
Cabe uma pergunta: como uma célula consegue na prática se distanciar das suas parceiras e iniciar de fato uma doença fatal?

Diferenças entre células normais e cancerosas

O equilíbrio da vida das células em estruturas biológicas complexas como o corpo humano precisa seguir rigorosamente algumas regras. Uma delas é a apoptose - uma programação para a morte quando elas ficam com imperfeições em suas funções ou de suas organelas se tornando incapazes de se manter seus compromissos fisiológicos. Outra regra importante é a inibição por contato, onde as células param de crescer quando o espaço onde elas se encontram fica, por assim dizer, muito cheio. As células do câncer não seguem essas regras, elas se multiplicam infinitamente, mesmo com graves alterações estruturais e funcionais, e não param de crescer e se reproduzir, o que produz uma das alterações anatômicas mais óbvias do câncer: o crescimento tumoral, uma massa  tecidual inusitada. Elas apresentam todos os tipos de mutações em seus DNA, mas isso não segue uma regra clara, ou seja não há padrão genético nessas mutações, de tal forma que as células de câncer tem uma característica muito perturbadora: as mutações genéticas são heterogêneas dentro de um mesmo tumor (na mesma pessoa) e em tumores semelhantes de pessoas diferentes. Um autor chamou isso de caos genético, e pode explicar a imensa dificuldade de se propor uma terapêutica específica (quimioterapia) bem sucedida para um determinado tipo de câncer de um órgão em particular do corpo humano. 
Angiogênese tumoral
Outra característica marcante do tecido tumoral é a capacidade de estimular suprimento de sangue próprio, o que é chamado de angiogênese: ele cria sua rede de vasos e melhora o aporte de seus nutrientes. 
Se espalhar a partir de uma lesão original é outra característica do câncer. O lançamento de células para além do local original é chamado de metastização, usualmente utilizando as vias sanguíneas e linfáticas como vias de acesso a distância, podendo chegar a qualquer outro órgão do corpo. (A invasão de um órgão vizinho é chamado de metástase por contiguidade).
Outra característica da célula cancerosa é perda de diferenciação. Ou seja, a célula de um determinado tecido vai perdendo sua morfologia original, ficando diferente das células que lhe deram origem. É interessante se perceber que numa mesma massa tumoral há vários tipos de perda de diferenciação tecidual, chegando a níveis de pouca diferenciação ou mesmo indiferenciadas (sempre em comparação com as células do tecido original). Normalmente quando menos diferenciada - ou seja mais anormais ficaram as células, mais rapidamente elas crescem e se espalham. 

Sobre uma alteração em especial vamos falar adiante. As alterações mitocondriais, as organelas celulares, que ficam no citoplasma e são responsáveis pela respiração celular.

Glicólise e Fermentação - obtendo energia sem oxigênio

Como todos sabemos a respiração da células dos animais é feita com a utilização do oxigênio.
Mas todas as células tem um “backup” respiratório. Um bem conhecido é aquele utilizado pelos músculos em determinados tipos de exercícios: a respiração sem oxigênio ou anaeróbia. 
Nesse momento uma molécula de glicose (C6H12O6) é convertida à duas moléculas de ATP. 
Esse modo super antigo da célula produzir energia ocorre diretamente no citoplasma celular. Não há nenhuma parte específica responsável por esse processo. Em bioquímica isso é chamado de Glicólise. O resultado desse processo gera então duas moléculas de ATP - fundamental fonte de energia celular - e duas moléculas de piruvato (ácido pirúvico). O piruvato é convertido a ácido lático. Esse processo também é chamado de fermentação. 
Sumariamente pode-se dizer que a glicólise/fermentação é um modo primitivo de uma célula gerar energia.
(A fermentação, é processo que nos traz produtos como o iogurte e o chucrute).

