A teoria metabólica do câncer
Mais elementos para configurar as características da questão
Continuamos com a uma série de artigos a respeito da teoria metabólica
do câncer.
Nos artigos anteriores vimos uma pouco da história da
pesquisa do câncer.
A rota de pesquisa e consequente abordagem terapêutica tem
sido em cima da perspectiva das mutações genéticas, não obstante os resultados muito
desoladores, no que diz respeito à mudanças nas expectativas de manutenção e
qualidade de vida quando estamos a frente de quadros realmente graves .
Certamente, quando estudamos com mais profundidade o tema
podemos levantar algumas dúvidas sobre o que teria levado a reflexão média ficar aparentemente restrita
ao redor dos limites aparentemente óbvios da Teoria das Mutações Genéticas
(GMT), sem integrar outras formas de
abordagem.
Parece algo que facilmente poderia ter sido percebido, na
medida que uma mera observação de fatos triviais para quem lida com tópicos de
pesquisa poderia estender o espectro de possibilidades, seja no campo de compreensão
da doença tanto quanto no da terapêutica.
Um exemplo caricatural dessa inquietação reflexiva recai,
por exemplo, na rotina de investigação atual do câncer.
PET SCAN E GLICOSE
A afinidade pela glicose das células cancerosas não é
nenhuma novidade.
A medicina e seus pesquisadores sabem da insaciável
necessidade de glicose pelo câncer há décadas.
O uso de PET Scans para diagnosticar e monitorar o câncer e
sua evolução é um documento da importância da glicose para a própria doença.
Vamos entender porque.
O que é o PET SCAN?
É um exame que surgiu ainda na década de 70, foi desenvolvido numa universidade americana em St. Louis. Ficou restrito à área de pesquisa até os anos 90.
É um exame que surgiu ainda na década de 70, foi desenvolvido numa universidade americana em St. Louis. Ficou restrito à área de pesquisa até os anos 90.
Inicialmente o problema não estava nos equipamento de
detecção, o problema estava na descoberta de algo que favorecesse à detecção.
Era fundamental descobrir uma forma de marcar o tecido doente, para
distingui-lo do saudável.
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Peter Pedersen |
A resposta recaiu nas descobertas de Peter L Pedersen sobre
a super-expressão da hexoquinase II nas células cancerosas – com subsequente
super-assimilação da glicose pelas células tumorais.
O PET SCAN se trata de um exame de alto custo, que tem indicação
mais relevante na área de oncologia. É de um tipo de tomografia, que utiliza
detectores de radiação gama para fazer cálculos computadorizados, que fornecem
uma leitura tridimensional da área corporal avaliada. Essa imagem é obtida pela
localização da emissão de pósitrons de radionuclídeos fixados em órgãos do
corpo do paciente. Nos estudos oncológicos o elemento radioativo utilizado é o
Flúor-18, mais precisamente o 18F-fluoro-2-deoxiglicose
(simplesmente chamado de FDG). Esse
sofisticado fruto da tecnologia só funciona porque as células de câncer são
ávidas por glicose! O FDG é muito semelhante à glicose, mas tem um átomo de
oxigênio trocado por um isótopo de flúor. Assim
o FDG faz o tumor parece um “poste de luz” ao exame. Simplesmente porque os tecidos cancerosos
concentram esse marcador, tornando possível fazer um levantamento da
localização e dimensão da origem tumoral e eventual mapa da dispersão de metástases.
Artigos publicados já em 1977 e 1981 sobre o papel da
hexoquinase II e o efeito Warburg, por pesquisadores como Bustamante e
Pedersen, contribuíram para o desenvolvimento e utilização do exame de PET/SCAN
especificamente para o câncer (Pedersen, 2007).
Em 2011, os pesquisadores Klement e Kämmerer reafirmam que essa característica de
afinidade pela glicose é a base do uso da tomografia de emissão de
pósitrons com o marcador similar à
glicose, o FDG.
Certamente o conhecimento do alto influxo de glicose foi uma
ferramenta para o desenvolvimento de análogos radioativos da glicose. Um
instrumento tão importante que atualmente é – inequivocamente - a melhor
maneira de se enxergar o tumor em um organismo vivo, tanto para detecção,
estadiamento (configuração do projeto terapêutico) e acompanhamento dos
resultados.
Então aqui não estamos exatamente diante de uma novidade. Com
certeza a ciência já tem plena noção da avidez pela glicose de células tumorais
há algum tempo...
