Fazer coelhos comerem gordura ou tigres comerem capim pode provar o quê exatamente? |
Estudos que não provam nada
Essa é a tradução do capítulo cinco do livro Os Mitos do Colesterol do dr Uffe RavnskovAchei interessante publicar no blog pois ele traz a tona um aspecto curioso do aprendizado médico.
O texto a seguir é do famoso livro de fisiologia Guyton, 5a. edição que participou da formação de milhares de profissionais de saúde nas últimas décadas. (5ª edição brasileira, pg 815):
Produção Experimental de Aterosclerose em Animais
Mito 5
Estudos em Animais Provam a Ideia da Dieta-cardíaca
“Truques com coelho são sucessos positivos”.
Harry Houdini mágico de origem
húngaro-americana (1874-1926)
Animais comendo a comida errada
Talvez o
leitor esteja achando que a questão do colesterol no homem é um pouco
complicada - e é. Mas não é nada comparado à situação no reino animal, embora,
se isto o conforte, começarei dizendo que estudos do colesterol em animais não
se aplicam aos humanos.
Quando o tema
é o colesterol, nenhum outro mamífero assemelha-se a nós. Eles têm outras taxas
sanguíneas, têm hábitos dietéticos diferentes, e a maioria deles não se torna
aterosclerótico.
Muitos
mamíferos nunca comem alimentos que contém colesterol. Se eles são forçados a
uma alimentação rica em colesterol, o
nível de colesterol no sangue sobe a valores muitas vezes mais alto que o já
visto em seres humanos normais. E uma vez que tais animais não podem utilizar
este colesterol ingerido, cada órgão satura-se
de colesterol como uma esponja satura-se de água.
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Macaco Rhesus |
Se os animais só tão diferentes de nós, como nós
podemos utilizá-los para provar que
comida rica em gordura e colesterol é perigosa para os seres humanos?
Utilizando-se uma ração rica em colesterol, é possível induzir mudanças
arteriais que vagamente se assemelham à aterosclerose humana em macacos rhesus,
mas não é possível nos babuínos. Como nós vamos saber se o homem reage como um
macaco rhesus ou como um babuíno ou como outro qualquer?
Estas óbvias
inconsistências nos estudos com animais não impediram que milhares de
cientistas inventassem numerosos modos
para testar animais em laboratórios.
Porém, há
muitas experiências e observações que podem nos dar elementos para o
raciocínio. Vamos começar examinando a aterosclerose e a doença coronária em
animais selvagens. Com o que se parece a aterosclerose nas artérias e corações
de animais que vivem fora do laboratório?
Aterosclerose
semelhante à humana foi encontrada em muitos animais, mas seu aparecimento é
menos difundido, provavelmente porque muitos animais selvagens sofrem mortes
violentas ainda jovens e assim raramente alcançam a idade de aterosclerose. Um
animal com aterosclerose pronunciada também pode ser uma presa fácil.
A
aterosclerose é encontrada
freqüentemente em pássaros, possivelmente porque a pressão sanguínea é
mais alta que a de animais que não voam. Mas não é a gordura de origem animal
ou o colesterol de suas dietas a causa disso. Pombos que comem sementes e grãos, por exemplo, como os pingüins que
vivem comendo peixes se tornam ateroscleróticos da mesma maneira que outras
aves de rapina.
Não há nenhum
suporte para a ideia da dieta cardíaca (diet-heart)
entre os quadrúpedes. A aterosclerose não têm sido observada em predadores, mas
não é incomum entre os mamíferos vegetarianos devorados pelos primeiros.