Gráfico da glicólise


Ciclo de Krebs/Fosforilação oxidativa - obtendo energia com oxigênio 

Quando o oxigênio entra em cena a célula consegue muito mais eficiência na produção de energia, em vez de 2 moléculas de ATP, a célula consegue 36 a partir de uma única molécula de glicose.Esse processo se inicia a partir das duas moléculas de piruvato obtidos pela glicólise, que é transformado para acetil-coenzima A (acetil-CoA), que a seguir entra num caminho bioquímico complexo chamado de Ciclo de Krebs, o que gera subprodutos que vão passar pela fosforilação oxidativa (ou cadeia respiratória), que finalmente vai produzir mais 34 ATPs. Isso só ocorre em presença de oxigênio. Por isso é chamada de respiração aeróbia.
Só que para que esse sofisticado método de produção de energia ocorra vai entrar em cena um equipamento especializado: a mitocôndria. São milhares de mitocôndrias nas células. E algumas tem muito mais do que outras: por exemplo a célula do músculo cardíaco, algo fácil de entender: ela nunca para de gastar energia!
Formas de obtenção de energia pela célula (fonte MEC)

Acredita-se que as mitocôndrias tenham sido, há bilhões de anos atras, estruturas independentes simples que se beneficiaram do aumento do oxigênio na atmosfera da Terra. Essa estruturas que produziam muita energia seriam um reforço exponencial para células que quisessem melhorar sua produção própria de energia, considerando que o método tradicional, a glicólise era pouco eficiente. Essas células teriam “engolfado" esses micro-organismo e os transformados em organelas especializadas na produção de energia (hipótese da simbiose da mitocôndria nas células eucariontes). 
Tem células que não tem mitocôndrias: as hemácias (glóbulos vermelhos) e algumas células da retina. Essas células estão bem adaptadas ao processo de glicólise como sua fonte de energia.
Em algumas situações quando a necessidade de energia vai além da produção daquela oriunda da Acetil-CoA, uma célula saudável vai fermentar o piruvato à ácido lático - isso ocorre nas células musculares estriadas sob intensa atividade física. Quando o ácido lático é produzido há um sinal de que a exaustão está próxima. 
Mitocôndrias

Uma questão essencial

A geração de energia a partir de carboidratos começa com a glicólise. 
Mas um fato muito importante que não pode ser esquecido é que a glicose NÃO é a única fonte de acetil CoA (início da respiração aeróbia). Nosso organismo pode fazer acetil CoA a partir de gorduras e cetonas, mas apenas na presença de oxigênio. Isso implica que a célula precisa ter mitocôndrias em quantidade e com suas funções normais. 
Se uma célula não tem mitocôndrias, ou se elas são mal funcionantes - ela não consegue energia a partir de gordura e cetona. Esse tipo de célula precisa de glicose, e pode precisar de muita, muita glicose! 
Isso é muito importante para entendermos um dos pilares da teoria de origem metabólica do câncer. Pois afinal de contas, se a célula cancerosa tem como marca descrita pelo pesquisador Otto Warburg, nos anos 1930, o processo chamado de glicólise aeróbica, ou fermentação aeróbica, hoje sabemos que isso ocorre porque essas células têm mitocôndrias ineficientes. Estão presas ao mecanismo mais antigo, mas garantido: usam a glicose para fazer duas moléculas de ATP. Não podem usar o mecanismo da acetil-CoA. Há um dano mitocondrial permanente.



Nos próximos posts vamos ver o que foi descoberto sobre a saúde da mitocôndrias e as células cancerosas, alguns dados históricos na pesquisa do câncer e assuntos afins. 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Amilase na adaptação da espécie humana - êxito ou resguardo emergencial?