Mas curiosamente é dado para pacientes muito doentes dietas
hipercalóricas ricas em... açúcar e maltodextrina! Algo que provavelmente vai
alimentar principalmente quais células? Aquelas que estão mais ávidas pelo
açúcar! Podem dar seu palpite sobre que tipo de grave equivoco está sendo praticado
aos pacientes mais fragilizados pelo câncer. (Amy Berger fala do shake Ensure
ofertado para pacientes com câncer que têm 51 gramas de carboidratos,
oferecidos para doentes cuja doença se alimenta dos mesmos).
Como já foi considerado em artigo anterior, embora não
possamos dizer que o consumo de açúcar necessariamente cause câncer, é possível
ser afirmado com boa base em evidências científicas que uma vez iniciado –
o câncer – o consumo de carboidratos facilita e sustenta seu crescimento.
Segundo Klement/Krämmerer (2011): “Existem evidências de que
taxas cronicamente elevadas de glicose, insulina e IGF-1 facilitam a
tumorogênese e pioram o prognósticos de pacientes com câncer”.
Nesse sentido podemos facilmente acompanhar o raciocínio de
Amy Berger, a respeito dessa questão em particular: assumindo que possa haver
alterações celulares a qualquer momento, que podem levar a formação de células
cancerosas, mas que o sistema imunológico, e todos os demais mecanismos auto
regulatórios poderiam ser capazes de neutralizar tais alterações, colocar
grandes quantidades de glicose no sistema certamente não deve ser muito útil
para a eficiência desse equipamento de proteção.
Podemos especular que o problema não seja de fato a criação
de células cancerosas. O problema é quando o organismo se torna incapaz de ser
eficiente na sua exoneração. Isso é pertinente, pois podemos facilmente
concluir que perdemos tempo em tentar buscar a causa do câncer, quem sabe até
mesmo na ufanística teoria de mapear a genética do câncer entre membros de uma
família - ao invés de compreendermos os processos fisiológicos que estão sendo
orquestrados no interior do organismo, e que são pervertidos pelo tipo de
ambiente desfavorável que está sendo promovido pelo consumo de carboidratos,
(obviamente não desconsiderando a possibilidade de que outros fatores também
possam também desequilibrar a homeostase), em favor da eficiência de células
cancerosas.
GLUT – OS TRANSPORTADORES DE GLICOSE
A glicose é “importada “para dentro das células por
transportadores específicos, abreviadamente chamados de GLUT. Existem vários
GLUTs, que recebem números para distinguir suas características fisiológicas.
São sintetizadas dentro das células e translocadas para a membrana para
“capturar” glicose e colocar para dentro
do ambiente celular – seja para gerar energia no citoplasma ou principalmente –
em células sadias pelas mitocôndrias. As GLUTs são estimuladas pela “percepção”
de glicose pela unidade celular. Mas duas formas são estimuladas por baixas
taxas de glicose, como as GLUT 1 e 3,
sendo que a GLUT3 é cinco vezes mais eficiente para transportar glicose do
que as demais.
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Tabela de GLUTs |
Mais uma vez, de acordo com Klement/Krämmerer (2011): “Está
cada vez mais claro que as células malignas compensam seu déficit energético regulando para cima a expressão
de enzimas glicolíticas (HKII, por exemplo) tanto quanto os transportadores de
glicose GLUT1 e GLUT3, que tem alta afinidade pela glicose e garantem um grande
influxo de glicose mesmo quando há baixas taxas da mesma no ambiente extra
celular.”
De acordo com Mathupala/Ko/Pederseon (2010): “Sem surpresa,
ambas (GLUT3 e GLUT4) tem sido
demonstradas sobre-expressadas na maioria dos cânceres humanos. Entretanto, a GLUT1, geralmente presente em
todos os tecidos normais, é uma das mais comumente sobre-expressadas isoformas
(de GLUTs) nos tumores, se juntando às GLUT3 e GLUT4, (...)”
Não há como negar que a presença marcante de GLUTs nos tecidos tumorais nos leva a crer que a glicose tem que ser muito importante para os mesmos. Provavelmente fundamental.
Se o PET SCAN marca os tecidos com excesso de glicose e esses mesmos tecidos têm mais transportadores de glicose, não há nada mais natural do que imaginarmos que a limitação do fornecimento de glicose possa interferir de forma reversa no sucesso da tumorogênese.
Dessa forma, não restando dúvidas de que a capacidade de obter glicose com
mais eficiência é uma das características mais importantes do câncer, não seria possível utilizar essa peculiaridade como arma para seu tratamento?
É o que veremos no próximo artigo.
Leia os artigos anteriores da série:
PARTE I
PARTE II
PARTE III
PARTE IV
Leia os artigos anteriores da série:
PARTE I
PARTE II
PARTE III
PARTE IV
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Esse artigo é baseado em textos (traduções adaptadas) de Amy Berger e no Livro "Trippng Over the Truth"de Travis Christoffersen.