Leões-marinhos e focas também se tornam ateroscleróticos; obviamente não são auxiliados
pela dieta baseada em peixe, que fornece mais gordura polinsaturada do que a
maioria dos humanos consome.¹
Infelizmente,
os investigadores em doença do coração não mostraram muito interesse na
aterosclerose naturalmente presente nos animais. Para um cientista com uma mente aberta, muitas questões pertinentes
poderiam servir como trampolins para uma interessante pesquisa. Por exemplo, se
mudanças vasculares semelhantes à aterosclerose humana é achada em alguns
animais selvagens, mas não em outros. Por que estas mudanças acontecem nos herbívaros
e nos animais marinhos e não naqueles que ingerem gordura animal? E seria
possível prevenir ou tratar a aterosclerose espontânea dos animais?
Ao invés, a
maioria dos cientistas já decidiu que aterosclerose é o que aparece quando eles
forçam coelhos em laboratório a se alimentarem com gordura e colesterol.
Vamos dar uma
olhada em alguns de seus resultados.
Coelhos e colesterol
O coelho é um
animal dócil e plácido. Não morde. Colher amostras de sangue de suas longas
orelhas é fácil. E os coelhos são baratos. Mas a razão principal que tornou o
coelho no animal mais comum nos laboratórios de colesterol é o modo que reagem
a uma ração rica em colesterol.
O coelho,
obviamente, é um herbívoro. Se um coelho é forçado a comer um alimento que
nunca comeria voluntariamente e que não pode digerir nem metabolizar, seu
colesterol no sangue sobe a valores dez a vinte vezes mais elevados que os
valores mais altos já alcançados em seres humanos. O colesterol se infiltra em
todo o organismo do coelho; seu fígado e rins ficam gordurosos, seu pêlo cai e
seus olhos se tornam amarelados pelo acúmulo de colesterol que não pode armazenar,
não pode metabolizar e nem pode
excretar. Finalmente, morre, não por doença cardíaca, mas pela perda de apetite
e desnutrição: morre de fome.
É verdade que
também é depositado colesterol nas artérias do coelho, mas estes depósitos nem
mesmo remotamente se assemelham aos encontrados na aterosclerose humana. O
colesterol aparece em diferentes lugares nos vasos sanguíneos dos coelhos em
relação ao homem, e as mudanças microscópicas também são diferentes, sem
qualquer hemorragia ou fissura tal como aparece no homem, e nenhum trombo ou
formação de aneurisma é verificado nas paredes arteriais. O fato mais notável é
que é impossível induzir um ataque de coração em um coelho através de meios
dietéticos. O único resultado que a ingestão de colesterol que o coelho
compartilha com homem é aumento do
conteúdo de colesterol na parede arterial.
Outras
espécies superalimentadas com colesterol e gordura de animal produzem
resultados variados. As características das mudanças patológicas são
semelhantes a essas do coelho, mas a quantia e o local do colesterol nas
paredes arteriais variam. Como uma regra, é extremamente difícil provocar um
ataque de coração em animais através de manipulação dietética. Para ter êxito,
o cientista precisa combinar dieta com qualquer outra coisa, como injeções de
hormônios ou promovendo um dano mecânico nas artérias.²
Em raros
experimentos ataques cardíacos foram observados em animais de laboratório
alimentados com colesterol e gordura animal. Mas isso não é prova alguma de que
a comida seja a causa, porque aterosclerose e doença coronária de coração
acontecem em animais de jardins zoológicos alimentados com suas dietas
naturais. Para provar que a alimentação não natural cause um ataque cardíaco,
deveriam ser estudados dois grupos de animais de laboratório, um grupo
recebendo comida de rica em gordura e um outro recebendo sua comida
natural.
Corações em greve de fome
Quem faz
experimentos em animais freqüentemente se esquecem que os animais não gostam
disto. Este fato é crucial para estudos de doença coronariana, uma vez que frustração e a tensão psicológica são
consideradas possíveis causa da doença. Neste contexto pode ser interessante
olhar para algumas experiências executadas pelo médico americano e cientista
Dr. Bruce Taylor e seus colegas de trabalho. (Este é o mesmo Dr. Taylor que nós
discutimos no Capítulo 1.) Os proponentes de dieta cardíaca citam
freqüentemente estas experiências como prova de que a gordura animal provoca
aterosclerose e doença cardíaca em humanos.