A questão da amilase

Debates sobre a alimentação ideal para o ser humano

(tradução livre com inserções de um artigo do blog archeanova)

Um ponto de debate contínuo e os pesquisadores e promotores da dieta paleolítica é a questão do amido: se ele se constitui em um nutriente seguro e essencial. Um dos argumentos para o consumo de amido baseia-se no pressuposto de que o leite materno - compreendido como o alimento humano ideal - contém açúcares. Após o nascimento, o bebê humano é dotado de enzimas que servem para digerir e fazer uso dos açúcares, gorduras e proteínas contidas no leite materno da mãe. O bebê humano não é, no entanto, ainda que minimamente, equipado para digerir amidos alimentares - como abóbora ou puré de batata - que comumente compõem os primeiros alimentos sólidos de uma criança. Em um artigo publicado em 1984, Sevenhuysen, Holodinsky e Dawes demonstraram que os bebês têm níveis insignificantes de α-amilase salivar. [1] A amilase salivar serve para pré-digerir amidos através da mastigação, instigando a sua hidrólise em maltose e glicose. Examinando o desenvolvimento de amilase salivar em crianças desde o nascimento até cinco meses de idade, os autores demonstraram que os bebês não conseguem produzir quantidades adequadas de amilase de digerir - mesmo quantidades diminutas de - amido. Consequentemente, o consumo de carboidratos na dieta dos lactentes resulta em problemas gastrointestinais árduos, como uma severa diarreia, o que
pode trazer profundos impactos na saúde e crescimento de uma criança.

Quanto aos humanos adultos, a influência dos carboidratos na dieta sobre o conteúdo da amilase na saliva permanece algo incerto, no entanto, alguns estudos têm demonstrado evidências de que a alimentação com uma dieta rica em carboidratos está associada com o aumento da atividade amilolítica. [2] Em 2007, Perry et al. publicou um artigo excepcional examinando o aumento das cópias do gene da amilase salivar em seres humanos ao longo da história evolutiva. [3] Os pesquisadores descobriram que mutações que teriam várias cópias do gene (e, consequentemente, adaptações iniciais para o consumo de amido) não ocorreram até, pelo menos até 120 mil anos atrás. Papel Perry et al., confirma o papel mínimo assumido pelos amidos alimentares ao longo de quase toda a nossa história evolutiva. Além disso, em um artigo publicado em 2010, Hancock et al. relatou que os fortes sinais de adaptações recentes do genoma humano são os numerosos atributos específicos para (consumo de) tubérculos, tais como (para lidar com) amidos, açúcares, reduzido ácido fólico, e a desintoxicação de glicosídeos de plantas. [4] A necessidade para tantas adaptações simplesmente reforça que estávamos anteriormente - e, provavelmente, ainda permanecemos – pouco equipados para consumir, até mesmo, quantidades mínimas de amidos densos.

[Em uma pesquisa que comparou populações com diferentes acesso ao consumo de amido] Havia muita variação dentro de cada grupo, mas em média, os grupos que comiam mais amido tinham mais cópias do gene amilase. Grupos com uma dieta mais rica em amido tem medida de sete cópias do gene amilase em comparação com média de cinco cópias que é observado nos grupos que comiam uma dieta com menor teor de amido. 
Assim, pelo menos entre os grupos (pesquisados), a quantidade de amido na dieta está correlacionada com o número de genes de amilase. (LINK)

Chimpanzés produzem amilase salivar para digerir frutas; de forma semelhante, também os carnívoros possuem amilase a fim de processar o glicogênio residente na carne do músculo. Além disso, os animais alimentados com alternativas à sua dieta natural irão produzir amilase em valores correspondentes à quantidade de carboidratos consumidos. Os seres humanos também têm a sua própria cópia primordial do gene da amilase; uma característica por sermos ancestralmente primatas. A segunda cópia de mutação ocorreu em algum lugar entre 100 - 200 mil anos atrás, no entanto, isso pode ter sido um resultado ainda mais recente, uma vez que polimorfismos de um único nucleotídeo e o número de copias de mutações pode ser resultado de apenas alguns milhares de anos [5] As adicionais - e atualmente incompletas - cópias ocorreram no máximo, cerca de 25.000 anos atrás, mas a maioria de forma plausível vieram cerca há cerca de 10.000 anos atrás, em simultâneo com o início da agricultura, e confirmando que o consumo de elevado teor de amido foi um fenômeno historicamente recente. Muitas populações humanas atuais com ancestrais de baixo consumo de amido ainda só tem duas cópias, o que indica que a adaptação para o alto consumo de amido não foi disseminada globalmente.
Em última análise, no entanto, ser capaz de digerir os hidratos de carbono dos amidos não os torna inofensivos (nós ainda não estamos plenamente adaptados para muitas proteínas vegetais complexas, como o glúten, por exemplo) nem alivia o inevitável aumento nos níveis de glicose e de insulina. Além disso, a evidência parece demonstrar que a evolução do gene da amilase em humanos surgiu como um mecanismo de sobrevivência, resultante da necessidade de obter energia a partir de amidos em situações de fome.

... Uma observação sobre esse tópico:
"... considerar a possibilidade de que essa alta repetição do gene da amilase é realmente uma resposta defensiva ou de proteção em nosso genoma desencadeada pelo aumento do consumo de amido que ocorreu após o surgimento da agricultura, ou talvez mesmo já a partir do controle de fogo? (...) Isto é, o amido deve se converter à glicose tão rapidamente quanto possível de modo que possa ser assimilado rapidamente, ou então ele irá aumentar reações fermentativas no intestino delgado inferior ... "

Na mesma linha, o doutorando e pesquisador, Miki Ben-Dor, no departamento de arqueologia da Universidade de Tel Aviv, autor do blog paleostyle (em parte, em hebraico), propôs que o consumo de amidos foi e ainda é biologicamente anormal. Sua ingestão sinaliza para o corpo humano que um período de fome, ou a escassez é iminente. Seguindo o argumento de Spreadbury, Ben-Dor propõe que o corpo humano - a microbiota intestinal, especificamente, atuando neste sentido como um órgão sensorial - usa indicações do meio ambiente para avaliar a probabilidade de qual  período - de fome ou abundância está por vir em seguida - e se é favorável gastar ou acumular gordura corporal em conformidade (com essa percepção). [6] Como a carne é a fonte preferida e natural de energia calórica e nutricional para os seres humanos, o consumo de quantidades suficientes de carne sinaliza para o corpo um período de abundância e fartura. Consequentemente, o acúmulo de gordura corporal é reduzida a um nível ideal, a fim de permitir a vantagem física ápice para a mobilidade, a perseguição e fuga dos predadores. Por outro lado, a ingestão de quantidades anormais de alimentos distintos da carne provoca alterações na microflora intestinal, oferecendo sinalização da escassez ambiental de alimentos e iniciando a acumulação de gordura como um lastro energético, consecutivamente. Ben-Dor segue Spreadbury aqui, na hipótese de que a microbiota gastrointestinal constitui o principal órgão influenciado evolutivamente por quantidades anormais da concentração pós-prandial (após uma refeição) de carboidratos. Semelhante a destruição bacteriana causada pelos açúcares sobre a saúde bucal; [7] as farinhas acelulares, açúcares e amidos - tudo isso propaga a microbiota inflamatória através do trato gastrointestinal superior [8] Essencialmente, o consumo de alimentos estranhos e irreconhecíveis como substituição dos alimentos ideais e conhecidos, é, compreensivelmente, traduzido pelo corpo humano como um sinal de fome (num futuro breve).
(T.S. WiIley, em seu belo livro "Apague a Luz" diz que o ganho de peso - hipotética vantagem do consumo de carboidratos - tem a premissa de um vindouro período com menor exposição à luz - um inverno com menos disponibilidade de fontes alimentares - ou seja, seria melhor guardar energia. Mas como temos luz a vontade, o corpo entra num estado permanente de aguardo ao inverno de pouca luz, que afinal, nunca vem...)   