Dr. Taylor e
sua equipe estudaram macacos rhesus selvagens capturados da selva. Para
produzir "aterosclerose", eles forneceram uma ração acrescida de
quantias enormes de colesterol. Ao longo da experiência, os macacos foram
internados individualmente em pequenas gaiolas para cachorro, uma manobra que
eles obviamente não gostaram. Para prevenir uma fuga, as gaiolas foram
reforçadas com folhas de metal.
Os macacos apreciaram
a comida ainda menos do que seus alojamentos. Eles comiam pouco e lançavam o
resto ao redor das gaiolas. Por longos períodos eles ficavam em greve de
fome.
Obter
amostras de sangue destes infelizes macacos era
difícil para todos os envolvidos. Para adquirir sangue suficiente, era
puncionada a artéria da virilha do macaco, ao que os macacos resistiam violentamente - eles gritavam, urinavam e defecavam.³
De 27
macacos, um teve um ataque de coração depois que fosse sujeitado a quatro anos
de experimentação neste laboratório de porão em Chicago. De forma interessante,
os cientistas informaram que este animal era especialmente hiperativo e
extremamente nervoso.4
Eles fizeram
o relato deste fato, mas não o desenvolveram. Talvez fatores distintos das
altas taxas de colesterol no sangue
poderiam ter causado o ataque de coração neste animal inteligente isolado
durante anos em uma gaiola pequena, alimentado com uma dieta de gosto ruim e regularmente sujeitado a
terríveis coletas de amostras de sangue. Não seria possível? Nós não sabemos.
Taylor e os seus colegas, e a maioria dos outros que citaram este estudo em
artigos posteriores, consideraram como
causa a comida e os níveis altos de colesterol, nada mais.
Nessas
experiências, o colesterol dos macacos escalou a valores tão altos quanto nunca
medidos em seres humanos. Mas não foram os níveis de colesterol que
determinaram o resultado. Este fato foi demonstrado em uma interessante
experiência do Dr.Dieter Kramsch e colegas no Departamento de Pesquisa Clínica do Instituto Cardiovascular Evans, em
Boston.
Dr. Kramsch e
sua equipe estudaram tantos macacos quanto Dr. Taylor o fez, mas o projeto do
Dr. Kramsch os separou em três grupos. Um grupo recebeu ração natural para
macacos, e os dois outros receberam ração com manteiga somada a colesterol. O
grupo alimentado com a ração normal e um dos grupos alimentados com a ração
enriquecida ficaram inativos em suas gaiolas, ao longo da experiência. Ao
terceiro grupo foi permitido exercitar.
Só os macacos
inativos alimentados com manteiga e colesterol contraíram aterosclerose coronária
e doença de cardíaca. Mas os macacos que tinham liberdade para se exercitar
tinham as artérias coronárias amplas, quase lisas, embora o colesterol fosse
quase tão alto quanto dos macacos inativos!5
Infelizmente,
Dr. Kramsch e seu grupo não informaram o que aconteceu com os macacos inativos
alimentados com a ração normal.
Isto seria o mais curioso, porque se estes macacos
não desenvolveram aterosclerose, significaria
que é a combinação de inatividade e comida de rica em gordura que produz
aterosclerose. E se estes macacos inativos com ração normal tivessem
desenvolvido aterosclerose da mesma maneira que os macacos inativos com ração
rica em gordura, a inatividade, e não a
alimentação gordurosa, é a culpada. Ambas as alternativas forneceriam uma
informação muito interessante. Será que os resultados do estudo foram tão
controversos que os investigadores não ousaram informar? Nós não sabemos.
Os proponentes honestos da ideia da dieta
cardíaca admitem que sua hipótese não
será provada criando aterosclerose e doença cardíaca em animais, mas estudando
estes problemas em seres humanos. E eles imaginam que serão bem sucedidos em
provar isto. No próximo capítulo veremos se eles têm razão.