Além disso, evidências atuais geradas a partir da análise de isótopos estáveis de nitrogênio de ossos de hominídeos – dados que estão sendo estudados pelo professor Michael Richards e pelo Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology - confirmam que os nossos antepassados humanos eram verdadeiramente carnívoros de alto nível [9] Na verdade, cem por cento dos ossos de hominídeos primitivos estudados a partir do Paleolítico Superior na Europa revelam uma marca em isótopos típica de carnívoros (variações de isótopos encontradas como marcas no ossos de animais estudados em arqueologia, denominado de carnivorous stable isotope footprint (LINK com gráficos) ) maior do que a de raposas e lobos; enquanto, comparativamente, os dados de onívoros, tais como porcos ou o urso marrom, confirmam que estas espécies realmente tinha uma dieta onívora. [10]

Forrageiros do Kalahari
É comum para apologistas do amido apontar para a abundância de alimentos vegetais comestíveis disponíveis - e consumidos por populações específicas de forrageiros - em partes contemporâneas da África como prova da disponibilidade de alimentos e práticas alimentares na savana anteriores à migração humana para fora da África. Esquece-se, porém, um ponto crucial, de que nossos ancestrais teriam que competir com herbívoros e frugívoros muitas vezes melhor adaptados e altamente defensivos, isso sem mencionar os vários insetos, pássaros e roedores amplamente encontrados no ambiente. A aquisição de alimentos vegetais em quantidade suficiente nestes primeiros habitats iria representar um desafio difícil e metabolicamente desvantajoso. [11]
Até o momento, os dados arqueológicos, antropológicos e evolutivos revelam que grandes quantidades de amido nunca foram consumidas antes do período Neolítico e, consequentemente, permanecem biologicamente não reconhecidas nem como benigna nem como ideal. Além disso, poucos (se houver algum) povos modernos estão suficientemente equipados com a robustez genética, metabólica, imunológica e do trato gastro-intestinal de nossos antepassados que os tornariam capar de gerir o consumo de amido  como uma "segura" base dietética.


O que é Variação no Número de Cópias (de genes) - (CNVs)? É ter mais do que duas cópias de um gene. Significa – nesse caso -  que há mais genes para produzir mais amilase, por exemplo. Até pouco atrás se supunha haver poucas CNVs no genoma humano. Mais recentemente se percebeu que isso está longe de ser uma ideia correta. Os últimos estudos mostraram haver mais de 1400 alterações desse tipo (envolvendo quase 14% do DNA humano).


Referências:

[1] Sevenhuysen, Holodinsky, and Dawes 1984.
[2] Squires (1952) – in addition to the findings of previous investigators – found elevated salivary amylase activity to be associated with a diet high in carbohydrates. Furthermore, amylase activity was found to vary in accordance with the carbohydrate content of the diet. In addition, Neilson and Terry (1906); and Neilson and Lewis (1908) contended that continued subsistence on a high carbohydrate diet increased amylolytic activity. See also: Wesley-Hadajia and Pignon 1972. Additionally, for whatever reason, it appears that there also exists a correlation between salivary a-amylase activity and stressful situations. Increases in enzyme concentrations have been documented in participants under physical stress and psychological stress, such as watching distressing images of mutilation or accidents, for further, see: Nater et al. 2005; Arhakis et al. 2013.
[3] Perry et al. 2007.
[4] Hancock et al. 2010; See also Ben-Dor et al. 2011.
[5] Perry et al. 2007.
[6] Spreadbury (2012) argues that “if the high carbohydrate density of modern foods produces an 
inflammatory microbiota in both the mouth and small bowel, it may be this that is the root cause of both periodontal and atherosclerotic disease, as well as obesity and other metabolic syndrome-linked “diseases of affluence.””
[7] Hujoel 2009; Wood, Johnson, and Streckfus 2003; Goodson et al. 2009.
[8] Spreadbury 2012.
[9] See: Schoeninger and DeNiro 1984; Schoeninger 1995.
[10] Larsen, Shavit, and Griffin, 1991; Richards and Trinkaus 2009; Richards 2009; Mannino et al. 2011; Richards 2008.
[11] For an examination of archaeological evidence for plant use in the Palaeolithic, see Copeland et al. 2011.

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